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2013-01-31

Pedido de silêncio

 

" Três dias depois do meu 66º aniversário, eu me encontro proibido de ministrar como padre, com uma ameaça de excomunhão de Roma e de dispensa da minha congregação pairando sobre mim."

O depoimento é do redentorista Tony Flannery, renomado sacerdote irlandês conhecido pelas suas opiniões sobre a ordenação feminina e a homossexualidade. Ele foi investigado pelo Vaticano e silenciado, em abril de 2012, pela Congregação para a Doutrina da Fé.

O artigo foi publicado no sítio do jornal The Irish Times, 21-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto:

Três dias depois do meu 66º aniversário, eu me encontro proibido de ministrar como padre, com uma ameaça de excomunhão e de dispensa da minha congregação pairando sobre mim. Como eu cheguei a essa situação?

Eu entrei na Congregação Redentorista em 1964 e fui ordenado 10 anos depois. Aquela era a época de uma grande abertura na Igreja Católica. Nós acreditávamos na liberdade de pensamento e de consciência, e que o ensino da Igreja não era algo a ser imposto rigidamente sobre as pessoas a que servíamos – elas eram inteligentes e instruídas, e podiam assumir a responsabilidade pelas suas vidas.

Como pregadores, tínhamos que tentar apresentar a mensagem de Cristo de uma forma e em uma linguagem que falavam com a realidade da vida das pessoas. Isso exigia uma disposição a ouvir as pessoas, compreendendo as suas esperanças e alegrias, as suas lutas e medos.

Ajudar as pessoas a lidar com o ensino sobre a contracepção durante os anos 1970 foi um grande campo de treinamento. Apenas repetir a linha oficial da Humanae Vitae não ajudava. Durante esses anos, os padres e as pessoas aprendiam igualmente muito sobre como formar as suas consciências e tomar decisões maduras sobre todas as áreas das suas vidas. Como padres, aprendemos mais com as pessoas do que elas conosco.

Como o passar dos anos, todos pudemos ver que a autoridade magisterial dentro da Igreja estava revertendo para o estilo mais autoritário do ministério praticado no passado. Como a autoridade se tornou mais uma vez centralizada no Vaticano, os padres da minha geração foram pressionados a ser mais explícitos e decisivos ao apresentar o ensino da Igreja: a ortodoxia era agora o imperativo, e permitir que as pessoas pensassem por si mesmas era visto como perigoso. Não havia espaço para áreas cinzentas.

Relatórios para Roma

Demo-nos conta de que havia pessoas ao redor do país que relatavam às autoridades eclesiásticas qualquer leve desvio da posição oficial por parte de um padre, por exemplo permitir que uma mulher lesse o Evangelho na missa. Em todo o mundo, os padres estavam sendo penalizados, silenciados e até mesmo demitidos, porque eles não estariam seguindo a linha.

No outono de 2010, eu fazia parte de um pequeno grupo que montou aAssociação dos Padres Católicos Católicos (ACP, na sigla em inglês). Essa associação era única por ser um órgão independente do clero, um novo fenômeno na Igreja, e com o qual as autoridades, na Irlanda e no Vaticano, se sentiam desconfortáveis e não sabiam como lidar. O crescimento do movimento serviu para me catapultar a uma posição mais proeminente, que atraiu sobre mim a atenção da Congregação para a Doutrina da Fé.

Eu estava escrevendo para várias revistas religiosas há mais de 20 anos sem nenhum problema. Mas, de repente, em fevereiro passado, fui informado pelos meus superiores redentoristas que eu estava com sérios problemas por causa de algumas coisas que eu havia escrito. Fui convocado a Roma, não ao Vaticano, que até hoje não se comunicou comigo diretamente, mas apenas com o superior dos redentoristas.

Esse foi o início daquele que hoje é quase um ano de tensão, estresse e difícil tomada de decisão na minha vida. Inicialmente, a minha política foi ver se algum acordo era possível, e no início do verão essa parecia ser uma possibilidade real.

Mas eu gradualmente tomei consciência de que a Congregação para a Doutrina da Fé continuamente levantava barreiras, até que eu cheguei ao ponto em que eu não podia mais negociar. Fui confrontado com uma escolha. Ou eu assinava uma declaração, para publicação, afirmando que eu aceitava os ensinamentos que eu não podia aceitar, ou eu ficaria permanentemente banido do ministério sacerdotal, e talvez enfrentaria sanções mais graves. É importante deixar claro que essas questões não eram questões de ensino fundamental, mas sim de governo eclesial.

