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2010-06-08

Carta Aberta de mulheres italianas a Bento XVI ...

CELIBATO OBRIGATÓRIO

Carta Aberta a Bento XVI

e a quantos preferem definir o celibato obrigatório como “valor sagrado”

 

O que motivou esta carta, de mulheres italianas vítimas da lei do celibato obrigatório, foi uma de tantas afirmações de Bento XVI, em março, diante da explosão de escândalos de pedofilia provocados por membros do clero católico: “O horizonte da pertença ontológica a Deus constitui o quadro próprio para se compreender e reafirmar, também em nossos dias, o valor do sagrado celibato que, na Igreja latina, é um carisma requerido para a Ordem sacra e tido em grandíssima consideração nas Igrejas Orientais”, explicou o Pontífice durante a reunião “Fidelidade de Cristo, fidelidade do sacerdote”“Ele é autêntica profecia do Reino, sinal da consagração, de coração indiviso, ao Senhor e às ‘coisas do Senhor’, expressão do dom de si a Deus e aos outros. A vocação do sacerdote é, por conseguinte, uma altíssima vocação que continua sendo um grande mistério, até  para aqueles que a recebemos como dom. Os nossos limites a as nossas fraquezas devem levar-nos a viver e a guardar com profunda fé esse dom precioso, pelo qual Cristo nos configurou consigo, tornando-nos partícipes da sua missão salvífica”.

 

“Quem escreve (esta carta) é um grupo de mulheres de toda a Itália que viveram ou vivem ainda a experiência de uma relação com um padre ou um religioso. Estamos habituadas a viver no anonimato os poucos momentos que o padre consegue conceder e compartilhamos diariamente as dúvidas, os temores e as inseguranças dos nossos homens, suprindo suas carências afetivas e sofrendo as consequências da obrigação do celibato.

A nossa voz é uma voz que não pode ser ignorada, desde o momento em que o ouvimos reafirmar a sacralidade daquilo que não é sagrado mas uma lei, ignorando, ao mesmo tempo, os direitos fundamentais das pessoas. Fere-nos o desprezo com que, ao longo dos séculos e nas recentes declarações, se tenta calar o grito de homens e mulheres que padecem no já esfarrapado sudário do celibato obrigatório.

Pretendemos recalcar – embora já grande parte dos cristãos o saiba – que essa disciplina nada tem a ver com as Escrituras, em geral, e os Evangelhos, em particular, nem com Jesus, que jamais falou disso.

Ao contrário, pelo que sabemos, ele gostava de rodear-se de discípulos, quase todos casados, e de mulheres. Nos dirá que o próprio Jesus viveu como celibatário e que o padre se conforma simplesmente com aquilo que escolheu. Eis, exatamente, uma escolha. Mas uma norma não pode ser uma escolha, a não ser que se lhe force o sentido. Se depois se define isso carisma, não pode ser imposto nem requerido, e muito menos ao Senhor, que nos quis livres, porque amor é liberdade, desde sempre.

Será, por isso, plausível pensar que ele pretendesse negar determinadas expressões dessa liberdade a alguns dos seus discípulos, além de qualquer suposta oportunidade?

São bem conhecidas as razões que, em sua época, instigaram a hierarquia eclesiástica a incluir esta disciplina no seu ordenamento jurídico: interesse e vantagem econômicos. Além disso, ao longo dos séculos, tudo se condimentou com certa dose de misoginia e hostilidade ao corpo, psique e suas exigências primárias.

Trata-se, portanto, de uma lei “humana”, no sentido amplo da palavra. É daqui que é preciso partir, a fim de nos interrogarmos se, como acontece com todas as leis humanas, até certo ponto e num determinado momento histórico, não será o caso de a rediscutir e modificar ou, como desejamos, de a eliminar.

Para fazê-lo, são necessários muita humildade, muita coragem e o distanciar-se das lógicas de poder para descer, com lealdade, ao mundo dos homens, ao qual, se queira ou não, também pertence o padre.

Citamos Eugen Drewermann (“Funcionários de Deus – Psicodrama de um Ideal”, 1991): “Segundo a ideologia teológica, a pessoa do clérigo individual assemelha-se a um balde de água: é necessário esvaziá-lo completamente do seu conteúdo para enchê-lo até à borda de tudo quanto se afigura desejável aos superiores eclesiásticos. Dessa maneira, neutraliza-se toda a esfera dos sentimentos humanos a favor do poder decisório. De entre a gama das relações humanas possíveis, sobrevive unicamente um tipo: a correspondência entre a ordem e a submissão, o ritual de patrão e criado, a abstração e a redução da vida ao formalismo do respeito a daterminadas diretrizes”.

Não é questão de dispor de mais tempo para dedicar aos outros, como reza a mais vozeada das inumeráveis frases feitas utilizadas por quem crê que o clérigo não deve nem pode ter uma companheira. Trata-se antes da recusa a que lhe seja permitido gozar de uma presença sentimental mais íntima e pessoal, às vezes até das próprias amizades.

Continua Drewermann: “A identificação obrigatória com o papel profissional não lhe permite viver, ele próprio, como pessoa e, por isso, não tem outra possibilidade que não seja fingir o calor humano, a proximidade emotiva, a compreensão pastoral, a empatia, mostrando afectação, em vez de viver de modo autêntico”.

