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2012-12-30

O TRÁGICO DE BENTO XVI

Marco Politi nasceu em Roma em 1947 e é um dos vaticanistas mais prestigiados. Repórter durante 20 anos do jornal italiano “La Repubblica” junto do Vaticano, é atualmente cronista do jornal “Il Fatto”. Em fins de 2011, escreveu um livro, “Joseph Ratzinger crisi di un papato”. Nele tenta identificar os motivos pelos quais, sob o pontificado de Joseph Ratzinger, o mundo católico se viu abalado por crise após crise. O livro é um balanço. Analisa e comenta o modo como o teólogo alemão tem conduzido o papado. É este o veredito do autor: Joseph Ratzinger é capaz de muitas coisas, menos de ser Papa.

Foi no início da tarde de 19 de abril de 2005 que o cardeal alemão foi eleito Papa, o 264º sucessor de Pedro. Escolheu por nome o de Bento XVI. E, quando se apresentou à multidão aglomerada na Praça de São Pedro, demonstrou ser um homem tímido, quase medroso: “Depois do grande Papa João Paulo II –disse - os cardeais escolheram-me a mim, um simples e modesto operário da vinha do Senhor...”

“Somos Papa”, anunciava, no dia seguinte, o tabloide alemão “Bild”, expressando a euforia que tomou conta de muitos dos compatriotas do velho teólogo, então com 78 anos. O povo sentia-se orgulhoso.

Mas por pouco tempo. A nação alemã logo notou que o modesto operário da vinha do Senhor era um homem duro de quebrar, autoritário e conservador. O douto e poliglota professor de Dogmática não queria saber de reforma alguma na Igreja. Pregava aos fiéis uma fé legítima e profunda e uma obediência submissa. Rejeitava categoricamente a pretensão dos leigos, mulheres ou porventura homossexuais de participarem em decisões de comunidades de fé. A Igreja não é nenhum partido, nem clube, diz, “a sua profunda e indestrutível estrutura não é democrática, mas sacramental, e, consequentemente, hierárquica”.

Quando escreve de assuntos teológicos, políticos ou humanos, Marco Politi não usa de veemência, é ponderado. Ao descrever, por exemplo, o cotidiano do Papa, “um homem surpreendentemente simples”, fá-lo com grande precisão. Compara-o ao mecanismo do relógio: às 6, levantar; pelas 7, missa privada; das 8:30 às 11:00, trabalho de escritório; a seguir, audiências até às 12:30; 13:15, almoço e pausa de repouso; das 15:00 às 16, trabalho científico e dedicação aos seus livros, seguidos de um passeio pelos jardins do Vaticano. Ele quer cumprir a sua missão e isso incita-o, nos seus oitenta e cinco anos, a administrar sabiamente as suas forças: a partir das 17:00, estuda a documentação e escreve as suas prédicas; às 19:30, jantar; às 20:00, o noticiário do canal da RAI; a seguir, ouve música, lê ou reza; por volta das 21:15, despede-se da “pequena família papal” – seu secretário privado, Georg Gänswein, e quatro mulheres da comunidade leiga Memores Domini que lhe governam a casa – e dirige-se aos seus aposentos privados.

Mas Politi também escreve sobre a visão antimoderna que Joseph Ratzinger tem do mundo e o torna incapaz de compreender os fiéis. Falando a um pequeno grupo, afirmou que antes preferia ver debandar em massa os membros da Igreja do que sacrificar ao espírito da época os conteúdos elementares da fé. É por isso que “o perspicaz analista, o intransigente guardião da doutrina da Igreja e o apaixonado pregador Joseph Ratzinger tem revelado fraca estatura de chefe”. Sendo assim, não é mero acaso que raramente tenha havido tantas crises na Igreja Católica como houve desde a eleição do Papa Bento XVI. Só alguns exemplos.

Quando da descoberta dos numerosos abusos de crianças praticados por eclesiásticos, Joseph Ratzinger, vendo-se considerado participante no encobrimento do escândalo, mostrou-se hesitante em tomar medidas mais radicais para resolver o problema. Na opinião da maior parte das pessoas, mesmos crentes, a Igreja falhou por completo.

As suas inflexíveis declarações dogmáticas provocaram sérios conflitos com o Islã, o Judaísmo e grande parte da ciência.

O acesso da imprensa a grande quantidade de documentos estritamente secretos de intrigas e lutas de poder entre os muros do Vaticano, escândalo que correu o mundo sob o nome de “Vatileaks”, foi outro grande abalo para o pontificado de Bento XVI, embora nisso ele não tivesse culpa. Fiéis e clero, toda a Igreja, acompanharam os acontecimentos “com tristeza e vergonha”. Alguém disse que o Vaticano parece “uma corte ou casa real cheia de intrigas, má-língua e trapaças”.

No entender de Politi, Bento XVI “é um fascinante pregador e intelectual e o seu pensamento, profundo”. Mas esse pensamento mantém-se firmemente preso aos velhos mandamentos e proibições. Por exemplo, na moral sexual. Nisso, o Papa pensa e fala como fazia, quando era o chefe da Congregação para a Doutrina da Fé. Condena a separação entre sexualidade e matrimônio, bem como a hipótese de que se possa reivindicar a homossexualidade como um direito. Segundo ele, o teólogo que declare como lícitas as práticas contracetivas, as relações sexuais antes do casamento ou a masturbação, está errado e, portanto, deve abjurar tais teses ou então ser banido da comunidade católica. Nem mesmo os falecidos devem ficar sem punição. O jesuíta indiano Anthony de Mello tentou associar o cristianismo à espiritualidade budista e taoista. Depois da sua morte, Ratzinger atacou-o por anunciar um “Deus sem forma nem imagem, um Deus ‘puro vazio’”.

Ora, poderá ter sentido uma fidelidade tão rígida aos princípios de um Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé? Se todos, mesmo os budistas, judeus ou evangélicos, são igualmente filhos de Deus e têm a possibilidade de um mesmo futuro, onde está o direito exclusivo da Igreja Católica a entrar no reino dos céus?

Pouco antes da sua morte, no outono do ano passado, o outrora arcebispo de Milão, cardeal Carlo Maria Martini, fez um amargo balanço: a Igreja “cansou-se”. “As nossas igrejas são grandes, mas vazias, a organização prolifera, os nossos ritos e os nossos paramentos são faustuosos. Nós estamos ali como o jovem rico que se foi embora triste, quando Jesus o quis conquistar para seu colaborador”.

Bento XVI também não pode fechar os olhos ao estado desolado da Igreja Católica, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. Mas o fanático intelectual não encontra nenhuma solução.

Na recepção de Natal à Cúria no ano passado, o Papa admitiu claramente que os frequentadores habituais da Igreja são cada vez mais velhos e o seu número diminui continuamente; que “a nova geração de padres estagnou; que o ceticismo e a descrença crescem. “Então – perguntou Bento XVI aos cardeais presentes – o que é que devemos fazer?”

Ratzinger continuou teólogo e nunca se tornou Papa.

Luís Guerreiro                                                           Fonte: SPIEGELONLINE, 27.11.2012

 



Comentários


2013-01-08

Assis - Folgosa - Maia

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Apenas dizer que "não devemos meter a cabeça debaixo da areia para não vermos a realidade, mesmo quando ela nos desagrade"

Aconselho a ler um outro livro aparecido em 2012 com o título "SUA SANTIDADE - As Cartas Secretas de Bento XVI - Como o Vaticano Vendeu a Alma" - de Gianluigi Nuzzi - Bertrand Editora

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