Então, agora, a esta hora da minha vida, ou eu coloco o meu nome em um documento que seria uma mentira e impugnaria a minha integridade e a minha consciência, ou eu enfrento a realidade de nunca mais ministrar como padre. Eu sempre acreditei na Igreja como a comunidade de fiéis e como um elemento essencial para a promoção e o fomento da fé. Eu gostei dos meus anos de pregação, o principal trabalho dos Redentoristas, e nunca tive qualquer dúvida de que valia pena proclamar a mensagem de Cristo.

Mas abrir mão da liberdade de pensamento, da liberdade de expressão e mais especialmente da liberdade de consciência é um preço alto demais para eu pagar para que me seja permitido ministrar na Igreja de hoje.

Identidade católica

Há pessoas que dirão que eu deveria abandonar a Igreja Católica e me unir a outra Igreja cristã – uma mais adequada ao meu posicionamento. Ser católico é central para a minha identidade pessoal. Eu tenho tentado pregar o evangelho. Independentemente das sanções que o Vaticano impuser sobre mim, eu vou continuar, de qualquer forma que eu puder, para tentar realizar uma reforma na Igreja e para torná-la novamente um lugar onde todos os que queiram seguir a Cristo serão bem-vindos. Ele fez amizade com os excluídos da sociedade, e eu vou fazer o que puder por minha própria conta, na pequenez, para me opor à tendência vaticana atual de criar uma Igreja de condenação, em vez de uma Igreja de compaixão.

Eu acredito que o verdadeiro objetivo da Congregação para a Doutrina da Fé é suprimir a Associação dos Padres Católicos – foram feitas tentativas para cortar as asas da associação austríaca. Eu espero e rezo para que isso não ocorra.

Enquanto eu estou lidando com essas questões na minha vida, eu acredito que é apropriado para mim permanecer temporariamente afastado da minha posição de liderança da associação. No entanto, continuarei sendo um membro ativo e estarei disponível para ajudar, de todas as formas possíveis, o trabalho da Associação dos Padres Católicos, que é maior do que qualquer pessoa.

Finalmente, poder-se-ia perguntar por que eu estou vindo a público agora, tendo permanecido em silêncio durante um ano. Eu preciso retomar a minha voz.

Tony Flannery, padre redentorista

 

 



