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2010-09-08

DEUS, um DELÍRIO?

Numa sabatina organizada pela Folha de São Paulo em 29.11.2008, afirmou categoricamente o escritor português José Saramago, perante um público de cerca de trezentas pessoas: “Não quero ofender ninguém, mas Deus simplesmente não existe”. Era uma afirmação que o vimos repetir, oportuna e inoportunamente, de outras vezes. Será, no entanto, possível, assim tão simplesmente, de uma só penada, eliminar Deus?
Em 2006, o zoólogo e divulgador científico britânico Richard Dawkins publicou um livro polémico, “Deus, um Delírio” (“The God Desilusion”, no original). Embora o título do livro fosse afirmativo, Dawkins não foi tão categórico como Saramago. Falou de probabilidades: é infinitamente mais provável a não-existência de Deus do que a sua existência; uma sociedade cuja maioria dispensasse a religião, seria provavelmente melhor e mais feliz do que uma sociedade de maioria religiosa. Ser ateu, segundo ele, não implica incompatibilidade com bons princípios morais e com a apreciação da beleza do mundo.
Dawkins, contudo, não negou o aval ao “Deus de Einstein”.
Lá pelos anos 600 a.C., Pitágoras criou uma seita no sul da Itália. Seu objectivo era compreender, por meio da matemática, os padrões da natureza, isto é, os fenómenos naturais que se repetem regularmente. Para os pitagóricos, tudo era número e a essência do conhecimento começava na matemática e terminava na descrição da “mente do criador”. A criação resumia-se num ordenado mosaico de padrões.
Com o tempo, a ciência mudaria, mas é surpreendente ver como a metáfora, “desvendar a mente de Deus”, ainda hoje é usada como objectivo final da busca científica.
No rasto de Pitágoras, de Platão e Spinoza, Einstein também quis obter uma descrição geométrica do cosmos que ele atribuía a uma inteligência abstrata, manifesta na racionalidade dos padrões do mundo à nossa volta. A unificação geométrica que ele buscava seria a versão científica da “mente de Deus”.

Dos cientistas que admitem a existência de Deus, grande parte é deísta ou panteísta: não reconhece um Deus pessoal, como o Deus do judaísmo, do cristianismo ou do islamismo. O seu “Deus” é o princípio e causa do universo.

É esse, ao que parece, o Deus de Einstein. “Não creio num Deus pessoal, afirmou ele certa vez, “e jamais neguei isso: sempre o exprimi com clareza”. Entretanto, numa carta a Max Born, físico alemão, seu amigo, Einstein escrevia em 1926: “A mecânica quântica demanda a nossa atenção... A teoria funciona bem, mas não nos aproxima dos segredos do Velho. De qualquer forma, estou convencido de que Ele não joga dados”. E, tal como é assaz comum entre cientistas e racionalistas, havia também nele uma atitude quase mística perante a natureza e o universo: “Se há algo em mim que pode ser considerado religioso,  – afirmava – é a admiração incontida pela estrutura do mundo, na medida em que a ciência é capaz de revelá-la”. E é também dele: “A ciência sem religião é manca; a religião sem a ciência é cega”.
Em seu best-seller “Uma Breve História do Tempo”, publicado em 1988, também o famoso astrofísico britânico Stephen Hawking escreveu que uma teoria completa da física permitiria “conhecer a mente de Deus”. Agora, segundo consta, ele mudou de ideia. Num novo livro a ser lançado em 9 de setembro, “The Grand Design”, ele dirá, contradizendo-se, que os avanços da Física moderna excluem Deus das teorias sobre a origem do universo. Deus não criou o universo e o Big Bang teria sido consequência inevitável das leis da física. “Dado que existe uma lei como a gravidade – escreve – o universo pode e deve criar-se a partir do nada. Criação espontânea é a razão de haver alguma coisa em vez de nada, de que o universo exista, de que nós existamos. Não é necessário invocar Deus para acender o pavio e pôr o universo em movimento”.

Do ponto de vista científico é de presumir que a atual posição de Stephen Hawking encontre contestações. Tê-las-á certamente do ponto de vista filosófico.

