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2014-01-04

O meu presépio

 Chamem-lhe o que quiserem...  Mas, com o devido respeito, independentemente das definições enciclopédicas como curral, estábulo, eu chamo-lhe Presépio.

O local de encontro, um misto de fé e fantasia onde construimos em família a vivência natalícia, o sentido de comunhão e de partilha.

Quando, com a ajuda da neta mais velha, na sabedoria pertinente dos seus oito anos, estávamos a construir o nosso Natal, ela perguntou onde colocaríamos o Pai  Nata (l?!), avós compreensívos e sensíveis, olhámo-nos perplexos... Como, enquadrados no espírito consumista da época, lhe poderiamos transmitir a verdadeira mensagem natalícia ? Hoje em dia, entre a medieval  e ternurenta mensagem franciscana e a moderna e consumista da cocacola, quem leva a melhor?

Lembrei-me de parar um pouco e,com ela sentada ao meu lado, ir desfiando memórias.

O calor reconfortante da lareira tornava-se propício para, como ciscos, reativar a fogueira das  contas  do rosário da vida.

Lembrei-me dos natais da minha infância. Naquela pequena aldeia, perdida entre as fraldas da Serra da Nogueira e ignorada  nos contrafortes da de Bornes, onde como o Gomes, menino dos arredores do Porto, citadino e mais sabido dizia que, para se lá chegar, era preciso escorregar um dia inteiro por uma tábua abaixo... os natais eram diferentes.

Não havia pai natal, mas estava presente um menino. Se calhar dali de perto: talvez Calvelhe ou  Izeda, os limites maiores do nosso mundo, mas que era como nós. Jogava conosco ao calhau, à bilharda, ao pingo e ao regou-gou... Não armava esparrelas aos pássaros nem tinha a fisga como arma. Até nem sequer subia aos telhados da Igreja ou da escola para tirar os ninhos... Mas era nosso companheiro. Sabimos, pelo que ouviamos em casa, na catequese ou na escola que tinha vindo para nos salvar...E nós acreditávamos! Era por isso que quando viamos a tia Gracinda, uma simpática e pobre velhinha, carregando a remeia da água que ia encher ao tanque da praça, partiamos todos à carreira para ver qual era o primeiro que  a ajudava. A recompensa era um sorriso bonito e um olhar repleto de ternura...

As casas eram presesépios vivos  e permanentes. Mas, naquel época ,o único e verdadeiro era o da Igreja. Todos participávamos na sua montagem: uns buscavam o musgo, outros encontravam galhinhos de freixo ou de vime para pendurar farrapinhos de lã que fingiam a neve, outros estavam às ordens do tio Jacob, o homem que, sendo analfabeto, era o mais sábio da aldeia, para o que desse e viesse...Depois havia os cânticos em que o tio João Galhardo nos ensaiava para a missa do galo.

O  presépio era uma mistura de tudo, desde o ferreiro, ao pastor, passando pelas tecedeiras, pelo barbeiro e  pelo carpinteiro, montanhas, planícies , ribeiros,  vales e outeiros...

Mas do que nós gostávamos mais era do moleiro que tinha um moinho com uma rodinha de madeira que, ao passar a água do ribeirinho, movia as mós e ele assobiava uma cantiga.

A missa do galo, ansiosamente esperada por todos, era o culminar de uma semana das tarefas comunitárias.

Horas antes, já a mocidade  tinha acendido uma enorme fogueira, que  perduraria  até ao Dia de Reis, com toros de freixo, carvalho ou castanheiro que iria aquecer as pessoas que, envoltas em  lenços, mantas, chailes ou samarras, convergiam para a igreja para, na sua crença, prestarem uma  homenagem ao menino que lhes acenava com uma mensagem de paz e prosperidade vindoura como conforto para os incómodos e desconfortos da vida terrestre.

Dentro da Igreja, de um barroco rico, contrastando com a rusticidade paroquial, o presépio convidava-nos para uma grande festa: Alguém veio para  nos confortar e dizer que veio para consolar os pobres. Lá estavam as prendas mais apetecíveis que iriam ser leiloadas  no dia de Reis. As mais apetecíveis eram as maçãs vermelhas  carnudas, zelosa e propositadamente conservadas no celeiro, entre os grãos de trigo, para aquela noite... Naquela altura as mação eram genuinas e ninguém tinha ouvido falar em grandes superfícies, hiper ou minimercados. A fruta era da época e rara...

Depois da missa vinha a consoada. Nas casas, independentemente das posses de cada um, não faltavam as couves da horta, o bacalhau, na altura a comida dos  pobres, o congro, o polvo e as rabanadas.

Depois iamos para a cama, embrulhados no conforto da família, na nossa  infantil  e rústica simplicidade,  a sonhar com o presentinho que o Menino, (nem sequer sabiamos que existia um  tal de pai natal) iria colocar no soco que ficara pendurado no escano da lareira...

Era este o meu presépio...No  dia seguinte, ao acordar, abria a janela, contemplava o manto de neve que cobria os campos em redor, e pedia à Senhora do Aviso  que o novo Natal não demorasse tantos meses a chegar.

Por António Vaz

 



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