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2011-11-15

Os ministérios eclesiais leigos

Após Constantino, o poder na Igreja ficou nas mãos dos bispos e do clero. Só eles ensinavam, administravam os sacramentos e governavam as comunidades. Cada pároco era papa na sua paróquia. Os leigos só tinham obrigações: frequentar a paróquia, obedecer e sustentar financeiramente uma instituição onde não tinham poder algum

Hoje a Igreja já não tem o mesmo poder. Talvez viva da ilusão de ainda o ter. E seu problema é ter de evangelizar sem o poder de outrora. Agora tem de o fazer em pé de igualdade, entre pessoas iguais, e não numa relação de superior a inferior. É o drama de muitos padres jovens: formados para o poder, descobrem que tal poder já não existe.

Entretanto, no pós-Vaticano II, muito se tem falado sobre a promoção dos leigos na Igreja. Todavia, em geral, eles continuam na mesma, como dantes, sem poder e sem autonomia.

 

Os leigos têm um lugar próprio na Igreja

O leigo não é um simples secular. É um membro da Igreja, atuando no mundo. Possui um mandato direto de Cristo (LG, 33/83). O seu campo de ação é o mundo, onde não se poderá eximir de um sério compromisso com a promoção da justiça e do bem comum. Há de ser agente da justiça, não apenas um denunciador da injustiça. Para tanto, cabe-lhe também a militância partidária.

É o que reafirma um documento recente, de maio de 2007: o “Documento de Aparecida”, texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Lê-se no número 174: “É importante recordar que o campo específico da atividade evangelizadora leiga é o complexo mundo do trabalho, da cultura, das ciências e das artes, da política, dos meios de comunicação e da economia, assim como as esferas da família, da educação, da vida profissional, sobretudo nos contextos onde a Igreja se faz presente só por eles”.

Isto, porém, ainda nos faz recuar ao concílio Vaticano II. Falou-se lá do sacerdócio comum a todos os batizados e do sacerdócio ordenado, diferente do comum, não só em grau, como também na essência. Aos leigos caberia cuidar da esfera temporal, ao clero cuidar das coisas do espírito e do sagrado.

O pós-concílio tornou essa contraposição superada. Surgiram vigorosas vocações laicais a exercer serviços e ministérios, não só no mundo, mas também dentro da própria Igreja. Num tempo em que os seminários foram ficando vazios, muitos leigos encontraram novas formas de servir a Igreja: além dos serviços tradicionais (educação religiosa, visita aos enfermos, etc.), assumiram formas mais recentes, inclusive a direção de paróquias e a pregação. São os ministros eclesiais leigos. Isso veio criar tensões, ainda não resolvidas, quanto ao modo de entender a dignidade e vocação dos leigos em relação à dignidade e vocação do clero.

 

Um olhar às origens

No princípio, o essencial foi o serviço, não a autoridade nem o poder.

No movimento de Jesus e das primeiras comunidades, o ministério era exercido por homens e mulheres. E era um ministério laical.

Jesus era leigo, não sacerdote. Leigo não só sociologicamente, mas também na sua realidade de mediador. A Carta aos Hebreus chama-o sacerdote, mas a sua realidade de mediador vem-lhe do exercício de realidades laicas: misericórdia, fidelidade, entrega. Nada de acréscimos sacrais, de que se revestiram depois os ministérios eclesiásticos..

 

De leigo e laicato não há referência na Sagrada Escritura. A originalidade no cristianismo é a de que todos são consagrados a Deus; para o cristão não existe vida profana. O leigo é o cristão sem acréscimos, fora da sua pertença a Cristo pelo batismo.

Nas comunidades paulinas, o que equivale ao que chamamos ministérios, era também prerrogativa de homens e mulheres. Os ministérios surgiram para atender às necessidades das comunidades e a sua validade não provinha necessariamente do fato de um Apóstolo lhes conferir autoridade.

 

Ouvindo os teólogos

Antes do concílio Vaticano II, predominava a ideia de que Jesus estabeleceu diretamente uma hierarquia sobre a qual recairia toda a autoridade ministerial da Igreja. A crítica histórica mostrou que não foi assim. E, com o florescimento do ministério leigo após o concílio, teólogos como Hans Küng e Edward Schillebeekx chegaram à conclusão de que o ponto de partida foram as comunidades cheias de Espírito e carismáticas, de onde surgiram variados modelos de ministérios, dirigentes e ofícios, que acabaram por se solidificar na tríplice forma ainda hoje existente: bispos, presbíteros e diáconos.

Edward Schillebeekx diz que todo o ministério deve ser visto como “desenvolvido espontaneamente a partir de baixo (de acordo com as leis sociológicas da formação dos grupos)”. Originou-se do fato de as comunidades delegarem alguns dos seus membros para exercerem a função de servir, dirigir e coordenar a vida comunitária. Com isto, ele compartilha com Küng a opinião de que toda a terminologia que viria a diferenciar o sacerdócio ordenado do sacerdócio comum de todos os cristãos (diferença essencial, mudança ontológica, permanência, caráter) representa uma sacralização posterior desnecessária e inútil.