Segundo esta visão institucionalizada, o padre se realiza no ministério, mediante a Ordem sacra, só como celibatário e por toda a vida. Mas a decisão presumivelmente livre de um jovem, entusiasta da grande proposta que pensa haver recebido, não pressupõe que a sua profunda adesão à mensagem de Jesus não possa crescer, amadurecer, mudar e, porventura, expressar-se melhor até certo ponto, mediante um presbiterado casado. É simplesmente isso que ocorre e que não estamos em condições de ver ou de avaliar plenamente.

Uma escolha deste tipo não pode ser imutável. E não se trata de uma traição e muito menos de uma queda ou transgressão, porque o amor não trai o amor. E o padre, como qualquer ser humano, tem a necessidade de viver com seus semelhantes, de experimentar sentimentos, de amar e de ser amado, e ainda de se confrontar profundamente com o outro, coisa que dificilmente está disposto a fazer por medo de se expor a um perigo.

Por trás da cortina do dito e não-dito, é isto o que vivemos. É como se o sistema eclesiástico, com suas normas, conseguisse aprisionar a parte mais sã de todos nós.

O que acontece, de fato, se o padre se apaixona? Pode escolher:

1. Sacrificar as suas próprias exigências e os próprios sentimentos, e os da mulher, em vantagem de um “bem maior” (qual?)

2. Viver a história às escondidas, com a ajuda e cumplicidade dos superiores; basta que não se venha a saber e que não fiquem marcas (filhos reconhecidos).

3. “Mandar a batina às urtigas”, expressão habitual que define a escolha de alguém que não deu conta, isto é, de um traidor.

Qualquer destas opções provoca grande dor às pessoas envolvidas que, em qualquer caso, têm muito a perder.

E quais são as escolhas para a mulher?

1. Sacrificar as próprias exigências e os próprios sentimentos em favor de “um bem maior” (neste caso o bem do padre)

2. Aceitar viver a história às ocultas, passando o resto da vida à espera de que o padre possa dedicar-lhe alguns retalhos do seu tempo, instantes roubados, sacrificando o sonho de uma história ao lado de um homem “normal”

3. Carregar o peso daquela que coagiu o padre a “mandar a batina às urtigas”, além de partilhar o peso do seu pressuposto “malogro”.

Um padre que deixa é, de qualquer modo, considerado “aquele que não conseguiu levar avante uma grande e necessária renúncia” e, portanto, é marginalizado. E isso é difícil de suportar para quem está convencido de ser “um escolhido, um que recebeu uma chamada especial”, “Alter Christus”, que, com um único gesto das mãos, consagra, transforma a natureza das coisas... que perdoa, que salva!

É possível renunciar a tudo isso? E para quê?

Para uma vida normal de um casal, que soa até banal comparada com as potencialidades que o “funcionário de Deus” pode exercer pela Ordem sacra. Não obstante, uma das frases recorrentes na boca dos padres às suas “companheiras” se resume em poucas palavras: “Eu preciso de ti para ser aquilo que sou” isto é, padre.

Não se pasme! Para conseguirem ser testemunhas eficazes do amor, precisam de encarná-lo e vivê-lo plenamente, tal como a sua natureza o exige. É uma natureza enferma? Transgressiva?

 

Lendo bem, essa expressão revela, pelo contrário, a urgência de fazer também parte de um mundo a dois, de poder exercer o direito natural e fundamental de que, a miúdo, a Igreja institucional fala nas oficialíssimas encíclicas latinas, reservando-o evidentemente apenas aos leigos e negando-o aos clérigos, os quais se convertem assim em seres sobrenaturais, de tal modo separados de todos os demais que já não logramos distinguir-lhes os contornos.

 

Mas é possível que não consiga ver como o padre vive dolorosamente só? Tem uma data de coisas a fazer que lhe enchem totalmente a jornada, mas lhe esvaziam o coração. Frequentemente nem se dá conta disso, preso como está a liturgias e incumbências do ofício. E pode acontecer que, entre as que conhece, haja uma especial que parece, já ao primeiro olhar, feita espia para lhe esquentar o coração. É o que acontece, simplesmente.

 

Mas a disciplina eclesiástica diz: “Não, tu foste escolhido para algo maior”. E ele se sente faltoso, porque não consegue imaginar que haja coisa maior do que aquilo que está experimentando. Mas se entrega confiadamente à obediêrncia que prometeu, pensando que representa a vontade de Deus, o seu plano para ele e para aqueles como ele. E o herói celibatário retorna então à ribalta de uma instituição que o quer assim e talvez já lhe tenha uma promoção pronta em troca da necessária separação.

 

E toda este estrago em nome de que amor?

Aquele que faz esconder, que faz renunciar, que faz mal. Não é o amor do Pai. Citamos uma conclusão de Drewermann: “O Deus de quem falava Jesus, quer justamente aquilo que a Igreja Católica hoje teme mais que qualquer outra coisa: uma vida humana livre, feliz e madura, que não nasce da angústia, mas da confiança obediente e que é liberta das constrições da tradicional tirania de uma teologia que prefere buscar a verdade de Deus em sagradas escrituras em vez de a buscar na santidade da vida humana”.

 

Antonella Carisio

Maria Grazia Filippuci

Stefania Salomone

juntamente com todas as outras...

e também em nome de todos aqueles que estão sofrendo por causa de uma lei injusta

 

FONTE: Il Dialogo – “Periodico di Monteforte Irpino”, Home Page: www.ildialogo.org

 

                                                                                            Traduziu: Luís Guerreiro

 



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