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2010-08-28

Onde está a verdadeira crise da Igreja?

                  Leonardo Boff. Teólogo, filósofo e escritor.

A crise da pedofilia na Igreja católica romana não é nada em comparação com a verdadeira crise, essa sim, estrutural, crise que diz respeito à sua institucionalidade histórico-social. Não me refiro à Igreja como comunidade de fiéis. Esta continua viva apesar da crise, organizando-se de forma comunitária e não piramidal como a Igreja da Tradição. A questão é: que tipo de instituição representa esta comunidade de fé? Como se organiza? Actualmente, ela aparece como que desfasada da cultura contemporânea e em forte contradição com o sonho de Jesus, percebido pelas comunidades que se acostumaram a ler os evangelhos em grupos e então a fazer a suas análises.

Dito de forma breve mas não caricata: a instituição-Igreja sustenta-se sobre duas formas de poder: um secular, organizativo, jurídico e hierárquico, herdado do Império Romano e outro espiritual, assente sobre a teologia política de Santo Agostinho acerca da Cidade de Deus que ele identifica com a instituição-Igreja. Na sua montagem concreta não é tanto o Evangelho ou a fé cristã que contam, mas estes poderes, considerados como um único "poder sagrado" (potestas sacra) também na forma da sua plenitude (plenitudo potestatis) no estilo imperial romano da monarquia absolutista. César detinha todo o poder: político, militar, jurídico e religioso. O Papa, semelhantemente detém igual poder: "ordinário, supremo, pleno, imediato e universal" (cânone 331), atributos só cabíveis a Deus. O Papa institucionalmente é um César baptizado.

Esse poder que estrutura a instituição-Igreja foi-se constituindo a partir do ano 325 com Imperador Constantino e oficialmente instaurado em 392 quando Teodósio, o Grande (+395) impôs o cristianismo como a única religião de Estado. A instituição-Igreja assumiu esse poder com todos os títulos, honrarias e hábitos palacianos que perduram até aos dias de hoje no estilo de vida dos bispos, cardeais e papas.

Este poder ganhou, com o tempo, formas cada vez mais totalitárias e até tirânicas, especialmente a partir do Papa Gregório VII que em 1075 se autoproclamou senhor absoluto da Igreja e do mundo. Radicalizando, Inocêncio III (+1216) apresentou-se não apenas como sucessor de Pedro mas como representante de Cristo. O seu sucessor, Inocêncio IV(+1254), deu o último passo e anunciou-se como representante de Deus e por isso senhor universal da Terra que podia distribuir porções dela a quem quisesse, como depois foi feito aos reis de Espanha e Portugal no século XVI. Só faltava proclamar o Papa infalível, o que ocorreu sob Pio IX em 1870. O círculo fechou-se.

A instituição igreja, ou muda ou se condena!Ora, este tipo de instituição encontra-se hoje num profundo processo de erosão. Depois de mais de 40 anos de continuado estudo e meditação sobre a Igreja (o meu campo de especialização) suspeito que chegou o momento crucial para ela: ou corajosamente muda e assim encontra o seu lugar no mundo moderno e metaboliza o processo acelerado de globalização e aí terá muito a dizer, ou se condena a ser uma seita ocidental, cada vez mais irrelevante e esvaziada de fiéis. O projecto actual de Bento XVI de "reconquista" da visibilidade da Igreja contra o mundo secular é condenado ao fracasso se não se proceder a uma mudança institucional. As pessoas de hoje não aceitam mais uma Igreja autoritária e triste como se fosse ao próprio enterro. Mas estão abertas à saga de Jesus, ao seu sonho e aos valores evangélicos.

Esse crescendo na vontade de poder, imaginado ilusoriamente vindo directamente de Cristo, impede qualquer reforma da instituição-Igreja, pois tudo nela seria divino e intocável. Realiza-se plenamente a lógica do poder, descrita por Hobbes no seu Leviatã: "o poder quer sempre mais poder, porque não se pode garantir o poder senão buscando mais e mais poder". Uma instituição-Igreja que busca assim um poder absoluto fecha as portas ao amor e distancia-se dos sem-poder, dos pobres. A instituição perde o rosto humano e faz-se insensível aos problemas existenciais, como os da família e os da sexualidade.

O Concílio Vaticano II (1965) procurou curar este desvio pelos conceitos de Povo de Deus, de comunhão e de governo colegial. Mas o intento foi abortado por João Paulo II e Bento XVI que voltaram a insistir no centralismo romano, agravando a crise.

O que um dia foi construído pode ser num outro, desconstruído. A fé cristã possui força intrínseca para  nesta fase planetária encontrar uma forma institucional mais adequada ao sonho de seu Fundador e mais consentânea com o nosso tempo.

 (postado por Arsénio Pires)



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