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2010-02-03

HAITI

Deus está no Haiti?
Juan A. Estrada

Desde uma perspectiva científica, o terramoto no Haiti tem uma dupla explicação. Por um lado, trata-se duma zona sísmica sempre ameaçada por terramotos e maremotos que acontecem com frequência. Por outro, é o facto de se ter praticado uma desflorestação massiva deste país, que contrasta com a superfície da República Dominicana, a outra parte da ilha. Para além disso, fez-se uma super-exploração do solo, um esgotamento dos recursos naturais, em parte por empresas que foram pão para hoje e fome para amanhã, e ainda uma forte explosão demográfica por parte de governos corruptos e ditatoriais, como os Duvalier, cujo herdeiro gasta hoje a sua fortuna em França.
Quando o terramoto aconteceu quase tudo ruiu, incluindo o centro histórico e as instalações estatais. Mas o bairro rico e moderno de Pétion Ville, em Puerto Príncipe, quase não sofreu danos. É uma "ilha" segura, sólida e bem resguardada do flagelo natural.

A conclusão é evidente: com outra política e outro governo, com outra distribuição da riqueza e outro tipo de construções talvez se tivesse amortecido muito a violência da natureza no país mais pobre da América do sul.

Antes de perguntarmos a Deus “Porque é que permites isto?”, temos que perguntar-nos a nós próprios: “Como é que consentimos que tantos seres humanos vivam na miséria, indefesos perante a natureza?”

A tragédia de Haiti vem depois do tsunami na Indonésia e virão outras tragédias mais, porque três quartas partes da Humanidade vivem na pobreza, sem meios para controlar a natureza. Temos os recursos técnicos e materiais necessários para reduzir ao mínimo estes desastres, mas a injusta distribuição internacional da riqueza não o permite.

E onde está Deus? - perguntamos. E continuamos a esperar milagres divinos que mudem o curso da natureza; apelamos à Providência para que intervenha nas catástrofes naturais; rezamos e pedimos prodígios e sinais. E Deus guarda silêncio e não actua como esperamos.
Não aprendemos com a história. A cruz não acabou no Gólgota; Deus não interveio para evitar Auschwitz; Deus não é o relojoeiro de Newton, que acerta o relógio natural de vez em quando; Deus não modifica as leis da criação descobertas pela ciência. O homem e o universo são obra do Criador que respeita a liberdade humana e o dinamismo da natureza. Se procuramos o Deus milagreiro, sempre à escuta dos desejos do homem, procuremo-lo noutra religião, não na religião do Deus crucificado. É inconcebível que nós, os cristãos, continuemos a esperar intervenções prodigiosas, como no tempo de Jesus, sem assumir a maioridade do homem e a autonomia do universo, cujas leis conhecemos melhor e cada vez mais.

Pelo contrário, encontraremos Deus, se o procurarmos identificado com as vítimas e chamando os homens de boa vontade para a solidariedade e para a justiça; se esperarmos que Deus nos inquiete, nos provoque e nos chame a colaborar de mil maneiras para mitigar a dor no Haiti; se acreditarmos que Deus não é neutral e que o grande contraste entre o grande mundo pobre e a minoria de países ricos clama ao céu.
Temos que ajudar Deus a fazer-se presente no Haiti, porque necessita dos homens para que ali chegue o progresso e a justiça. Os mortos e refugiados da catástrofe têm fome de justiça, a justiça das bem-aventuranças, e Deus necessita de testemunhas suas para se fazer presente.

Ninguém pode falar em nome das vítimas sem experimentar os seus sofrimentos nem sofrer a sua forma de vida. Só há um caminho: estar com eles, na presença deles. O protagonismo pertence ao ser humano: Deus é autor da história, enquanto que inspira, motiva e nos envia para a solidariedade e para a justiça.
O Deus cristão não é a divindade grega que sente ciúmes do homem e castiga Prometeu. Ele, pelo contrário, orgulha-se da nossa capacidade para gerar vida com a ciência e com o progresso, somente exigindo que os recursos naturais se ponham ao serviço de todos. Temos que actuar “como se deus não existisse” e tudo dependesse de nós. Temos que universalizar a solidariedade e mudar as estruturas internacionais que condenam povos inteiros à miséria. A partir daqui, podemos esperar tudo de Deus e pedir-lhe que fortaleça, inspire e motive todos aqueles que lutam por um mundo mais justo e solidário.

Dentro de poucos meses, o Haiti será uma simples recordação, excepto para aqueles que ali continuam, e já os teremos esquecido como esquecemos a Indonésia ou as fomes da África subsariana. A grande tragédia do século XXI é a duma humanidade que tem recursos para acabar com a fome e mitigar as catástrofes naturais, mas prefere empregar esses recursos em armamento para se defender dos pobres; em polícias para evitar que os pobres entrem nas nossas "ilhas" de riqueza  e cheguem aos desperdícios consumistas duma minoria de países.

Somos todos responsáveis pelo mal do Haiti e a solidariedade não pode ficar-se por este acontecimento pontual, ainda que ela seja necessária.
A solidariedade exige outra forma de vida para este povo continuamente martirizado!

(tradução de Arsénio Pires)



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