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2011-01-02

Fé em quem?

Meus caros:

Esta minha reflexão começou por um desafio que o JMarques me lançou quando eu afirmei, num recente post, que "a nossa fé só interessa na medida em que fazemos alguma coisa com ela em favor dos outros".

Talvez que o desafio do JMarques fosse no sentido de eu aprofundar e, talvez, provar esta minha afirmação. Por isso, antes de começar, relembro que eu afirmei “nossa fé” e não a fé entendida em sentido lato. Refiro-me, pois, à “fé cristã”.

Conclusão: esta minha reflexão talvez só interesse aos crentes em Jesus … Não sei. Mas, mesmo aqueles que n’Ele não acreditam, se me lerem saberão o que eu entendo por “Fé em Jesus”. E poderão, então, entrar em diálogo comigo e com outros mais.Vamos ao tema.

O que é isso de “ter fé”? Quando dizemos “eu acredito”, aquela mulher é “uma mulher de fé”, que queremos dizer com isso?

Podemos acreditar em verdades ou em pessoas. “Aquilo em que se acredita” refere-se a verdades, mandamentos, dogmas. “Em quem se acredita” refere-se a pessoas. Aceitar as verdades é uma questão de razão, mas aderir a pessoas tem a ver com o coração e atitudes de vida.

Ao percorrermos o Novo Testamento, vemos que é desta última fé (acreditar em pessoas) que consta a verdadeira fé: Homem de fé é aquele que vive em atitude de lealdade, confiança e fidelidade a Jesus. Esta era a atitude daqueles que encarnavam, na sua vida, a vida e prática de Jesus. Não andavam com a cabeça cheia de dogmas e preceitos mas tentavam praticar na sua vida os ensinamentos de Jesus pois assim se edificaria o Reino de Deus, Reino de Paz e Amor. Acreditavam em Jesus. A sua fé era uma pessoa: o Filho de Deus. (Para mim viver é Cristo, dizia S. Paulo).

Penso que a verdadeira fé não se esgota na fé racional, “fé de cabeça”, em dogmas e preceitos que aqueles que ensinam na Igreja (papas, bispos e clero) esquematizaram no Catecismo e os “crentes” acreditam mesmo sem entender. A fé é, sobretudo, uma fé pessoal, “fé de coração”, em Jesus. É uma vivência. Uma prática. Uma tentativa de cópia da vida d’Aquele a quem aderimos de coração e seguimos no dia-a-dia.

A “fé de cabeça” leva-nos a tranquilizar a consciência com o cumprimento de ritos e preceitos; é uma vivência “egoísta”, “individualista”. A fé pessoal em Jesus, “fé de coração”, leva-nos a viver e praticar o serviço aos outros em comunidade, na solidariedade, no cuidado a todos os homens e mulheres, sobretudo aos mais desfavorecidos pela vida e pela injustiça humana, porque foi assim que Ele nos ensinou e praticou.

Penso que a Igreja institucional perdeu a fé em Jesus para acreditar num catecismo sem projecção alguma na vida dos homens. Não estará aqui o motivo por que muitos “praticantes” (praticantes de quê?) abandonam as nossas igrejas? Que catequese lhes demos e continuamos a dar? Saberão o que é ser cristão? Saberão o que é ter “fé em Jesus”?

Por que razão tanta gente hoje adere a ONG’s, a acções de voluntariado em favor dos outros e não entra numa igreja? Olhemos só para o conjunto de verdades, dogmas, que, como súmula da nossa fé cristã, oferecemos no texto do Credo que recitamos nas Celebrações Eucarísticas. Quem pode aderir “de coração” à maioria das declarações de fé que aí figuram?         