Comentários


2013-02-16

Ricardo Humerto Morais - Macedo do Mato

O HOMEN E OS DEUSES

Houve um momento na existência do homem em que este se lembrou de olhar para trás e tentar compreender o que tinha acontecido até ali. Verificou que havia forças, animais e fenómenos difíceis de explicar, mas não desistiu de o fazer. Algumas dessas tentativas chegaram até nós por gravuras, pinturas, esculturas e sobretudo pela escrita, usando diferentes materiais e alfabetos. Os documentos que mais vieram a influenciar a Europa e, posteriormente, toda a terra são oriundos do chamado crescente fértil, que abrange o Egito e a Mesopotâmia, mas houve culturas semelhantes na Índia, China e América. Tratava-se de sociedades em que a força residia na organização e distribuição de funções por diferentes classes sociais, com leis e órgãos repressivos pra os infratores. Os homens no poder já tinham escrivas e estes legaram-nos textos de conteúdo histórico, geométrico, legislativo, administrativo, artes de guerra e epopeias sobre a criação e o dilúvio, com os seus deuses e heróis. O alfabeto, em cada símbolo representa um som, surgiu primeiramente no Egito e a seguir em aramaico, língua comum aos povos do crescente fértil. Esse alfabeto foi adotado pelos gregos e hoje, com pequenas alterações da ordem dos símbolos, em toda a dita cultura ocidental, mas houve e há outros. Os meus colegas de Valladolid ainda se lembram do Alef, Beth, Guimel, … Os primeiros livros do que hoje é a Bíblia foram escritos em aramaico e depois em hebraico e grego. Para cristãos e católicos a Bíblia é o compêndio da revelação, primeiro e principal pilar da fé. O outro pilar é a tradição, com o acervo de práticas, dogmas e doutrina, ao longo da sua história. A interpretação tradicional da Bíblia crê que toda ela foi inspirada pelo Espírito Santo. Uma leitura atenta ou, melhor ainda, um estudo aprofundado e orientado por professores competentes, questiona essa inspiração divina e descobre contradições. Por exemplo, no Pentateuco, quem escreve põe Deus a falar diretamente com Moisés quando guiava o seu povo pelo deserto. Mas no Livro dos Números está escrito “isto disse Deus a Moisés quando ainda estavam do outro lado do Jordão”. Moisés morreu antes de entrar na terra prometida e quem escreve já o tinha atravessado. Também agora se sabe que os dez mandamentos faziam parte do Código de Amurabi, muito anterior à Bíblia e em que os mandamentos são muitos mais. O mesmo aconteceu na descrição do dilúvio, que já fazia parte da Epopeia de Guilgamech, muito anterior, e em que os trabalhos de Noé são descritos com muitos mais pormenores. Nos anos de 1965/1967 um grupo de lusos desterrados na cidade do Pisuerga pôde assistir a sabatinas acaloradas entre grupos de professores velhos e jovens, o mesmo é dizer, entre os que defendiam a interpretação tradicional e os que abriam novos horizontes. Numa delas o Padre de La Torre, filósofo, reconheceu a necessidade de estudar mais exegese para enfrentar os tradicionalistas. No meu regresso da Alemanha escrevi sobre este tema um artigo para a Miriam, que foi censurado. Vítima da mesma tesoura foi um artigo do Padre Häring, que, de visita a Portugal, me pediu para traduzir um artigo em que o diabo ministrava aos seus estúpidos súbditos um curso de reciclagem sobre como corromper os bispos e restante clero. Os novos professores distribuíram e citaram textos em que a Bíblia aparece como compêndio de leis e costumes de acordo com a vontade de Javé, com o objetivo de salvaguardar a unidade e identidade do povo hebraico, para o que contribuiu o templo e os seus sacerdotes, sobretudo com a celebração da Páscoa. Há na Bíblia livros inteiros considerados históricos e certamente escritos por cronistas a cargo dos reis ou dos sacerdotes. As histórias da criação, de Adão e Eva, de Caim e Abel, de Abraão e sua prole, de Sara e Agar, aparecem como retrospetiva para explicar o mundo que os rodeava, a eterna guerra entre homem e mulher, a mesma guerra entre os irmãos, a astúcia da serpente, a diferença dos israelitas em relação aos vizinhos. Os três filhos de Noé deram origem às três raças conhecidas (brancos, pretos e mestiços). Alguns destes mitos eram comuns a vários povos e todos os povos recordavam a sua origem e as sagas dos seus reis e heróis. Os gregos foram, porventura, os que mais a fundo penetraram na condição humana criando deuses e mitos. Isto aconteceu também em Israel e nos seus vizinhos. As guerras entre vizinhos eram constantes e os vencidos eram mortos ou escravizados, qualquer que fosse o seu deus. Os Assírios são conhecidos como ferozes sanguinolentos. Os povos esteavam-se nos seus deuses para manterem a sua identidade, de que Israel continua a ser o melhor exemplo. Ao longo da história reis, príncipes, imperadores e ditadores serviram-se da religião e dos deuses dos seus povos para revertem a situação a seu favor e exterminar os adversários. Houve reis e caudilhos pela graça de Deus e não lhe faltaram súbditos letrados e piedosos a teorizar que esse poder vinha diretamente de Deus. Paralelamente houve sempre no ocidente uma corrente laica a defender a independência em relação à Igreja dos príncipes, reis e imperadores, muitas vezes em guerra com o papado. Sobre a história do papado remeto para o trabalho Luís Guerreiro, que refere episódios que ou só agora fiquei a saber ou já esquecera, e aqui lamento não saber mais História. Vamos saltar no tempo cerca de dois mil anos e aterrar na época dos descobrimentos portugueses e espanhóis. Quando os espanhóis descobriram a América dizimaram os índios, por não constarem da Bíblia e não terem sido criados por Deus. As atrocidades dos portuguese também foram muitas, fruto da interpretação tradicional da Bíblia, onde Javé até castiga o povo eleito quando nas guerras contra os vizinhos poupam as mulheres e as crianças. Só no tempo de Filipe II os índios foram considerados seres humanos, por intervenção do bispo Las Casas e a exemplo do que já tinham feito os portugueses. Era Já tarde e os índios que não tiveram morte violenta morreram em condições insuportáveis de escravatura e por infeção com doenças e viros transmitidos pelos europeus. De cerca de duzentos milhões estima-se que sobreviveram quarenta a cinquenta mil. Desapareceram povos inteiros. A seguir os missionários jesuítas foram perseguidos por defenderem os direitos dos índios. Lembramos aqui o Padre António Vieira. Por essas calendas já os judeus tinham passado de povo eleito a povo proscrito, por decretos reais avalisados com bulas pontifícias. Os métodos então utilizados pela Inquisição só ficam aquém dos praticados pela Alemanha de Hitler em número, não em crueldade. Sorte igual tiveram os mouros que sobreviveram à reconquista cristã, quase todos obrigados a regressar à África. O antissemitismo já vinha de longe. Uma das maiores tragédias humanas tive a seguir lugar no império alemão e países vizinhos, que opôs protestantes a católicos, na chamada guerra dos trinta anos. Os católicos perderam a guerra e assinaram a liberdade de culto, mas foram os que mais brilharam nos massacres e devastações. Nos séculos XVIII e XIX, em Portugal a partir do consulado do Marquês de Pombal, o clero e a nobreza foram perdendo o estatuto de privilegiados: acabou a inquisição, foram expulsos os jesuítas e fechados os seus colégios, teve início o ensino público, ateou-se o anticlericalismo, muitas famílias nobres e membros do clero passaram de predadores a presa. Já no século XIX a situação agravou-se quando os seus aliados conservadores perderam na guerra contra os liberais. Foi o fim da nobreza e dos conventos, possuíam as melhores terras e perderamnas. Esta revolução nalguns países só teve lugar no século XX. A nossa primeira república foi anticlerical. Durante o Estado Novo a situação da Igreja foi estável e aliada ao poder. No século XIX a revolução industrial criou as condições em que a burguesia se tornou a classe dominante, a partir da Inglaterra. Nos campos as máquinas foram substituindo os braços, os campesinos tornaram-se desnecessários, expulsos dos campos e foram engrossar nas cidades as colunas de famintos e explorados que ajudaram a burguesia a criar impérios. As condições de trabalho despertaram a consciência de intelectuais e humanistas, nasceram os movimentos socialistas e sindicatos, organizações e congressos internacionais. A luta de classes nunca foi porventura tão intensa como então e isso porque a prosperidade de uns poucos trouxe a miséria de milhões. As condições de trabalho fizeram com que a altura média dos homens tenha diminuído na Inglaterra. A doutrina da Igreja sobre o comunismo e o socialismo, que a consideravam uma espécie de analgésico contrarrevolucionário, tem sido de condenação. Aqui fica cópia de artigo em «Anticomunismo-Wikipédia»:

