pontos de vista

Espaço destinado a temas diversos....


2010-05-03

Alguns pensamentos sobre Nossa Senhora, Maria de Nazaré

Estamos no mês de Maio, mês de canções a nossa Senhora, terços, coroações, mil Ave-Marias, mês do começo das aparições em Fátima.

Reflectindo com Sofia Tavares 1) pergunto-me: Nossa Senhora teria sido essencialmente aquela figura com cara de porcelana, pálida, etérea, menininha, pura, quase a-sexual ....? Ou teria sido uma mulher madura, desgastada tanto pelo trabalho do campo, como pelos sofrimentos da perseguição dos Romanos, de um lado, e, do outro, pelas preocupações e mil dúvidas acerca de seu filho, tentanto entender e não acabando por consegui-lo?

 Vamos ver o que algumas pessoas de destaque nos dizem:

 Marianne Fredrikson 2), numa suposta conversa sobre Jesus entre Maria de Magdala e o grego Leônidas, descreve-a assim:

“Conheci a Sua mãe, uma mulher boa, muito humana; era viúva de um carpinteiro e tinha uma vida dificil......Num dos nossos encontros ela me confessou: ‘Eu nunca conheci este meu filho, nem quando era criança....Crianças são parte de suas mães, de seu corpo, de seus sonhos dos seus pensamentos. Mas eu dei à luz um estranho.... sempre temi que ele perdesse o juízo ....até saí de casa para o avisar, para o buscar de volta....“

  Heike Harbecke 3), num seu artigo faz uma comparação interessante entre as posições de Bento XVI e as das feministas da diferença a respeito de Maria.  

A Maria de Bento XVI é “alguém com uma atitude passiva que se auto-entrega, é submissa, toda coração e emoção, que recebe e guarda o que recebeu de presente”, enquanto as feministas da diferença veem uma Maria que “quer novidades e mudanças e faz com que elas se tornem possíveis”. Elas se perguntam: “Que haveríamos nós, mulheres, de trazer ao mundo se tivéssemos a coragem de Maria para enfrentar o risco de nosso José tornar-se amuado e de nossos vizinhos abrirem a boca ao mundo, por termos coisas mais importantes a fazer do que corresponder às suas expectativas?”

Se pensamos bem, na visão de Bento XVI, Maria de Nazaré (naquele tempo e naquela cultura) nunca devia ter dito ao anjo: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38); deveria, sim, ter dito: “Fale com meu marido José, e com o meu pai Joaquim; se eles consentirem, então, eis a serva do Senhor...”.

Maria, uma mulher forte e decidida, já na anunciação tomou uma decisão que era inédita no contexto daquele tempo e daquela cultura, onde a mulher era totalmente submissa ao homen – e, com isso, ela mudou o mundo.

  E Elizabeth A. Johnson 4), na mesma revista “Concilium”, num artigo com o título “Verdadeiramente nossa irmã...” diz nos:

“Muitas vezes é-nos posta diante dos olhos a figura mariana passiva e obediente, pronta a fazer tudo quanto ordenam os homens investidos de autoridade, Maria a figura dessexualizada cuja falta de experiência é vista como sinal de santidade, a mulher cujo único desígnio na vida é gerar filhos...”

Porém, Maria era totalmente diferente: a sua importância, citanto Paulo VI 5), está ligada ao fato de que ela “é nossa verdadeira irmã que compartilhou plenamente, mulher humilde e pobre que foi, a nossa condição”.

As comunidades eclesiais de base latino-americanas, por exemplo, captaram a semelhança concreta entre a vida delas e a vida da Maria da Galiléia, uma mulher pobre de aldeia, que sofreu a violência do Estado. “Para as mulheres pobres, Maria não é uma criatura celestial, mas compartilha a vida delas como companheira e irmã na luta...”

