pontos de vista

Espaço destinado a temas diversos....


2010-01-19

TERRAMOTO NO HAITI

José María Castillo Sánchez (Puebla de Don Fadrique, Granada, 1929) foi jesuíta até  2007, altura em abandonou a Companhia de Jesus, segundo ele diz, “por decisão própria por estar em desacordo com o controlo ideológico que a cúria do Vaticano impõe aos religiosos e sacerdotes”.
Foi professor da Universidade de Granada até 1988, ano em o Vaticano o proibiu de ensinar Teologia. Autor de vários livros de Teologia, defende a ordenação sacerdotal das mulheres e de homens casados e manifesta-se abertamente crítico para com a hierarquia eclesiástica. É uma das vozes de referência da Teologia da Libertação.

 

1. DEUS E O TERRAMOTO NO HAITI
 
Começam a aparecer comentários sobre o terramoto de Haiti nos quais algumas pessoas se perguntam sobre o que muitas pessoas igualmente se interrogam: Se Deus existe, como é que Ele permite estas catástrofes com todo o sofrimento que elas causam?
A minha resposta é clara: Se Deus existe e é como nós o imaginamos, ou seja, com poder para impedir que estas catástrofes aconteçam, esse deus é um canalha, um criminoso sádico. E não vale a pena vir com o argumento segundo o qual Deus é um Mistério. Um “Mistério criminoso” continua a ser criminoso, por muito Mistério que seja.
Portanto, é minha convicção que o poder de Deus não é, não pode ser, como nós o imaginamos. Nunca deveríamos esquecer que Deus é o Transcendente. E isso quer dizer que Deus nos transcende, ou seja, não está ao nosso alcance. Não podemos saber com Ele é. O único que sabemos é que o mundo, o planeta, a natureza, tudo isso, é como é. E não podemos saber se existe algum responsável por acontecerem estas coisas. Não esqueçamos que o relato de Adão e Eva, no Génesis, é um mito elaborado por culturas antigas. Um mito com que se pretendia culpar o homem para desculpar Deus, pois, segundo o mito adâmico, o mal existe porque o homem pecou, ou seja, o culpado do mal e do sofrimento é o homem. Mas isto não passa dum mito. Dar, a partir deste mito, um salto para a “transcendência” e assim fazermos uma ideia de Deus sobre quem carregamos todo o mal que acontece no mundo, isso é o maior disparate e o mais perigoso equívoco que as religiões cometeram. Em definitivo, o único sensato que se pode dizer neste momento é que o mundo é como é. E a nós, o que nos toca é procurar que este mundo funcione de tal maneira que nele se possa remediar ou aliviar o sofrimento o mais e o melhor possível. Por exemplo, temos que lutar para que a economia mundial actue de forma a que se possam aliviar estas desgraças.
Tudo o que não seja ver assim o problema é metermo-nos num beco sem saída no qual teremos, além do mais, que conviver com um Deus maldito, tão maldito, que maldita seja a hora em que no-lo mostraram assim, tão criminoso e tão perigoso.



2. O TERREMOTO NO HAITI E NÓS
 
Perante a esmagadora hecatombe que afundou mais ainda na morte e na miséria o país mais pobre da América Latina, o mundo rico e opulento onde gastamos quantidades assombrosas de milhões de euros em cosmética e animais domésticos, em drogas, em luxos e caprichos (muitos deles sem pés nem cabeça), emociona-se e comove-se, mobiliza-se enviando ajudas e cometendo, por vezes, verdadeiros heroísmos e tomando decisões de enorme generosidade.
Tudo isso está muito bem. Tudo isso é altamente meritório. Deve ser feito. Porque razão ficaríamos impassíveis perante tanta dor e tanta morte? Seria uma crueldade sem nome.
Mas fique claro que o Mundo Rico e quantos nele desfrutamos do melhor do mundo, não lava a sua consciência dando esmolas à Cáritas ou à Cruz Vermelha. Deixemos isto bem claro. Estas catástrofes acontecem porque a Natureza é como é. Mas agravam-se, até ao terror absoluto, porque nós somos como somos.
Um terramoto no Haiti e na América Central não é o mesmo que na Califórnia ou no Japão. Quando acontece uma desgraça desta grandeza, muita gente limita-se a dizer que os pobres são sempre os mais desgraçados. Porque é sobre eles que caem as piores calamidades. Se essas calamidades são tão graves, precisamente nos países pobres, isso não acontece assim por casualidade. Acontece porque nesses países as casas estão deficientemente construídas, há menos hospitais, menos médicos, menos bombeiros, piores meios de prevenção, etc. Tudo, absolutamente tudo, está infinitamente menos preparado para enfrentar uma situação de catástrofe.
Há anos, na cidade de S. Francisco, na Califórnia, apanhei um terramoto de quase a mesma intensidade deste que arrasou a capital do Haiti. Mas em S. Francisco não aconteceu nada, absolutamente nada. Esse terramoto nem sequer foi notícia nos meios de comunicação. É que, nos países ricos, tudo está perfeitamente preparado para que os terramotos que ali são frequentes e muito fortes, não causem o desastre que aconteceu neste país de tanta miséria e carências como é o Haiti.


José María Castillo


(artigo traduzido e colocado por Arsénio Pires)



Comentários

Ainda não existem comentários!
.: Valide os dados assinalados : mal formatados ou vazios.

Nome: *
E-mail: * Localidade: *
Comentário:
Enviar

Os campos assinalados com * são de preenchimento obrigatório.

Ver todas voltar
Copyright © Associação dos Antigos Alunos Redentoristas
Powered by Neweb Concept
Visitante nº