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2010-08-17

Outra maneira de ser Igreja

Outra maneira de ser Igreja

Quem leu o meu último artigo “Onde está a verdadeira crise da Igreja” poderá ter ficado sem esperança. Aí analisei a estrutura de poder da Igreja, centralizada, piramidal, absolutista e monárquica. Este tipo de poder não favorece o ideal evangélico de igualdade, de fraternidade e a participação dos fiéis. Antes fecha as portas à participação e ao amor. É que esse tipo de poder, por sua natureza, precisa ser forte e frio. O modelo de Igreja-poder apresenta-se como a Igreja tout court, pior ainda, como querida por Cristo, quando, como mostrei, surgiu historicamente e é apenas a sua instância de animação e perfazendo menos de 0,1% de todos os fiéis. Portanto, não é toda a Igreja, apenas uma parte mínima dela. Mas a Igreja-comunidade como fenómeno religioso e movimento de Jesus é muito mais que a instituição. Ela encontra outras formas de organização, bem mais próximas do sonho do Fundador e dos seus primeiros seguidores. Inteligentemente, os bispos brasileiros na sua reunião anual em Brasília de 4-13 de Janeiro do corrente ano confessaram: "só uma Igreja com diferentes maneiras de viver a mesma fé será capaz de dialogar relevantemente com a sociedade contemporânea". Com isso eles quebraram a pretensão de um único modo de ser, aquele da Tradição do poder. Sem negar este, há muitos outros modos e maneiras: a maneira da Igreja da libertação, dos carismáticos, dos religiosos e religiosas, da Acção Católica, até da Opus Dei, da Comunhão e Libertação e da Canção Nova, só para dizer as mais conhecidas.

Mas há uma maneira que é toda especial e altamente promissora, nascida nos anos 50 do século passado no Brasil e que ganhou relevância mundial, pois foi assimilada em muitos países: as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).Os bispos dedicaram-lhe uma animadora "Mensagem ao Povo de Deus sobre as CEBs".

Curiosamente, elas surgiram no momento em que eclodiu no Brasil uma nova consciência histórica. Na sociedade: o sujeito popular ansiando por mais participação política e na Igreja: o sujeito eclesial, ansiando também por mais participação e corresponsabilidade eclesial. As CEBs constituem outro modo de ser Igreja, cujo sujeito principal, mas não exclusivo, são os pobres.

O seu estilo é comunitário, participativo e inserido na cultura local. Os serviços são rotativos e a escolha, democrática. Articulam continuamente fé e vida, activos no campo religioso, criando novos serviços e ritos e activos no campo social ou político, nos sindicatos, nos movimentos sociais como no MST ou nos partidos populares.

Não sabemos exactamente quantas são, mas calcula-se que cheguem a cem mil comunidades de base, envolvendo alguns milhões de cristãos. Os bispos constatam o seu alto valor inovador e anti-sistémico. O mercado expulsou as relações de cooperação e solidariedade enquanto nas CEBs se vive as relações fundadas na gratuidade, na lógica do oferecer-receber-retribuir. Elas assumiram a causa ecológica, por isso, entendem-se também como CEBs = comunidades ecológicas de base. Desenvolveram uma forte espiritualidade do cuidado para com a vida e para com a Mãe Terra. Daí resultou mais respeito, veneração e cooperação com tudo o que existe e vive.As CEBs mostram como a memória sagrada de Jesus pode receber outra configuração social, centrada na comunhão, no amor fraterno e na alegria de testemunhar a vitória da vida contra as opressões. É o significado existencial da ressurreição de Jesus como insurreição contra o tipo de mundo vigente.

Humildemente os bispos testemunham que elas ajudam a Igreja a estar mais comprometida com a vida e com o sofrimento dos pobres. Mais ainda: interpelam a Igreja inteira chamando-a à conversão, ao compromisso para a transformação do mundo num mundo de irmãos e irmãs.Esse modo de ser Igreja pode servir de modelo para a inserção na cultura contemporânea, urbana e globalizada. Se fosse assumido como inspiração para o projecto do Papa Bento XVI de "reconquistar" a Europa, seguramente teria algum sucesso. Ver-se-iam comunidades de cristãos, intelectuais, operários, mulheres, jovens, vivenda sua fé em articulação com os desafios das suas situações. Não pretenderiam ter o monopólio da verdade e do caminho certo. Mas associar-se-iam a todos os que buscam seriamente uma nova linguagem religiosa e um novo horizonte de esperança para a Humanidade.

Leonardo Boff.[Autor de Eclesiogénese: a reinvenção da Igreja, Record (2008)].Adital (19-07-10)



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