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2016-06-13

alexandre gonçalves - palmela

Serra d'Arga

 

Orbacém, na colina da Serra d'Arga, rima com Jerusalém, um lugar sagrado, rente ao rio do tempo. Amigos das muitas paisagens, desliguem os botões do tédio e por um dia acreditem na doçura da amizade. Francisco preside ao culto, na pureza dos seus gestos. Seja a fava rica, seja a explosão do verde Minho, sejam os nomes que trazemos de longe. O templo fica perto de todos os lugares. E fica bem, aos que viajam atentos, que rezem o silêncio da montanha. Num ano tão escasso de alegria, tão ferido de ausências, é suave um largo lenho, coberto por uma toalha de linho, onde os frutos da terra consolam o corpo e levantam a alma. O verão vem por aí, no seu tropel de ruídos e aparência. A dezoito é o que resta duma primavera que o não foi. É hora de preparar este espiritual prazer do encontro. Preservemos a sede, a palavra, o gesto. E todos os sentimentos próprios de uma liturgia da memória. Afinemos a audição. Há uma voz que chama de longe e derrama bondade pelas estradas de acesso. Não sejamos surddos. Não guardemos para um incerto verão o que resta de um óbvio final de primavera!

2016-06-07

alexandre gonçalves - palmela

 

BARROSAL XXIV-A Vertigem da Noite

 

Como quem passa à tua porta e vê as luzes apagadas. Como quem diz "boa noite!" e nem o eco distante se pressente na resposta. Uma casa vazia. Uma rua abandonada, por onde ninguém passa em noite de luar. Gente ao pé de gente, numa relação de surdez. Onde está a palavra? Quem impõe tanto silêncio?

Antes de me recolher aos braços oblíquos da noite, avanço hesitante por um caminho que passa à tua porta. Às vezes faz frio, outras vezes chove muito. Outras ainda dói o corpo todo, devido a uma longa jornada anónima, sem qualquer finalidade. Nesses dias, olho sempre. Se não houver luz, faço ouvir uma campainha de bolso. O resultado é com frequência o mesmo. Depois só me resta deitar-me e forçar um sono difícil, em que os sonhos são labirintos flutuantes.

Durante muitos anos, mesmo quando era proibido, os sonhos eram doces, verdes e luminosos. Havia uma rapariga de serviço, alta, morena e triste. Às vezes usava um vestido azul celeste, quase transparente, onde o vento mexia sem pudor. Mas eu, como estava a dormir, não abria bem os olhos. Queria ver, mas o sono ou o medo não deixavam. O corpo dela, de tão esguio, e os olhos dela, de tão amendoados, tornavam as noites serenas e cúmplices. Acordava com alguma nostalgia mas agradecido por tanto esplendor. Havia de quando em vez algumas variantes, na regularidade sonâmbula da sua aparição. A mais sedutora, e também a mais dolorosa, faz-me recuar ao largo da aldeia. É verão e há gerânios na varanda. É lá que ela está, no seu vestido translúcido, entre múltiplas flores olhando. Digo, vem!, e ela desce ligeira. Sobe para um carro de bois. Vamos até à ribeira dos amieiros. As rodas chiam silêncio e campos abandonados por Deus e pelos homens. Há um açude. Ela despe-se. Entra na pureza das águas. Eu faço o mesmo e quando estendo a mão, unicamente para tocar na dela, eu acordo e fico triste. Às vezes zangado, como se alguém se intrometesse na minha vida. Eram sonhos de água límpida. Era o desejo a crescer para a vida. Não havia culpa. Só doía a sua irrealidade.

Os sonhos de agora são pesados e obscuros, povoados por fantasmas e violências. As noites são vertigens, algumas parecem fatais e últimas. É um alívio abrir uma portada e deixar entrar um pouco de realidade. Ou tomar um banho frio, como quem se vinga de um absurdo onírico.

A tua porta dá para um largo. Põe nesse largo o que te apetecer. Uma fonte, uma tília centenária, um sítio alto para ver o mar. Acende a luz de casa! Dá uma palavra de conforto a quem passa! Não deixes esse largo tão vazio, tão inútil, tão precocemente triste! Eu passo todas as noites por lá. Se vejo alguém, falo, bebo um copo de vinho branco e sento-me com alguma lentidão. Depois deito-me e adormeço melhor. Talvez a rapariga alta, morena e triste venha passar a noite comigo.

2016-06-02

José Manuel Lamas - Navarra - Braga

 

 

     A chuva deu lugar ao sol que já brilha por sobre as encostas do alto Minho e com o seu calor vai forçando o crescimento das favas na horta do Assis . O Assis já se recompôs e até marcou a data p'rà favada . Assim estão reunidas as mínimas condições para que seja possível mais um alegre convívio que se deseja bem frequentado  " em número " e na tentativa de encorajar alguns indecisos só vos posso dizer ...