{Anticomunismo na Igreja Católica

O Magistério da Igreja Católica sempre condenou oficialmente qualquer forma de comunismo, porque ela achava que o comunismo nunca poderia ser compatível com a doutrina católica:

sumamente contrária ao próprio direito natural, a qual, uma vez admitida, levaria à subversão radical dos direitos, das coisas, das propriedades de todos e da própria sociedade humana (Encíclica Qui pluribus[18]

peste mortífera, que invade a medula da sociedade humana e a conduz a um perigo extremo (Encíclica Quod Apostolici muneris)[19]

  • Em 1891, o Papa Leão XIII defendeu que:

a teoria marxista da propriedade colectiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles membros a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranquilidade pública. (Encíclica Rerum Novarum, n. 7)

ninguém pode ser ao mesmo tempo um católico sincero e um verdadeiro socialista revolucionário"[20]

novo evangelho e mensagem salvadora de redenção

Ele considerou ainda que o comunismo era um:

sistema cheio de erros e sofismas, igualmente oposto à revelação divina e à razão humana; sistema que, por destruir os fundamentos da sociedade, subverte a ordem social, que não reconhece a verdadeira origem, natureza e fim do Estado; que rejeita enfim e nega os direitos, a dignidade e a liberdade da pessoa humana. (Encíclica Divini Redemptoris, n. 14)

