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Depoimento do redentorista Tony Flannery, importante sacerdote irlandês conhecido pelas suas opiniões sobre a ordenação feminina e a homossexualidade. Foi investigado pelo Vaticano e silenciado, em Abrilde 2012, pela Congregação para a Doutrina da Fé.

Este artigo foi publicado no sítio do jornal The Irish Times, 21-01-2013.

Eis o texto.

Três dias depois do meu 66º aniversário, encontro-me proibido de exercer o meu ministério como como padre, com uma ameaça de excomunhão e de dispensa da minha congregação pairando sobre mim. Como cheguei a essa situação?

Eu entrei na Congregação Redentorista em 1964 e fui ordenado 10 anos depois. Aquela era a época de uma grande abertura na Igreja Católica. Nós acreditávamos na liberdade de pensamento e de consciência e que o ensino daIgreja não era algo a ser imposto rigidamente sobre as pessoas a quem servíamos. Que elas eram inteligentes e instruídas e podiam assumir a responsabilidade pelas suas vidas.

Como pregadores, tínhamos que tentar apresentar a mensagem de Cristo de uma forma e numa linguagem que falavam com a realidade da vida das pessoas. Isto exigia uma disposição para ouvir as pessoas, compreendendo as suas esperanças e alegrias, as suas lutas e medos.

Ajudar as pessoas a lidar com o ensino sobre a contracepção durante os anos 1970 foi um grande campo de treino. Apenas repetir a linha oficial da "Humanae Vitae" não ajudava. Durante esses anos, os padres e as pessoas aprendiam igualmente muito sobre como formar as suas consciências e tomar decisões maduras sobre todas as áreas das suas vidas. Como padres, aprendemos mais com as pessoas do que elas connosco.

Com o passar dos anos, todos pudemos ver que a autoridade magistral dentro da Igreja estava a reverter para o estilo mais autoritário doministério praticado no passado. Como a autoridade se tornou mais uma vez centralizada no Vaticano, os padres da minha geração foram pressionados a ser mais explícitos e decisivos ao apresentar o ensino da Igreja: a ortodoxia era agora o imperativo, e permitir que as pessoas pensassem por si mesmas era visto como perigoso. Não havia espaço para áreas cinzentas.

Relatórios para Roma

Demo-nos conta de que havia pessoas por todo o país que relatavam às autoridades eclesiásticas qualquer leve desvio da posição oficial por parte de um padre, por exemplo permitir que uma mulher lesse o Evangelho na missa. Em todo o mundo, os padres estavam a ser penalizados, silenciados e até mesmo demitidos, porque não estavam a seguir a linha.

No Outono de 2010, eu fazia parte de um pequeno grupo que formou a Associação dos Padres Católicos (ACP, na sigla em inglês). Esta associação era única por ser um órgão independente do clero, um novo fenómeno na Igreja e com o qual as autoridades, na Irlanda e no Vaticano, se sentiam desconfortáveis e não sabiam como lidar. O crescimento do movimento serviu para me catapultar a uma posição mais proeminente que atraiu sobre mim a atenção da Congregação para a Doutrina da Fé.

Eu tinha escrito para várias revistas religiosas há mais de 20 anos sem nenhum problema. Mas, de repente, em Fevereiro passado, fui informado pelos meus superiores redentoristas de que estava com sérios problemas por causa dalgumas coisas que eu tinha escrito. Fui convocado a Roma, não ao Vaticano, que até hoje não comunicou comigo diretamente, mas apenas com o superior dos redentoristas.

Este foi o início daquele que hoje é quase um ano de tensão, stresse e de difícil tomada de decisão na minha vida. Inicialmente, a minha política foi ver se algum acordo era possível, e no início do verão esta parecia ser uma possibilidade real.

Mas gradualmente tomei consciência de que a Congregação para a Doutrinada Fé continuamente levantava barreiras, até que eu cheguei ao ponto em que não podia mais negociar. Fui confrontado com uma escolha: Ou assinava uma declaração, para publicação, afirmando que aceitava os ensinamentos que eu não podia aceitar, ou ficaria permanentemente banido do ministério sacerdotal e talvez viesse a enfrentar sanções mais graves.

É importante deixar claro que estas questões não eram questões de ensino fundamental mas sim de governo eclesial.

Então, agora, nesta hora da minha vida, ou coloco o meu nome num documento que seria uma mentira e impugnaria a minha integridade e a minha consciência, ou enfrento a realidade de nunca mais ministrar como padre. Sempre acreditei na Igreja como a comunidade de fiéis e como um elemento essencial para a promoção e o fomento da fé. Gostei dos meus anos depregação, o principal trabalho dos Redentoristas, e nunca tive qualquer dúvida de que valia a pena proclamar a mensagem de Cristo.

Mas abrir mão da liberdade de pensamento, da liberdade de expressão e mais especialmente da liberdade de consciência, é um preço alto demais para eu pagar para que me seja permitido ministrar na Igreja de hoje.

Identidade católica

Há pessoas que dirão que eu deveria abandonar a Igreja Católica e unir-me a outra Igreja cristã mais adequada ao meu posicionamento. Ser católico é central para a minha identidade pessoal. Eu tenho tentado pregar o Evangelho. Independentemente das sanções que o Vaticano impuser sobre mim, vou continuar, segundo as minhas possibilidades, a  contribuir para se realizar uma reforma na Igreja e a torná-la novamente um lugar onde todos os que queiram seguir Cristo serão bem-vindos. Ele fez amizade com os excluídos da sociedade, e eu vou fazer o que puder por minha própria conta, na pequenez, para me opor à tendência vaticana actual de criar uma Igreja de condenação em vez de uma Igreja de compaixão.

Acredito que o verdadeiro objetivo da Congregação para a Doutrina da Fé é suprimir a Associação dos Padres Católicos. Já foram feitas tentativas para cortar as asas da associação austríaca. Eu espero e rezo para que isso não ocorra.

Enquanto estou a lidar com estas questões na minha vida, acredito que é apropriado para mim permanecer temporariamente afastado da minha posição de liderança da associação. No entanto, continuarei a ser um membro activo e estarei disponível para ajudar, de todas as formas possíveis, o trabalho da Associação dos Padres Católicos, que é maior do que qualquer pessoa.

Finalmente, poder-se-ia perguntar por que razão estou a vir a público agora,tendo permanecido em silêncio durante um ano. É que necessito retomar a minha voz.

Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/517188-o-pedido-de-silencio-do-vaticano-e-um-preco-muito-alto-artigo-de-tony-flannery