Faleceu em 8 de abril passado Antony Flew, um filósofo britânico, conhecido e respeitado, durante décadas, pelo seu pensamento ateísta. Defendia que qualquer abordagem sobre Deus pressupõe, até que aflore alguma evidência da sua existência, o ateísmo. Nos últimos anos da sua vida, ele admitiu que essas evidências existem de facto. E explicava deste modo o seu ateísmo: “Não apresentava uma tese geral acerca de toda a crença religiosa ou acerca de toda a linguagem religiosa. Não pretendia dizer que os enunciados religiosos eram destituídos de sentido. Simplesmente desafiava os crentes a explicarem como devem ser entendidas as suas afirmações, especialmente quando perante uma informação contraditória”.
Em dezembro de 2004, numa entrevista a Gary Habermas, seu amigo e opositor filosófico, admitiu existirem evidências em favor da existência de Deus: “Hoje acredito que o universo foi criado por uma inteligência infinita. Acredito que as intrincadas leis deste universo manifestam aquilo que os cientistas designaram como “mente de Deus”. Acredito que a vida e os processos reprodutivos têm origem numa fonte divina. Por que razão acredito nisto, eu que professei e defendi o ateísmo por mais de meio século? A versão curta da resposta é a seguinte: porque é esta, segundo penso, a imagem do mundo que emergiu da ciência moderna. A ciência põe em evidência três dimensões que apontam para Deus. A primeira é o facto de a natureza obedecer a leis. A segunda é a dimensão da vida, de seres inteligentemente organizados e movidos por propósitos, vida que surgiu da matéria. A terceira é a própria existência da natureza. Mas não foi apenas a ciência que me guiou. Também fui ajudado por um estudo renovado dos argumentos filosóficos clássicos. O meu abandono do ateísmo não foi provocado por qualquer fenómeno ou argumento novos. Ao longo das duas últimas décadas, toda a minha estrutura de pensamento tem estado em migração; e isto é consequência da minha constante avaliação dos dados provindos da natureza. Quando finalmente acabei por reconhecer a existência de Deus, não se tratou de uma alteração de paradigma, porque o meu paradigma permanece – aquele que Platão atribuiu a Sócrates: Temos de seguir a razão para onde quer que nos leve”.

E, referindo-se às leis da natureza como expressão da “mente de Deus”, cita precisamente Stephen Hawking, no epílogo do seu livro “Uma Breve História do Tempo”: “Todavia, se descobrirmos uma teoria complexa, ela deve acabar por ser compreendida não apenas por um punhado de cientistas. Poderemos então, todos, filósofos, cientistas e pessoas comuns, tomar parte na discussão da nossa existência e da do universo. Se descobrirmos a resposta, será o triunfo máximo da razão humana, porque, nessa altura, conheceremos a mente de Deus”. Antes, Hawking já havia dito: “A impressão esmagadora é a da existência de uma ordem. Quanto mais sabemos sobre o universo, mais percebemos que é governado por leis racionais... Continuamos a ter pela frente a questão: por que é que o universo se dá ao trabalho de existir? Se quisermos, podemos definir Deus como resposta a esta pergunta”.

Como filósofo, Antony Flew sabia que a ciência como tal não podia provar ou negar a existência de Deus. A sua descoberta não foi resultado de experiências científicas ou de equações matemáticas, mas da compreensão do que elas revelam: “Volto a dizer – diz ele- que a viagem da minha descoberta do Divino foi até aqui uma peregrinação da razão. Segui a razão até onde ela me levou. E ela levou-me a aceitar a existência de um ser auto-existente, imutável, imaterial, omnipotente e omnisciente”.
Deus não existe? Deus, um delírio?


Luís Guerreiro



Comentários


2010-10-11

P. Manuel Augusto COSTA Pinto - Viseu (Portugal)

Obrigado, Guerreiro, pelo prazer que me deste de ver o teu rosto, o mesmo que, há tanto tempo conheci, ali cerca  do meu nível etário. Parabéns pela satisfação de ver alguém a pensar, com cultura escorreita e em dia, sem peste de fanatismo. A propósito do teu límpido raciocínio, dir-te-ei que a existência de Deus é um facto, enquanto Platão e Einstein, eu e tu existirmos. E já é ir longe. Para lá do longe, outros virão para arrotear caminhos novos. Sem querer traír o o significado do autor, e pegando, apenas, no significante, deixa-me exprimir o meu multicurto pensamento, dizendo que o título pode albergar na sua sonoridade o meu pensar: PONTOS DE VISTA. Um abraço com sabor a palmeira, a pinheiros e juventude e amizade eterna como os nossos deuses.

2010-09-11

Arsénio Pires - Porto

Caro Luís Guerreiro:

Excelente este teu artigo! Parabéns.

Curiosamente, também eu, numas pequenas férias que passei, recentemente, em Cabo Verde, aproveitei para ler dois livros sobre o assunto que referes: "A Desilusão de Deus" de Richard Dawkins (a tradução por cá, leva este título; é da Casa das Letras) e um outro que é uma crítica à "teoria ateísta" de Dawkins e que tem o título de "O Deus de Dawkins" (Ed. Aletheia). O autor deste livro, físico molecular, de nome Alister McGrath, também veio do ateísmo para o cristianismo.

Tenho para ler, do Antony Flew, "Deus existe".

Obrigado pela excelente súmula que fizeste.

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