entre comunismo e cristianismo, [...] a oposição é radical, e acrescenta não se poder admitir de maneira alguma que os católicos adiram ao socialismo moderado: quer porque ele foi construído sobre uma conceção da vida fechada no temporal, com o bem-estar como objetivo supremo da sociedade; quer porque fomenta uma organização social da vida comum tendo a produção como fim único, não sem grave prejuízo da liberdade humana; quer ainda porque lhe falta todo o princípio de verdadeira autoridade social. (Encíclica Mater et Magistra, n. 34)

a Igreja rejeitou as ideologias associadas, nos tempos modernos, ao "comunismo" ou ao "socialismo" (Catecismo da Igreja Católica, n. 2425).]

Nota-se que condenação do comunismo pelos papas tem pouco a ver com religião e mais com o medo de perder estatuto e bens materiais. É a mesma razão pela que os capitalistas condenam o socialismo. Esquecido fica o que consta dos atos dos apóstolos, em que todos punham tudo em comum, Simão foi vitimado por Pedro por guardar parte dos bens para si, e nas ordens religiosas a vida era e é igualmente comunitária por Regra. Durante mais ou menos tempo em que fomos redentoristas, todos éramos iguais, salvo naturalmente nas funções. Lembramos que o voto de pobreza era o que os Redentoristas menos hipóteses tinham de violar. A congregação sempre foi pobre, comparada com outras ordens, e o que tinham era gasto para alimentar e educar os atuais filhos da palmeira. Nunca nos enviaram a fatura. Eram tempos em que nunca tínhamos de pensar no que íamos comer no dia seguinte.

Voltando ao século XIX lembramos que foi também o tempo do despertar dos nacionalismos alemão, italiano japonês e americano, através de revoluções e guerras que levaram à unificação, vindo juntar-se ao grupo dos impérios já existes: Inglaterra, França, Rússia, Turquia, Austro-Húngaro e China. Além da francesa, surgiram outras repúblicas e monarquias constitucionais. Alguns dos novos impérios tornaram-se por primeira vez colonialistas, destronando portugueses e espanhóis. Os tempos tinham mudado. A mistura de capitalismo/socialismo, nacionalismo, imperialismo/colonialismo, monarquia/república, religião … formam um caldo altamente explosivo a que só falta o detonador para deflagrar guerras, na primeira metade do século XX, de destruição nunca antes vista e que ficarão na história como a ignomínia de povos civilizados. E a vergonha é maior quando alguns dos criminosos responsáveis morreram de morte natural.

Na primeira guerra mundial estiveram presentes o nacionalismo (desforra entre a França e Alemanha), o imperialismo, o capitalismo e menos a religião, fator que só se tornou importante quando as potências europeias colonizaram o norte de África e o Médio Oriente num ato de rapina (do petróleo) que humilhou o mundo árabe, onde as guerras perduram. A segunda guerra mundial envolveu todos os fatores anteriores e acrescentou o racismo (contra judeus e eslavos e minorias éticas), o extermínio de prisioneiros e das populações civis em proporções nunca antes vista, e a religião, com uma cruzada antibolchevique em que os países do Eixo aproveitaram a doutrina anticomunista da Igreja Católica. A China, a União Soviética, a católica Polónia e aSérvia viram os seus países destruídos e milhões dos seus filhos mortos. No fim chegou a vez de a Alemanha sofrer os maiores horrores da sua história, com feridas ainda mal cicatrizadas. Nos Balcãs a Igreja Católica envolveu-se, no mínimo com aquiescência de Pio XII, simpatizante do Eixo, e com intervenção direta do cardeal Stepinac, na conversão à força dos ortodoxos sérvios, que acabou no assassínio de quase um milhão de pessoas, incluindo mulheres e crianças. E, pasme-se! muitos dos algozes foram frades franciscanos, havendo apostas sobre quem matava mais por dia. Esta história no seminário nunca nos foi contada, mas lembro-me de se falar de ataques de Tito aos católicos e te ter sido preso um cardeal. Neste caso, como na guerra dos trinta anos, não se tratou de combater os ateus e infiéis, mas sim cristãos ortodoxos, renovando uma guerra que dura desde que há papa em Roma, contra os patriarcas de Constantinopla (cisma do ocidente). Constantinopla foi saqueada pelos cruzados muito antes de cair às mãos dos turcos. A recusa em receber o papa de parte das autoridades russas faz parte desta pristina guerra que muitos católicos não aceitam muito bem.