Quando olhamos as parcas ruínas descobertas em Nazaré (a arqueologia até agora somente achou lagares de azeite de oliveira, lagares de vinho e mós para moer cereais, não tendo descoberto nada que indicasse riqueza), podemos imaginar uma Maria que era “camponesa judaica, economicamente pobre, politicamente oprimida e perseguida pelos Romanos, sujeita a gravidez de risco” (quem é o pai...?), dando à luz num estábulo, fugindo para um país estrangeiro, fazendo perguntas, ponderando o sentido, “angustiada acerca do seu filho primogênito”.

Como cada boa judia, ela queria que Ele se casasse e lhe desse netos; em vez disso, Ele virou um andarilho, com um bando de homens e mulheres nada benquistos pela sociedade, falando coisas subversivas que só o podiam pôr em perigo diante das autoridades. E deu no que tinha que dar: “ela o perdeu para a execução às mãos do Estado... Em todos estes momentos ela é irmã para a vida não registrada das mulheres marginalizadas de todas as épocas”.

A Igreja tradicionalmente adotou o modelo de Maria intercessora diante de Deus. “Mas não encontramos nada disso no Novo Testamento nem nos primeiros séculos do cristianismo.” Esta ideia desenvolveu-se depois, diz nos Elizabeth A. Johnson e continua: “Um modelo mais antigo, característico da Escritura e da época dos mártires, situa Maria e os santos não entre Deus e os que se encontram na terra, mas ao lado de suas irmãs e irmãos em Cristo. Neste modelo de companheirismo, uma das práticas-chave implica o recordar, a memória.....” Recordar Maria e os santos desta maneira cria uma força moral que move a Igreja a sair da passividade e a engajar-se.... em favor de todos os sofredores.

Um exemplo de como isso “funciona” vem de El Salvador: Quando nas aldeias se recita a ladainha dos santos, as pessoas não rezam após cada nome:“orai por nós”, mas dizem simplesmente após cada santo: “Presente”; quer dizer, ele ou ela está aqui conosco. Santa Maria: Presente, ... Santo Estêvão: Presente, ... Óscar Romero: Presente,... Esta oração invoca a memória dos santos e mártires como presença forte e duradoura que compromete a comunidade a imitar a vida deles, e recorda a coragem, as derrotas e as vitórias daqueles que labutaram antes de nós. ...

A festa de bodas de Caná (Jo 2,1-11) proporciona um bom exemplo do poder da lembrança: quando Maria diz: “Eles não têm vinho”... “as pessoas, nas nações pobres, ouvem-na dizer: “Eles não têm vinho”; e continuam: nem comida, nem água potável pura, nem moradia, nem educação, nem assistência à saúde, nem emprego, nem liberdade, nem segurança contra estupro, nem direitos humanos.” A própria Maria está entre os marginalizados, ela própria é membro do grupo “sem vinho” e expressa a esperança dos necessitados...

“Assim como suas palavras levaram Jesus a agir em Caná, assim também seu apelo provocador interpela a consciência da Igreja, que é o Corpo de Cristo no mundo de hoje. Embora as pessoas das nações ricas talvez prefiram não ser informadas, a voz de Maria repercutirá ao longo dos séculos: “Eles não têm vinho... você precisa de agir.” Até aqui Elizabeth A. Johnson.

 

Se vemos Maria sob estes aspectos e meditamos sobre estas verdades temos que tomar uma posição, temos que agir, a Igreja como um todo e cada um de nós em particular.

Ela nas bodas de Caná disse: “Fazei o que ele vos pedir” (Joh 2,5), e não só para aqueles serventes mas também para nós.

E é isso que Ele nos pede: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei” (Joh 15,17). E Ele nos diz:  “O que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninhos, a mim mesmo o fizestes” (MT 25,40)

No juízo final Ele não nos perguntará a quantas missas fomos, quantos terços rezamos, mas dirá: “...Vinde, benditos do meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado... porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber...... (Mt 25,31 s.)

