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2010-01-03

OFICIALMENTE VELHO

Neste mês de Dezembro completo 70 anos. Pelas condições brasileiras, torno-me oficialmente velho. Isto não significa que estou próximo da morte, porque esta pode ocorrer já no primeiro momento da vida. Mas é uma outra etapa da vida, a derradeira. Esta possui uma dimensão biológica, pois irrefreavelmente o capital vital esgota-se, debilitamo-nos, perdemos o vigor dos sentidos e despedimo-nos lentamente de todas as coisas.
De facto, ficamos mais esquecidos, quem sabe, impacientes e sensíveis a gestos de bondade que  nos levam facilmente às lágrimas.  Mas há um outro lado, mais instigante. A velhice é a última etapa do crescimento humano. Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamos prontos. Temos que completar o nosso nascimento ao construir a existência, ao abrir caminhos, ao superar dificuldades e ao moldar o nosso destino. Estamos sempre em génese. Começamos a nascer, vamos nascendo em prestações ao longo da vida até acabarmos de nascer. Então entramos no silêncio. E morremos.
A velhice é a última chance que a vida nos oferece para acabar de crescer, amadurecer e finalmente terminar de nascer. Neste contexto, é iluminadora a palavra de São Paulo: ”na medida em que definha o homem exterior, nesta mesma medida rejuvenesce o homem interior”(2Cor 4,16). A velhice é uma exigência do homem interior. Que é o homem interior? É o nosso eu profundo, o nosso modo singular de ser e de agir, a nossa marca registada, a nossa identidade mais radical. Esta identidade devemos encará-la face a face.
Ela é pessoalíssima e esconde-se atrás de muitas máscaras que a vida nos impõe. Pois a vida é um teatro no qual  desempenhamos muitos papéis. Eu, por exemplo, fui franciscano, padre, agora leigo, teólogo, filósofo, professor, conferencista, escritor, editor, redactor de algumas revistas, inquirido pelas autoridades doutrinais do Vaticano, submetido ao “silêncio obsequioso” e outros papéis mais. Mas há um momento em que tudo isso é relativizado e vira pura palha.
Este é o desafio para a etapa da velhice. Então damo-nos conta de que precisaríamos de muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos defina. Surpreendidos, descobrimos que não vivemos porque simplesmente não morremos, mas vivemos para pensar, meditar, rasgar novos horizontes e criar sentidos de vida.
Especialmente para tentar fazer uma síntese final, integrando as sombras, realimentando os sonhos que nos sustentaram durante toda uma vida, reconciliando-nos com os fracassos e buscando sabedoria. É ilusão pensar que esta vem com a velhice. Ela vem do espírito com o qual vivenciamos a velhice como a etapa final do crescimento e de nosso verdadeiro Natal.
Por fim, importa preparar o grande Encontro. A vida não é estruturada para terminar na morte mas para se transfigurar através da morte. Morremos para viver mais e melhor, para mergulhar na eternidade e encontrar a Última Realidade, feita de amor e de misericórdia. Aí saberemos finalmente quem somos e qual é o nosso verdadeiro nome.
Nutro o mesmo sentimento que o sábio do Antigo Testamento: “contemplo os dias passados e tenho os olhos voltados para a eternidade”.
Por fim, alimento dois sonhos, sonhos de um jovem ancião: o primeiro é escrever um livro só para Deus, se possível com o próprio sangue; e o segundo, impossível, mas bem expresso por Herzer, menina de rua e poetisa: “eu só queria nascer de novo, para me ensinar a viver”. Mas como isso é irrealizável, só me resta aprender na escola de Deus. Parafraseando Camões, completo: “mais vivera se não fora, para tão longo ideal, tão curta a vida.”

Leonardo Boff

(colocado por Arsénio Pires)



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