pontos de vista

Espaço destinado a temas diversos....


2010-08-10

As Ideias do Papa vs. Ideias do Evangelho

As Ideias do Papa são mais determinantes do que as Ideias do Evangelho

Aqui atrasado, disse algo que me parece importante em relação à crescente maré de acusações e denúncias que se publicam a respeito dos abusos sexuais, por parte de padres e religiosos, sobre crianças e jovens.

Hoje tenho que voltar ao mesmo assunto, não para repetir o que já tanta gente disse mas para trazer, se possível, um pouco mais de luz sobre um tema tão obscuro e escabroso que, ainda por cima, se tem vindo a complicar ao longo dos últimos tempos.

Uma das coisas mais torpes que vejo na Igreja é o enorme peso institucional, organizacional e administrativo que o papado tem na tomada de decisões, na gestão, organização e governo da Igreja universal. É certo que esta situação não é de agora. Não depende deste papa nem do anterior. O problema vem de muito mais atrás.

Os estudiosos da história do cristianismo sabem muito bem que foi o papa Gregório VII, no séc. XI, quem deu uma reviravolta decisiva naquilo que diz respeito à concentração do poder e exercício do governo na Igreja. Não esqueçamos que, desde o séc. XI até ao séc. XXI, a tendência dominante foi ir aumentando a presença e o poder papal na Igreja e, enquanto isso foi possível, no mundo inteiro.

Este não é o momento nem o lugar para explicar a história desta crescente hipertrofia da presença e do poder papal na Igreja. Mas, o facto é que, com o passar dos séculos, chegámos a uma situação na qual são muitos, muitíssimos, os católicos para quem é mais determinante uma palavra do papa (seja qual for o papa) do que uma palavra do Evangelho.

Por exemplo, é claro que Jesus não quis impor a ninguém a obrigação de ser celibatário para o servir. Pois bem, hoje estamos numa situação em que, na administração e no governo da Igreja, têm mais peso o critério do papa do que o critério de Jesus Cristo. A situação é esta, por mais que tentemos explicar este paradoxo.

Outro exemplo: Jesus proibiu os seus apóstolos de utilizarem títulos de prestígio, de procurarem os primeiros lugares, de usarem vestimentas solenes para se distinguirem dos outros, de tentarem ter poder como o que os poderosos (Chefes de Estado…) deste mundo têm, etc. E que vemos nós? Vemos que os sucessores dos apóstolos, com o papa à frente, fazem precisamente o contrário daquilo que Jesus disse. E ninguém ata as mãos à cabeça perante este escândalo! Estamos de tal modo mal formados religiosamente que, se algum dia nos deparamos com um bispo que se senta ao nosso lado como qualquer um dos homens e mulheres do nosso tempo, isso nos parece pouco menos do que um exemplo de eminente santidade!

Até onde conseguiram privar-nos da razão a nós, católicos praticantes!

Até quando vamos suportar tamanho absurdo, já não nos bispos mas, sobretudo, em nós mesmos?

Compreendo que falar desta realidade seja desagradável mas não me posso calar porque vejo, e não é preciso ser um lince para o ver, que tudo isto está na base do que se passa com os escândalos de pedofilia que se cometem no ambiente eclesiástico.

Tanto quanto sei, pelo menos desde 1962 que a Santa Sé vinha dando instruções secretas e severas aos bispos para que os abusos sexuais com crianças, cometidos pelo clero, se mantivessem em rigoroso segredo. Ultimamente apercebemo-nos de que a posição do papado mudou no que se refere a este escandaloso assunto. O Vaticano mudou porque não teve outro remédio senão mudar. Mas sabemos que os papas resistiram, durante décadas, a colaborar com as autoridades civis para castigar os delinquentes.

Agora já não restam dúvidas. O problema de fundo não é a pedofilia do clero mas sim o peso institucional do papado que encobriu, com o seu poder e prestígio, até o exemplo do próprio Jesus, a palavra do Senhor, o texto santo e exemplar do Evangelho. É simplesmente aterrador saber que se está a actuar contra o que disse e fez Jesus Cristo e, no entanto, tudo seguir em frente como se nada tivesse acontecido, continuando a ocupar o cargo de cabeça e chefe dos crentes em Jesus, mas ao mesmo tempo fazendo e dizendo exactamente o contrário do que Jesus fez e disse. Há alguém que possa entender isto? Agora é o problema da pedofilia, mais adiante virão à luz do dia outros problemas.

O preocupante não é cada problema em concreto. O preocupante é o sistema de governo eclesiástico que, tal com tem vindo a funcionar, não somente não se baseia no que Jesus disse, como também, e em bastantes factos concretos e de enorme importância, fala e actua exactamente contra o que Jesus fez e disse.

Enquanto não enfrentarmos este problema com liberdade e honestidade, tudo o resto não passará de aplicar pomadas sobre um corpo invadido por um cancro.

José Maria Castillo

Teología sin censura

(tradução de Arsénio Pires)



Comentários

Ainda não existem comentários!
.: Valide os dados assinalados : mal formatados ou vazios.

Nome: *
E-mail: * Localidade: *
Comentário:
Enviar

Os campos assinalados com * são de preenchimento obrigatório.

Ver todas voltar
Copyright © Associação dos Antigos Alunos Redentoristas
Powered by Neweb Concept
Visitante nº