 

Maria de Nazaré é também uma consolação para todos nós: Ela foi a mãe do homem Jesus. Nós, muitas vezes, esquecemos que Jesus (além de ser DEUS) era verdadeiramente homem, Ele tomou a nossa condição humana (Hebr 2,17, Hebr 4,15) em tudo: alegrava-se, sofreu dúvidas, angústias, incertezas........... Quanto mais Maria, não sendo Deus mas somente humana, deveria ter sofrido todas as condições que nós vivemos. Se, por exemplo, nossos filhos saem de casa: o dela também saiu. Se nossos filhos não agem como nós achamos que deveriam agir: ela sofreu o mesmo. Se nossos filhos morrem: o dela também morreu.... Tudo que nós vivemos, ela viveu. E se ela quer uma coisa de nós, é que nós tentemos de diminuir o sofrimento no mundo.

 Não quero negar que de Fátima muita gente sai fortalecida na fé.

Não quero negar que Maria tenha aparecido aos três pastorinhos.

Mas, se esta Maria de Nazaré, Nossa Senhora, “se dá ao trabalho” de aparecer a pessoas escolhidas para deixar uma mensagem, que mensagem devemos esperar dela? Somente a mensagem de que o coração de seu filho está triste (Ele está na glória do Pai!) e que é preciso rezar o terço e fazer penitência? Ou ela também falará a nós hoje: “eles não têm vinho”, “fazei o que Ele vos mandar”?

Um papel que Maria teve na vida de Jesus, foi o de tentar perceber o que Ele realmente queria. Se Maria tem um papel na nossa vida, será o de nos ensinar o que Ele quer. Devíamos pensar, então, que ela mandasse cumprir estes mandamentos do seu filho num mundo onde quase somente reina o egoísmo. E, falando com Marianne Fredriksson, “O que Jesus ensinou significa tomar cada ser humano a sério, vê-lo realmente e amá-lo. Isto é a novidade de Jesus”. E não é facil de cumprir.

 Fontes:

 1) - Sofia S. Tavares: “Maria de Nazaré”, Palestra proferida no XVIII Encontro Nacional de Padres Casados e suas Familias, em Riberão Preto, SP, em 14.01.2010.

 2) - Marianne Fredrikson: “Maria Madalena”, 1997, Stockholm,Suécia, em tradução alemã, segunda edição, Julho de 2001, em Fischer Taschenbuch Verlag.

 3) - Heike Harbecke: “Maria e a(s) Mulher(es)”. linhas mariológicas em Joseph Ratzinger/Bento XVI, no diálogo com as feministas da diferença. Revista Concílium 2008/4 No. 327.

Estas feministas, entre elas Luisa Muraro, defendem um feminismo diferente do “comum”: não querem igualar as mulheres em tudo ao homem. “O ser humano é duplo” (“ELE os criou homem e mulher”, Gn 1,27),  dizem elas,  “a diferença é definida como um princípio existencial...... a humanidade consiste de dois seres diferentes, dois absolutos que não constituem uma unidade”.

 4) - Elizabeth A. Johnson: “Verdadeiramente nossa Irmã”. Abordagem disciplinar hermenêutica feminista, Revista Concílium 2008/4 No 327.

 5) - Paulo VI “Marialis cultus”, N 56 (Documentos Pontifícios 186, Vozes, Petrópolis 1974).

 

 Irene Ortlieb Guerreiro Cacais

 



Comentários


2010-05-08

Arsénio Pires - Porto

Belo artigo.

Nunca tinha ouvido falar tão bem de Maria.

Tão mal nos disseram dela!

Tão de cera no-la pintaram!

Tão distante de nós a colocaram que quase a esqueci.

Como se fosse pouco, colocaram-na em cima de azinheiras ou em grutas com água a escorrer por baixo!

Com esta nova visão, passo a admirá-la muito mais.

Afinal, ela sofreu como nós. Até à Cruz.

Até à vinda do Espírito.

Já lhe chamaram muitos nomes.

Eu chamo-lhe Nossa Senhora do Mistério!

.: Valide os dados assinalados : mal formatados ou vazios.

Nome: *
E-mail: * Localidade: *
Comentário:
Enviar

Os campos assinalados com * são de preenchimento obrigatório.

Ver todas voltar
Copyright © Associação dos Antigos Alunos Redentoristas
Powered by Neweb Concept
Visitante nº