 

                      Fazei - vos à estrada que vos leva à farra

               Levai pão e vimho , chouriço e até carne do pescoço

               Que das generosas e bem cuidadas hortas de Navarra

               De favas já foi enviado um bom reforço 

 

 

 

                 Aquele abraço

                                          Zé Lamas

 

2016-05-31

Delfim - Almada

Um dos que se recusam a envelhecer e descreve como ninguém um dos seus momentos de solidão.
É pena que não tenha conseguido dissociar a beleza das imagens e dos sentires, das vivências muito personalizadas de outros.
Refazer este texto sem as pseudo reminiscências dos outros (eu não me revejo em muitos dos traumas que o autor repetidamente expõe) resultará, penso eu, a universalidade que é fundamental para o sucesso.
É este o senão...
Em todo o caso é assombroso este novo texto.
Obrigado amigo Alex.
Um grande abraço.
Delfim.

2016-05-31

alexandre gonçalves - palmela

BARROSAL XXIII – Noite Nublada

 

Cai uma noite nublada sobre palmela. Os cedros e as casuarinas enrolam-se no vento e agitam sombras tristes. Não fazem medo. Fazem tristeza e solidão. Este maio também perdeu a memória. A lua de maio, as rosas, as cerejas, os poemas de primavera, os amores passados, tudo a chuva vai levando.

Um homem, mais depressa do que esperava, fica só na paisagem. Ninguém o entrevista. Ninguém precisa dos seus braços, inclinados já de inutilidade. Acumula-se tempo, uma espécie de musgo que se cola à pele. Como o verdete, nas estátuas de bronze, nos jardins públicos.

Falo de mim, falo de ti, meu amigo, meu irmão. Falo de todos os que fomos testemunhas de um tempo acelerado. Com a agravante de termos vindo à cena com indiscutível atraso. Crescidos em redoma de vidro, de olhos no céu para entendermos a terra, tivemos que aprender de atacado o alfabeto do mundo. Casámos, fizemos filhos, plantámos árvores. E até escrevemos alguns livros. Mas quem somos nós? Que fizemos da literatura? Que proventos fomos buscar às infinitas horas de Latim e de Grego? Quantos protegeram o gosto e a prática musical? Que foi para nós a chamada cultura humanística? Que é isso a que chamamos valores, que tantas vezes sugerem uniformização mental, como quem plagia ideias alheias e os faz passar como próprias? Deus ocupou-nos tanto tempo que muito pouco sobrou para cuidarmos de nós. Deus foi tão pai que absorveu o espaço da filiação. Ser filho é um direito, não uma concessão parental. Quero tudo o que é devido,/ por me trazerem aqui. /Que eu nem sequer fui ouvido/ no acto de que nasci./(Gedeão). Nós queríamos tudo. Queríamos ser diferentes. E até mudar o mundo. Mais que tudo, sonhávamos afectos, algumas gotas de ternura, alguma grandeza que desse sentido à nossa idade. Para tanto desejo, deram-nos um manual de fórmulas, simples e abstratas, facilmente memorizáveis: o catecismo. Assim, numa pedagogia bipolar, tivemos de viver os mais tenros anos da vida, entre o céu e o inferno. Os cumpridores tinham o ingresso garantido nos braços do Altíssimo. Os outros, se os houvesse, podiam ir para toda a parte.

Muitos de nós dizem-se cristãos convictos. Mas acrescentam que de actos litúrgicos está o inferno cheio. Cheios estamos nós de anos, de mediocridade, de cópias, de brandos costumes. E sem obra feita, nem glória, nem cumplicidade social. Safamos o património, a vidinha e a magra reforma que os longos descontos consentem. E os valores judaico-cristãos, que se adoptaram como verdade absoluta. Como se nem a história os maculasse de alguma imperfeição. Uma pedagogia catequética, dogmática e definitiva.

 

Esta perversa reflexão não ignora as excepções. O pudor implica a soberania do nome. Até o próprio elogio ofenderia uma sensibilidade subtil. Também não se trata de qualquer forma de censura. Em rigor, cada um sabe de si e das circunstâncias particulares que teve de superar. Sendo assim, que fundamento justifica esta reflexão? Precisamente, ser “perversa”. Porquê? Primeiro, para desconstruir a divinização do modelo que foi aplicado. Os resultados estatísticos permitem concluir que o fabrico em série de cidadãos foi genericamente um fracasso. Em segundo lugar, pretende-se que se agarre ainda a oportunidade para sairmos de cena com elegância e nobreza. O carácter perverso está neste moralismo tardio: aprender a envelhecer. Ou, dito de outra maneira, de como de velho se volta a novo. Não sei como se faz. Há um doutor que ensina como é. Mas fica no ar a utopia. O primeiro a conseguir, que se chegue à frente. No mínimo, largue-se o maple, cerrem-se os televisores. A bolinha vermelha é para nós, a nova geração de sábios. Apenas uma ideia fica luminosa: é proibido envelhecer.

 

A noite nublada é agora uma fúria elemental. A chuva no campo, associada a um vento ruidoso e dramático, faz tremer de medo as casuarinas, que se retorcem de amores perdidos. Até os cães, os doces cães do homem, parecem ladrar como actores sem texto nem ponto. E estes pensamentos não aliviam a existência do seu inútil parto. Amo a chuva. Amo a noite. Amo o campo. Mas às vezes a solidão das árvores faz doer o mundo.

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