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2010-01-10

Ética para a Nova Era

Nenhuma sociedade no passado ou no presente vive sem uma ética. Como seres sociais, temos necessidade de elaborar certos consensos, coibir certas acções e criar projectos colectivos que dão sentido e rumo à história. Hoje, devido ao facto da globalização, constata-se o encontro de muitos projectos éticos nem todos compatíveis entre si. Face à nova era da humanidade, agora mundializada, sente-se a urgência de um patamar ético mínimo que possa ganhar o consentimento de todos e assim viabilizar a convivência dos povos. Vejamos, sucintamente, como na história se formularam as éticas.

Uma permanente fonte de ética são as religiões. Estas animam valores, ditam comportamentos e dão significado à vida de grande parte da humanidade que, a despeito do processo de secularização, se rege pela cosmovisão religiosa. Como as religiões são muitas e diferentes, variam também as normas éticas. Dificilmente se pode fundar um consenso ético, baseado somente no factor religioso. Que religião tomar como referência? A ética fundada na religião possui, entretanto, um valor inestimável por ser referida a um último fundamento que é o Absoluto.

A segunda fonte é a razão. Foi mérito dos filósofos gregos terem construído uma arquitectónica ética fundada em algo universal, exactamente na razão, presente em todos os seres humanos. As normas que regem a vida pessoal foram chamadas de ética e as que presidem à vida social foram chamadas de política. Por isso, para eles, política é sempre ética. Não existe, como entre nós, política sem ética.

Esta ética racional é irrenunciável mas não recobre toda a vida humana, pois existem outras dimensões que estão aquém da razão como a vida afectiva ou além como a estética e a experiência espiritual.

A terceira fonte é o desejo. Somos seres, por essência, desejantes. O desejo possui uma estrutura infinita. Não conhece limites e é indefinido por ser naturalmente difuso. Cabe ao ser humano dar-lhe forma. Na maneira de realizar, limitar e direccionar o desejo, surgem  normas e valores. A ética do desejo casa-se perfeitamente com a cultura moderna que surgiu do desejo de conquistar o mundo. Ela ganhou uma forma particular no capitalismo no seu afã de realizar todos os desejos. E fá-lo excitando de forma exacerbada todos os desejos. Pertence à felicidade, a realização de desejos mas, actualmente, sem freios e controles, pode pôr em risco a espécie e devastar o planeta. Precisamos incorporá-la em algo mais fundamental.

A quarta fonte é o cuidado, fundado na razão sensível e na sua expressão racional, a responsabilidade. O cuidado está ligado essencialmente à vida, pois esta, sem o cuidado, não persiste. Daí haver uma tradição filosófica que nos vem da antiguidade (a fábula-mito 220 de Higino) que define o ser humano como essencialmente um ser de cuidado. A ética do cuidado protege, potencia, preserva, cura e previne. Por sua natureza não é agressiva e quando intervém na realidade fá-lo tomando em consideração as consequências benéficas ou maléficas da intervenção. Vale dizer que se responsabiliza por todas as acções humanas. Cuidado e responsabilidade andam sempre juntos.

Essa ética é hoje imperativa. O planeta, a natureza, a humanidade, os povos, o mundo da vida (Lebenswelt) estão  a exigir cuidado e responsabilidade. Se não transformarmos estas atitudes em valores normativos dificilmente evitaremos catástrofes em todos os níveis. Os problemas do aquecimento global e o complexo das várias crises, só serão equacionados no espírito de uma ética do cuidado e da responsabilidade colectiva. É a ética da nova era.

A ética do cuidado não invalida as demais éticas mas obriga-as a servir a causa maior que é a salvaguarda da vida e a preservação da Casa Comum para que continue habitável.

Leonardo Boff é autor de Saber cuidar. Ética do humano, compaixão pela Terrra, Vozes.



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