“Para uma teologia do laicato” é a obra de outro grande teólogo, Yves Congar. Reflete sobre a importância da cooperação dos leigos no apostolado hierárquico. Ele não viveu para ver a evolução dos ministérios eclesiais leigos. Mas ninguém duvida de que ele os teria acolhido calorosamente. Uma das suas crenças era a de que a apostolicidade era uma marca de toda a Igreja, de todo o cristão. Por isso, o aumento das funções dos leigos nos ministérios, já visível no seu tempo, ele atribuía-o não só à escassez de sacerdotes.Entendia que a profusão de padres no passado é que contribuiu para esconder a apostolicidade dos leigos.

 

Em busca de uma proposta construtiva

O fenômeno da crescente participação dos leigos em ministérios antes reservados ao clero, suscitou questionamentos.

João Paulo II não quis confusões entre o ministério ordenado e o ministério leigo. Nada de “clericalização dos leigos, nem de laicização do clero”. E, nos últimos anos, o Vaticano tem insistido em acentuar as diferenças entre a forma ministerial ordenada e a forma leiga.

Tentando desfazer diferenças essenciais entre os ministérios, um leigo católico, professor de Teologia na Inglaterra, Paul D. Morray, apresenta uma nova noção, em sua opinião mais construtiva. É nisto, diz ele, que está o caráter distintivo dos ordenados: eles são testemunhas autorizadas e públicas e representação sacramental do ministério de Cristo, conduzido pelo Espírito em toda a Igreja. E isso, não só quando exercem funções pastorais específicas, mas na totalidade do seu viver. Como tal, o caráter distintivo do sacerdócio ordenado é assim que tem de ser entendido: não é um tipo de sacerdócio essencialmente diferente do sacerdócio dos leigos, nem uma versão de qualidade superior desse mesmo sacerdócio. É apenas um modo fundamentalmente diferente de exercer (de maneira pública, oficial, representativa) o único sacerdócio de Cristo, do qual todos os batizados participam.

 

Substitutos ou precursores de uma reestruturação radical?

Não se poderá discutir o futuro do ministério na Igreja Católica, sem ter em conta o fenômeno do chamado “ministério eclesial leigo”. Os ministros eclesiais leigos fazem hoje parte da paisagem paroquial católica em muitos países e começa a verificar-se que a Igreja já não pode funcionar sem eles. Eles assumiram cada vez mais papéis próprios do clero e realizam funções que eram antes responsabilidade exclusiva dos ordenados.

Serão eles meros substitutos em tempo de escassez de clero ordenado ou estarão a exercer uma verdadeira vocação ministerial? E se fossem, em vez disso, precursores inconscientes de uma reestruturação radical? Para alguns eles são arautos de um novo conceito do ministério sacerdotal.

O que acontece hoje em grande parte da Igreja, com a penúria de ministérios ordenados, faz-nos pensar inevitavelmente nas primitivas comunidades cristãs e, mais recentemente, na experiência radical das comunidades eclesiais de base, tão vigorosas no Brasil logo a seguir ao Vaticano II.

 

Luís Guerreiro



Comentários


2011-11-22

Luís Guerreiro Pinto Cacais - Brasília

Gaudêncio, O Vieira avisou-me de que tu tinhas feito um comentário ao meu pequeno artigo e vim logo ver o que escreveste. Estou-te grato pelo que dizes. É sempre bom saber o que é que os outros pensam do que nós pensamos. O meu silêncio tem uma explicação. Mal cheguei de regresso ao Brasil, um professor da UnB, meu amigo, impingiu-me a tradução de um livro de Psicologia Ambiental e eu não pude fazer mais nada, quando a minha intenção era dedicar-me a fundo a aprimorar o meu romance. Apesar de tudo, o romance deve sair lá por abril, mais ou menos segundo os planos que eu tinha feito. O Barros já lhe preparou uma bela capa. Aviso: o silêncio vai continuar; mas silêncio não é esquecimento. Um grande abraço de nós ambos. Guerreiro
2011-11-21

António Gaudêncio - Lisboa

Um excelente texto onde não sei o que predomina: se a clareza da análise se a elegância da escrita. 

Deu-me muito prazer lê-lo porque o assunto  me interessa e, ao mesmo tempo, fiquei com a certeza de que o nosso bom mestre LG ainda não foi apanhado pelo " alemão " ( embora partilhe a vida com uma alemã ) e ainda mexe e bem.

Andava meio preocupado com ele  pois desde o Nosso Encontro que, do Brasil, ainda não tinham chegado sinais de vida nem notícias sobre o novo romance que aguardamos a todo o momento.

Sobre o tema que o LG nos propõe  muita coisa se poderia comentar mas eu quedo-me por uma única promessa: quando a Igeja e a sua prática voltarem às catacumbas contem comigo para tudo até para enfrentar os leões. 

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