2016-02-21
AVENTINO - PORTO
INÚTIL?! INÚTIL É SENTIR!
Era o AGOSTO de uma velha e longínqua aldeia, num verão quente de encantar. Sabath (e ao sétimo dia descansou), silêncios e flores no cemitério, vozes sofridas de cantaréu que ainda hoje ecoam o meu perturbar,
(e a minha mãe, TINO, OH TINO vem p'ra dentro que esse calor mata)
encontrei-me com Óscar Wilde ao descer da ladeira, senhor WILDE está tão pálido, sim, sim, estou cansado, foi tudo por causa dos versos que não escrevi),
era ao fim da tarde, na igreja românica de um dos Caminhos de Santiago; talha dourada, querubins papudos de quem sempre tive tanto medo, e o padre:
"vamos examinar as crianças que vão fazer a sua comunhão solene".
A esse tempo eu nada sabia do ser e do querer ser (ainda hoje nada sei, felizmente. Fujo a todas as verdades e finjo-me - quando olho para o espelho nem sequer me conheço -).
Sabia o pai-nosso, o ato de contrição e a confissão; as bem aventuranças e umas outras ladaínhas que recitava de cor, botava faladura sem credo nem sentir, obediente, grato e obrigado a um deus com quem aprendi o significado do medo.
O pároco lá vem, a sotaina esvoaça, o menino triste à porta está. Sim, sim, senhor padre, assim farei. Quinze minutos a cada um já chega, a comunhão solene é em outubro e o Bispo quer que saibam tudo o que aprenderam na catequese, diz-me o pároco.
E vai-se.
Esvoaça-me agora a deusa, pé ante pé, a contra-luz da porta da igreja, a silhueta da sua nudez, formas e corpo, desejo e pecado, (perdoai-me Senhor, eu a rezar), mas ela vem e o padre vai, ela olha-me e eu envermelho, ela põe perna à frente e outra perna á frente, catequista, pudor e pecado misturam-se na igreja romãnica),(seminário de Cristo-Rei, a minha mãe, Tino, tem cuidado com o sol. Óscar Wilde, Marcel Proust, o meu Torga proibido) mas o pecado aproxima-se, blusa levemente desblusada e o que eu quero mesmo é este pecado que me consome.
Sou...diz-me ela, catequista destes meninos que vais examinar. Sou...diz-me ela ( e Pablo Milanês, "esto no puede ser no mas que una cancion/quisera fuera una declaracion de amor") Sou Yolanda, a catequista, e tu que vais fazer?
Cinquenta anos depois, aqui estou, sentado no mesmo banco da mesma igreja românica de uma das igrejas que informam os meus medos. Espero-a, olho a porta da entrada, (será que ela vem?), os meninos que vão fazer a comunhão solene já não estão ali e nem sequer os querubins continuam a sua vigília. Não sei mais o ato de contrição nem nenhuma das prédicas que a minha feliz condição de pobre me obrigou a decorar. Olho o triste vazio do passado, ao lado, a minha mãe, no cemitério, continua a dizer-me "Tino, meu filho, tem cuidado com o sol" e o meu pai, inebriado no colo de minha mãe, parece que dorme para não ter que dizer-lhe, "deixa o rapaz viver a vida.
Yolanda vem, "si he de morir quiero que sea contigo", senta-se ao meu lado, banco forrado a veludo grenã, altar de São Martinho.
(São dez minutos para cada um que vai comungar. Tens relógio? pergunta-me ela. Não, não tenho! E ela desabotoa o pulso, rasga a nudez do braço, e deixa-mo naquele lugar onde o pecado não mora ao lado. Abro as pernas, o relógio cai, o braço dela procura-o)
"por eso a veces se que necessito tu mano, tu mano, eternamente tu mano"
e o padre aparece, a mão dela pelas minhas coxas abaixo, eu abro as pernas, olho, mão de mulher ali, o que será, e o bofetão do padre pela minha cara adentro.
E assim fui firmando a vida, abrindo as coxas em qualquer igreja ou catedral à espera de um relógio que nunca tive nem usei. Continuo em busca de Yolanda e do encanto da voz doce de minha mãe "Tino, tem cuidado com o sol"
Conseguirei?
Não quero conseguir!