Curiosamente os meus olhos caíram hoje sobre a notícia de um Encontro regional de antigos alunos na chácara de Silvério onde o churrasco tipifica a animação destes eventos e logo me lembrei como seria interessante abordar o tema gastronomia, que também dá vida à vida da “uneser” lusitana.
Fujo assim às temáticas mais correntes e toco nos bons comeres que acompanham as conversas emocionais do nosso grupo, dos bons vinhos que atiçam o bom humor e dos pratos doces que reforçam a ambiência desses Encontros, dando também a saber o que por cá se degusta.
Se olharmos a literatura portuguesa desde o século XIX, apercebemo-nos de curiosos relatos gastronómicos que escritores como Garrett, Camilo, Eça, Fialho de Almeida, Ramalho Ortigão ou Aquilino dispensaram às artes culinárias, o que releva o sabor desse tema.
E não é que fossem mestres do exercício de cozinha, mas são sempre curiosos os descritivos dos magníficos pratos que definem as regiões portuguesas, com boas referências às festas cíclicas.
Vivo na região do Minho que partilha com outras o Norte de Portugal e vou dar-lhe assim alguma preferência nos pratos.
Aqui, pertinho de onde resido, nasceu e morreu o escritor Manuel da Boaventura que escreveu entre outras obras o “Zé do Telhado no Minho” onde descreve o menu da Estalagem da Barca do Lago, que ainda conheci:
«O moreno arroz de lampreia – do de fugir pr’á cozinha, o capão de recheio, o anho ou trancão de vitela no espeto, o arroz de alguidar, colorido com açafrão e de aroma pascal, faziam o deleite dos glutões ... Tudo era de lamber os dedos».
O Grande Encontro deste ano dos “uneser” portugueses estendeu-se por terras da Beira Interior e deu cartaz principal a um menu aprimorado de comidas gostosas do “Albertino” numa aldeia histórica chamada de Folgosinho, nas fraldas da Serra da Estrela.
Entradas de morcela e queijos artesanais antecederam um arroz de cabidela de coelho, leitão assado no forno, cabrito assado em fornos de lenha, feijoada de javali e vitela na grelha com cogumelos. Um requeijão com doce de abóbora e um leite creme macio complementaram nas sobremesas, tudo bem acompanhado de vinhos maduros tintos de vinhedos locais.
Não se assuste quem lá não esteve pelos 5 pratos principais, pois a ansiedade de quem se sentou às mesas largas e fartas foi-se ajeitando pausadamente entre conversas e travessas fumegantes e nos bancos corridos sentia-se a familiaridade que convém.
Também os Encontros de pequenos grupos de antigos alunos evoluem com frequência à mesa e ainda este ano mastigamos o tal “arroz moreno de lampreia do rio Cávado” acompanhado de vinhos verdes de quinta, ou um “cabrito mamão dos Arcos de Valdevez em forno de lenha” com o tinto verde da casta “vinhão” e já muito recentemente amesendamos à frente de um cordeiro assadinho no forno a escorrer sobre alguidar de arroz amarelo de açafrão, que tanto identifica as tradições culinárias de Monção no Alto Minho.
O vinho verde branco da casta alvarinho com misturas de trajadura consome-se bem fresco e dá o equilíbrio que convém a estas artes culinárias minhotas.
Também em Aveiro se gastaram travessinhas de enguias da ria e nas redondezas da capital, na “chácara” do Alexandre Pinto que batizou de “Oliveiras do Paraíso”, se aprimoram em encontros cíclicos, carnes e enchidos regionais que as mãos sábias do antigo aluno Davide moldam em empratamentos que convencem os amigos.
A gastronomia é claramente um património e uma boa razão para conviver. É também uma cultura que identifica sítios e este pouco de escrita pretende também ser uma partilha de costumes e tradições de Portugal, uma arte de sabores cheirosos que invade as mesas das nossas vidas e nos traz por perto, em vários dias do ano. Enfim, uma conversa que satisfaz…
Manuel Vieira
(Texto publicado na revista de Novembro da UNESER (Antigos Alunos Redentoristas do Brasil)