HOMILIA feita pelo Presbítero Arlindo Magalhães
(Dia de Reis, 6 de Janeiro 2013. Comunidade Cristã da Serra do Pilar. Porto)
No 4º Domingo do Advento, neste lugar onde se reúne uma Igreja, orámos assim: «Senhor, nosso Deus e Pai-nosso, abre caminhos de diálogo entre nós, os Homens da nossa Terra e do nosso Tempo, de modo a podermos comungar sem reservas nas grandes dificuldades e possibilidades do tempo que corre e da hora que passa, para que se não diga que os Filhos da Luz não estão empenhados com entusiasmo nas grandes tarefas da Justiça e da Paz».
Logo de seguida, lia-se o profeta Isaías, o segundo (42,1-4):
«… o meu Eleito, enlevo da minha alma, … não vai andar p’raí aos berros, a falar alto, por praças e ruas. … Vai, sim, proclamar, com inteira fidelidade, a justiça, sem desanimar nem se deixar vencer, até que a estabeleça sobre a terra».
Três dias depois, peguei no jornal, como todas as manhãs, e li assim:
«Já conhecíamos o retrato de um banco roubado por dentro num carrossel de compra e recompra das suas próprias ações através de uma rede de empresas sediadas em paraísos fiscais. A reportagem de [o jornalista] Pedro Coelho [na SIC] junta nomes e caras a essa descrição abstrata. Claro, o próprio Rui Oliveira e Costa fez empréstimos a si mesmo no valor de 15 milhões de euros. A sua filha Iolanda recebeu 3,4 milhões de euros. O seu braço-direito, Luís Caprichoso, recebeu quase um milhão de euros. Mas isto ainda não é nada.Uma empresa de Duarte Lima recebeu 49 milhões de euros. Outro dirigente do PSD, Arlindo Carvalho, junto com um do PS, José Neto, receberam, no seu conjunto, pelo menos 75 milhões de euros. Outro do PSD, Joaquim Coimbra, recebeu 11 milhões. Almerindo Duarte, dono de uma empresa chamada Transibérica, recebeu 23 milhões. Um homem do futebol, Aprígio Santos, recebeu 140 milhões. Uma empresa de cimentos do pelouro de Dias Loureiro recebeu 90 milhões.
Isto é dinheiro perdido, que acabaremos nós a pagar. Só em juros pagaremos todos os anos 200 milhões de euros, até 2020, por um empréstimo de três mil milhões e meio que foi realizado para tapar este buraco. Que não foi feito por um asteroide vindo do espaço. Foi feito por esta gente, por esta cultura de promiscuidade, pela incúria de uma classe dominante, em Portugal.
Na dor de alma que é ver este país cheio de gente a quem é denegado o emprego, o dinheiro para os estudos, os planos para o futuro, e o próprio país para fazer a vida, não podemos esquecer-nos deste retrato.»
Paro aqui porque tenho ainda algum respeito pelos maiores na escala do meu país. Mas, que se saiba, o autor destas linhas publicadas num diário português no dia 26 de dezembro não foi preso nem acusado de mentiroso por ter escrito o que acabei de ler.
Das duas, uma: ou o colunista é mentiroso ou o que ele diz é verdade. Se fosse mentiroso, já estava preso ou semelhante. Mas se fala verdade, porque têm de ser os pobres e os justos a pagar o crime destes ricos, muitos deles políticos?
Hoje, dia da Epifania, o dia da manifestação da Igreja, dia em que a Igreja dá a cara, semelhantemente ao menino que, ainda ao colo da mãe, deu a sua aos pagãos, os reis ditos magos, hoje, a Igreja portuguesa tem de dar a cara, … não basta andar p’raí aos berros, a falar alto, por praças e ruas, com procissões e folclores ou até com sopas filmadas pelas televisões, não bastam discursos de aceitação de bispos ou cardeais, é necessário começar pela denúncia, a exemplo dos profetas de Israel.
Assim:
«Vós, os ricos…, atendei: o salário que não pagastes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos está a clamar de tal modo que os brados dos ceifeiros chegaram já aos ouvidos do Senhor do Universo. Tendes vivido na terra uma vida regalada e libertina, cevando assim os vossos apetites, mas só até ao dia da matança. Condenastes e assassinastes o justo. E Deus vai passar ao lado?!» (Tg 5,4-6).
Ao tempo em que o menino nasceu, havia já trafulhas destes, Herodes e que tais, a pedir aos piedosos Magos: Ide obter informações precisas sobre o menino. Quando o encontrardes, avisai-me para eu ir também adorá-lo.
Postado por Arsénio Pires, membro da Comunidade da Serra do Pilar
