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2011-07-26

Não há obstáculos teológicos à ordenação de mulheres

Estando em Portugal, pude acompanhar pela imprensa a repercussão que teve uma entrevista que o cardeal patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, concedeu, em 13 de maio último, a Ana Isabel Cabo, depois publicada no Boletim da Ordem dos Advogados, número 78, Maio de 2011.

A entrevistadora pôs-lhe esta questão: “As mulheres não podem ocupar cargos de responsabilidade na Igreja Católica. Qual a sua perspectiva?” Resposta do cardeal: “A sua afirmação não é exata... O problema que foi posto recentemente é o do sacerdócio ministerial. Tirando isso, houve períodos em que as mulheres foram absolutamente decisivas... Acho que este é um falso problema... Uma vez, num contexto de um encontro internacional sobre a Nova Evangelização, em Viena, foi lançada esta pergunta:”Por que é que as mulheres não podem ser padres?” e eu disse que não há neste momento nenhum papa que tenha poder para isso. Isso traria tensões e só acontecerá, se Deus quiser que aconteça e, se estiver nos planos dele, acontecerá... O Santo Padre João Paulo II, a certa altura, pareceu dirimir a questão. Penso que a questão não se dirime assim; teologicamente não há nenhum obstáculo fundamental; há esta tradição, digamos assim... nunca foi de outra maneira.”

Sublinhando, a entrevistadora recalcou: “Do ponto de vista teológico não há nenhum obstáculo...” D. José Policarpo continuou: “Penso que não há nenhum obstáculo fundamental. É uma igualdade fundamental de todos os membros da Igreja. O problema põe-se noutra ótica, numa forte tradição, que vem desde Jesus, e na facilidade com que as Igrejas reformadas foram para aí. Isto não facilitou a solução do problema, se é que o problema tem solução. Não é com certeza para a nossa vida, hoje então, no momento que estamos a viver é um daqueles problemas que é melhor nem levantar... suscita uma série de reações.”

E as reações surgiram. Para mais, pouco antes, no início de maio, um bispo australiano tinha sido demitido por causa do mesmo tema. William Morris, bispo de Toowoomba, admitira em 2006 que a questão da ordenação de mulheres poderia ser debatida. Na carta em que lhe comunicava a demissão, Bento XVI lembrava-lhe que a doutrina sobre o tema é “infalível”.

No “Vatican Insider”, um jornal italiano lançado pelo diário “La Stampa”, o vaticanista Andrea Tornielli escrevia que as declarações do cardeal iam contra o que afirmaram João Paulo II e Bento XVI.

Perante as reações e até mesmo indignação suscitadas, D. José Policarpo emitiu, em 6 de julho, um “esclarecimento” onde afirma ter sido obrigado a “olhar para o tema com mais cuidado”, ao verificar que não levou “na devida conta as últimas declarações do Magistério sobre o tema”, dando assim “azo a essas reações”.

Não houve, porém, só reações às declarações do patriarca de Lisboa. Houve também expressões de sintonia. “Não me repugna nada ordenar mulheres”, afirmou D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, “nada é fechado”. O tema deve ser alvo de investigação pela Teologia. “O espírito de fidelidade e de comunhão não me desobriga do estudo e de palmilhar novos caminhos”. E o bispo lembrou que a posição de João Paulo II, que declarou a exclusividade do sacerdócio masculino como assunto fechado, não é um dogma. “É afirmado que, sob o ponto de vista teológico, não há nenhum obstáculo fundamental. É também a minha convicção”, disse o bem conhecido teólogo dominicano, frei Bento Domingues. “A Igreja Católica é a única grande instituição do Ocidente que discrimina as mulheres”, pondera o padre Anselmo Borges, professor de Antropologia Filosófica na Universidade de Coimbra. Essa questão, diz, “deve ser rapidamente revista”. E interpreta o “esclarecimento” de D. José Policarpo como um recuo face às pressões do “poder central do Vaticano”. É essa também a visão do padre Carreira Neves, professor jubilado da Universidade Católica. “D. José Policarco foi obrigado a retratar-se, porque não é apenas um teólogo. É um cardeal da Igreja e este assunto é muito sensível. Deve ter havido pressões nesse sentido”, admite o professor.

Assim anda a liberdade de pensamento na Igreja Católica. João Paulo II quis dirimir a questão de uma maneira inadequada, decidindo tornar “definitiva”uma solução que não o era. Nada se pode deduzir dos Evangelhos a esse respeito. Pelo contrário, algo nos diz a liberdade criativa dos primeiros cristãos que, sem dogmas e decisões infalíveis, tão bem souberam aproveitar os variados carismas de homens e mulheres, segundo as necessidades das comunidades crentes.

 

Luís Guerreiro



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