Lembram-se do centurião romano que não pôde suportar o sofrimento em que estava o seu escravo que morria de dores na sua casa e foi ter com Jesus? Este chefe militar comandava as tropas romanas que subjugavam o povo judeu. Tinha feito o juramento de fidelidade ao Imperador de Roma que era o Sumo Pontífice dos deuses do Império. Um pagão, portanto. Certamente que não tinha as crenças do povo judeu e, por conseguinte, não frequentava o Templo. Mas era tão sensível ao sofrimento alheio que fez aquilo que fez; foi até junto de Jesus e disse-lhe: “Senhor, o meu escravo está em casa paralítico sofrendo dores atrozes” (…) “Senhor, não sou digno de receber-te sob o meu tecto; basta que digas uma palavra e o meu escravo será curado”. Mas reparemos no que Jesus disse aos que O acompanhavam: “Em Israel, não encontrei ninguém que tivesse tamanha fé. Mas digo-vos que virão muitos do oriente e do ocidente e sentar-se-ão à mesa no Reino dos Céus (…) enquanto os filhos do Reino serão postos para fora, nas trevas.” (Mt 8, 5-13).

Mas, Jesus diz-nos que ele tinha mais fé do que qualquer um na Palestina de então. De que fé se trata?

A resposta é evidente: o que aquele homem tinha era uma grande humanidade, uma grande misericórdia por quem sofria “dores atrozes” e… acreditava “de coração” em Jesus.

Esta é a fé que Jesus quer. Esta é a “nossa fé”!

Arsénio



Comentários


2011-01-03

JMarques - Penafiel

Disse S. Paulo que “a fé é escândalo para a razão” e quando assim é ela não terá discussão e apenas se pedirá que a respeitem e por isso já ficava por aqui na abordagem deste tema.

No entanto a fé católica pretendeu sempre, com suporte na sua organização Igreja ser o resumo e a realização da razão, procurando impor-se, utilizando o braço secular do Estado.

Fala-se em Jesus e os próprios seguidores directos tiveram muitas dificuldades em crer e a sua fé vacilou muitas vezes, segundo relatos que aparecem muito tempo depois, muitos deles não coincidentes em aspectos objectivos também.

A crença num único Deus criador é mais inteligível e ela desenvolveu-se com o judaísmo numa altura de crise dos deuses mas acabou por ir sendo reinventada por filósofos e outros “santos” e acabou por servir a ambição do poder por parte do homem.

Mas a fé no “teu” Jesus actual, colega Arsénio, é mais fácil pois ela acaba por ser resultado da própria lei natural, da lei moral natural que já está inscrita no ser humano, como cromossomas da sua própria realidade, moldada no crescimento pelos valores educacionais e daí não estranhes que muita gente se devote a ajudar o outro, indiferentes ao Cristo que por aí se prega.

As sociedades apostam em valores básicos que regem os seus normativos e se orientam para um bem estar geral  e a dinâmica natural para o equilíbrio pretende corrigir desvios e compete também aos grupos organizados, nomeadamente as ONGs  intervir nessa função. O seu papel será cada vez mais importante sempre que o Estado não corresponda e a motivação individual assenta em valores que já consideramos naturais.

Pena é que o tal Deus criador tenha enviado o Filho só ao fim de milhões de anos de existência terrena e é preciso ter fé para crer que veio à terra feito homem e como líder influente partiu e deixou aos homens da pequena Galileia a missão de influenciar um mundo de que desconheciam a existência, assentando o seu princípio no acto da ressurreição, a “loucura da cruz” de S.Paulo que com isso incomodava os filósofos no Areópago.

O cristianismo de Platão e de outras escolas filosóficas acreditavam num Deus único totalmente indiferente ao destino dos homens.O “novo” Deus criava as regras para a salvação humana.

Mas a”fé em Jesus” do Arsénio já está concebida segundo padrões actuais pois a fé em Jesus foi sendo fruto dos tempos e foi lida segundo os diferentes padrões de época. A fé do Arsénio já é fruto de uma espiritualidade libertina que consome Deus no interior dos desfavorecidos, dos oprimidos, daqueles que sofrem efectivamente como o escravo do centurião.

 

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