Não esqueci o que aconteceu nos tempos da guerra civil da nossa vizinha Espanha. Li sobre o assunto uma história bastante completa de autores franceses que me emprestou o Gaudêncio. Fiquei horrorizado com os crimes perpetrados depois de se ter dado rédea solta a todos os ódios. Tudo começou no início da década de 1930 com a abdicação do rei Afonso XIII e a implantação da República. A Espanha ainda era um país predominante rural e a condição dos trabalhadores do campo, sobretudo nos grandes latifúndios da Andaluzia e da Estremadura estava próxima da escravatura. Alguns arrendavam terras aos agrários, mas os rendimentos eram baixos. Todas as revoltas ao longo dos séculos contra os agrários tinham acabado na prisão e por vezes morte dos revoltosos. A liberdade trazida pela República fez com que estas duas regiões se tenham tornado de maioria socialista. Na Galiza, nos campos das Astúrias, País Basco, Aragão e Catalunha predominava o minifúndio, feroz inimigo de revoluções. A indústria concentrava-se nas Astúrias, Catalunha, País Basco e Madrid. Aqui havia sindicatos e federações de sindicatos de ideologia socialista e anarquista (estes mais na Catalunha). O que nos diziam no seminário (e fora do seminário) de que a  guerra se limitou a uma luta entre os nacionalistas católicos e comunistas apoiados pela Rússia é redutor e falso. Com o advento da República o partido comunista espanhol estava a romper a casca do ovo, em 1936 tinha cerca de duzentos mil adeptos(a par de milhões de socialistas e anarquistas e outros republicaos). Nos últimos meses da Guerra atingiram cerca de um milhão, muito por culpa da desorganização dos outros partidos do bloco republicano. Foram os últimos a render-se e eram os mais temidos pelos nacionalistas. Lembro também que os partidos republicanos ganharam as eleições por votos, não por golpe, e até as freiras foram votar. Nem toda a gente que ficou na oposição era a favor da guerra, já antes do levantamento militar houve linchamento de rivais políticos pelos dois blocos na sequência de azedos debates e no parlamento, o primeiro linchado fui um republicano e o e não Calvo Sotelo, a guarda civil atuou dividida, o exército maioritariamente apoiou o golpe, a marinha fez o contrário, nem todos os dirigentes da igreja apoiaram o golpe desde o início, houve padres comunistas e comununistas católicos, párocos que denunciavam quem não ia à missa para a seguir ser fuzilado, na zona republicana houve ataques a conventos e a igrejas e assassinato de membros do clero. Dos dois lados houve prisão eliminação dos que tinham ficado do lado errado, de presos e prisioneiros. Do lado dos nacionalistas houve o bombardeamento das populações civis, sobretudo das grandes cidades. Violações houve dos dois lados e aos mouros do exército de Franco tolerava-se a violação das católicas espanholas, que a seguir assassinavam. Os republicanos que atravessavam a fronteira portuguesa eram devolvidos e fuzilados. Dos dois lados foi raro conceder direito de defesa, a regra era julgamentos sumários. Em três anos a morte não teve descanso e nem aí parou: uns duzentos mil prisioneiros dos vencidos foram fuzilados para lá da guerra. Dois mil anos de cristianismo nada alteraram em relação aos vencidos da antiga lei. Depois da Conquista de Badajoz foi organizada uma tourada em que os vencidos foram atirados às feras para gáudio de padres e freiras, entre outro público assistente. Em Espanha o combate ideológico e religioso relegou para segundo plano os fatores presentes em outros conflitos, com exceção, nalgumas províncias, da luta ente trabalhadores do campo e agrários e na Catalunha e Astúrias entre patrões e operários.

