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2011-02-08

A Igreja Católica suspeita da Democracia'

A Igreja Católica suspeita da Democracia

Entrevista com o teólogo José Comblin    

Pode parecer curioso que um sacerdote indique que Marx "foi o primeiro filósofo cristão". Essa é a posição que José Comblin tem a respeito da sustentação do cristianismo, religião que, com a influência de filósofos como Aristóteles, naturalizou a ordem do mundo, até se convencer de que não é possível mudá-lo, já que foi dado por Deus.  

A reportagem é de Cristóbal Cornejo, publicada no sítio El Ciudadano, (20-01-2010 - 24/1/2011) 

Como caracteriza Jesus Cristo?  

Ele veio mostrar com a sua vida o que deve ser a nova humanidade. E anunciou a transformação. Procurou os que sofrem, os doentes, os que não tiveram sorte. Depois, anunciou aos pobres que a situação mudará, que tivessem confiança e força, porque eles têm a sabedoria de Deus e entendem-na.

Por outro lado, os ricos e poderosos nunca entenderam e não querem entender esta mensagem. Eles defendem os seus privilégios e nada mais. Depois, ele reuniu uma comunidade e deu-lhe uma recomendação básica fundamental: que ninguém queira ser mais do que os outros. Isso basta! É a única instrução. Se respeitarem isto, todo o resto funciona.

Depois, denunciou todos os que mantêm o sistema de dominação, e que o defendem, porque os beneficia.

Por fidelidade a esta mensagem, todas as autoridades de Israel o querem matar  e vão pôr-se de acordo com o governador romano que, de facto, sente que ele é um revolucionário que ameaça o seu sistema e que é melhor suprimi-lo dos vivos.

Jesus mostrou o caminho para construir um mundo novo, não só para salvar a alma, que é o mais fácil.

 

Como se projecta a imagem desse Jesus na Igreja Católica que se institucionalizou? 

Num momento crítico, os imperadores romanos adoptaram o cristianismo como religião do Estado. E isto está muito longe do Evangelho de Jesus! Começam a representar Jesus em mosaicos vestido como Imperador, com as insígnias do poder, com o manto imperial, o que, por sua vez, confirma o poder do Imperador. Aí, aparece todo um sistema de culto que não existia, porque as religiões anteriores ofereciam sacrifícios, tinham templos, mas os cristãos não. Com este sistema, todos são obrigados a ser cristãos, as pessoas baptizam-se porque a polícia as vigia. E assim aparecem muitos discípulos de Jesus que, na realidade, não o entendem.  


E qual é o papel dos sacerdotes?  

A tarefa da organização eclesiástica é cuidar da transmissão da fé, mas, na prática, os sacerdotes fazem isto de maneira a que não seja um perigo para a sua carreira. No momento em que é um perigo, há coisas que é melhor não dizer nem explicar. Não dizem que Jesus morreu porque lutou contra todos os dominadores e denunciou o sistema. Dizem, antes, que sacrificou a sua vida para que Deus perdoe os pecados das pessoas. Assim, ninguém se sente ameaçado.  


Como vê o momento actual da Igreja Católica?  

Neste momento, a sua preocupação principal é manter-se, continuar, já que há muitos que foram embora. Estão a procurar manter a sua posição de poder, embora, na prática, isso não tenha muita influência. Estão preocupados em reconquistar a influência que tinham antes, embora não saibam como fazê-lo. Em relação ao mundo exterior não há muita preocupação. Entrar em conflito com os poderes dominantes? Isso não! Nem pensar!

 

A Igreja teve alguma vez a possibilidade de impulsionar a mudança social?  

Como instituição, não. Só mudança social até o ponto em que as classes dirigentes aceitam. Daí a confrontar... isso é feito por algumas pessoas, alguns padres, alguns bispos, mas não pela instituição. Toda a instituição tende a permanecer; esta é a sua natureza. E a não ter conflitos com outros poderes. Por isso, o melhor seria a instituição mais frágil possível, ter o necessário para manter a unidade e a organização, sem concentração de poder, com dispersão, que cada lugar se pudesse organizar e definir a si mesmo.

 

O que lhe parece a figura e a liderança do Papa Bento XVI?  

Ele é mais discreto do que o anterior; não tem o mesmo carisma, nem o desejo de se mostrar tanto. É um intelectual que dedica o seu tempo a estudar. Não conhece muito sobre as realidades dos povos. É muito amável, muito acolhedor, mas nas ideias é muito tradicional, conservador.  


E sobre as suas relações com o nazismo?  

Todo sistema é autoritário. Em democracia critica-se, discute-se, vota-se e decidem-se coisas; mas a Igreja, para si, não gosta disso. Tem medo.

A Igreja suspeita da democracia, por isso um sistema autoritário coincide melhor com os seus interesses, porque aí tudo se decide conversando com o ditador.

 

Em que difere a concepção da Igreja sobre o pecado, da concepção que Jesus teve?  

Quando alguns judeus se tornaram discípulos de Jesus, eles traziam toda a sua herança, muito concentrada no Antigo Testamento: a insistência em fazer com que as pessoas aplicassem toda a moral e todas as normas e regras. Jesus não se preocupou muito com o pecado, porque Deus perdoa. Ele teve simpatia pelos pecadores, porque eram menosprezados, mal considerados. Deu-lhes mais ânimo, valor e força. O pecado é o sistema de dominação que reaparece sempre em toda a história: o contrário da fraternidade e do amor. Toda a forma de dominação que diminui a vida é matar o outro. Isto, sim, é dominação, opressão, pecado.  


Se Jesus estivesse vivo, onde estariam postas as suas energias?  

Jesus queria mudar este mundo. Iria buscar as pessoas simples e pobres, porque com os ricos é inútil. Eles não querem mudar. Eles querem é aproveitar-se da situação.

Jesus iria buscar os pobres, criaria comunidades, dar-lhes-ia o sentido da sua dignidade, dos seus direitos, de lutar por uma vida melhor.

 

Quando o senhor fala de mudar o mundo, fala de revolução social?  

Não. Falo de mudar a humanidade, de mudar a forma de as pessoas se relacionarem entre si. Isto é o que é preciso mudar. Como fizeram as comunas medievais, as comunidades de base, as empresas cooperativas, em que todos participam.

No final, o império cairá como todos os anteriores, e os oprimidos libertar-se-ão graças à sua luta. 

(traduzido e postado por Arsénio Pires)



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