No outro extremo da Europa tinha havido também uma revolução que foi tudo menos operária. Num país com cento e quarenta milhões de habitantes, cerca de três milhões eram operários fabris. A grande maioria dos súbditos do Czar trabalhava nos campos, que pertenciam à nobreza e à Igreja. Era um país medievo em guerra com as modernas Alemanha e Áustria-Hungria. A má assistência e as condições da guerra provocaram a revolta dos soldados e a mudança do regime e paz, à custa de cedência de muitos territórios. Seguiu- se a guerra civil entre brancos (muitos ucranianos, polacos, franceses, ingleses e americanos) contra os, vermelhos (revolucionários). O resultado foi a devastação por todo o lado e mais de um milhão de mortos. Por ironia do destino, a revolução triunfou quando as gentes dos campos preferiram aliar-se aos comunistas a voltar à antiga situação de quase escravidão. Após a morte de Lenine, do congresso saiu vencedor Estáline, por um voto de diferença e muito à custa de votos e congressistas desaparecidos por obra da polícia secreta de que Estáline era chefe. Não voltou a haver eleições. O programa do novo ditador (à data havia ditadores do Atlântico aos Urais, com poucas exceções) foi a eliminação física dos adversários e a industrialização do país, programada à custa morte pelo desterro e pela fome das gentes do campo, sempre avessas a revoluções. Morreram cerca de milhão e meio. A purga dos militares na véspera do ataque nazi poderia ter sido o fim da Rússia. A fúria assassina não foi interrompida durante a guerra e os soldados tinham tanto medo dos alemães como de Estáline, até descobrirem que os alemães eliminavam os prisioneiros. A seguir à guerra, sempre com a ajuda da polícia secreta, foi eliminando todos os que podiam fazer concorrência e suas mulheres, com os métodos de tortura mais desumanos. Alguns dos antigos amigos ligados à sua segurança foram também eliminados, mas nunca lhe faltaram lacaios dispostos a tudo. A última classe a expurgar foi a dos médicos, sobretudo judeus, incluindo o seu médico pessoal. Morreu sem acabar este trabalho. Por ironia do destino, morreu com um avc por falta de assistência médica, pois o medo à sua volta era tal que os amigos se esqueceram de alertar os serviços de saúde, que quando compareceram já nada havia a fazer. Em jovem Estaline foi seminarista, dizia ser filho dum padre pela via ilegítima, aderiu cedo ao partido comunista, foi por várias vezes preso e desterrado para a Sibéria, ficou para sempre doente da fome e frio e conseguiu sempre fugir. Seria difícil encontrar alguém tão capaz para desacreditar um modelo concreto de país comunista. Já agora, que Deus nos livre deste e doutros ditadores.

Vivemos agora tempos bem mais pacíficos e porventura a força negativa mais dinâmica seja o capitalismo/imperialismo, com guerras de rapina e com a promoção de desigualdades dentro de cada país. A Igreja em Portugal nunca porventura esteve tão perto dos que mais necessitam, em funções que competem ao estado mas que este se desleixa em cumprir. Lembro o que em tempos escreveu um sólido filósofo aaariano a respeito de mudanças em que até Deus teve de se reciclar. Da resenha histórica e análise anteriores fica claro que a ideia de Deus foi mudando, que o homem que criou é tudo menos perfeito e que nem todos os homens foram por ele criados, segundo as doutrinas dos seus representantes na terra e seus aliados, que passam a vida a tentar eliminá-los. A tragédia colonizadora de que a cristã Europa foi e é responsável e o racismo inerente são prova de que os homens não são iguais. Houve sempre homens justos que em nome de Deus deram a vida pelo seu semelhante. Lutero escreveu que o homem é ao mesmo tempo justo e pecador. Há uma força que nunca se reciclou: é a ganância de poder com o dinheiro por secretário. É este o deus que nos governa.

 

2013-02-10

Peinado Torres - Porto

Reverendo Tony Flannery Estas palavras, e escritas em Português, não chegarão a si, mas não é essa a minha pretenção embora não a exclua. O filme que está a ver, tem para si um ar de tragédia, esteja feliz, pois tem a sorte de já ter vivido 66 anos, e pelo que diz com uma obra para a Igreja que a desenvolveu em toda a sua plenitude e com entusiasmo. A desilusão que o Reverendo teve aos 66, eu tive-a aos 16,bem como a maioria dos meus amigos da AAR. Passei largos anos da minha vida em constante conflito espiritual, e tive que chegar à conclusão de que o Estado do Vaticano vive da religiosidade, dos Milagres e das Ordens Religiosas, num circuito muito fechado, com desprezo pelas pessoas que deixam de ter interesse para eles. Força Revº Tony Flannery, siga o seu caminho Peinado Torres
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