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2016-06-27

alexandre gonçalves - palmela

 

BARROSAL XXV - Até Deus Eu Trocava

                           por Uma Gota de Suor

 

                              

No tempo em que Deus comandava os meus actos, descobri um dia que Ele, além de vingativo, era divinamente ciumento. Não me deixava olhar para o lado. Espreitava pelas ranhuras da porta, na hora do banho. Porém, nada me incomodava tanto como o assédio que me fazia nas férias. Chegava a entrar no meu quarto de verão, para ver o que ali acontecia. Isso era um problema  para a missa  diária.                A D. Gracinda, que velava zelosa pela minha infeliz alma, avisou-me sem mais aquelas: Deus não dorme, sabe muito bem o que andas a fazer. Eu também sabia. E começou aí a minha culpa e o dito Salmo Cinquenta. Foram cinco dias de pecados enormes. Procurei longe um sacerdote, já de idade avançada, que nada de mim soubesse e assim me tornasse mais alvo do que a neve. Quando levíssimo regressava a casa, uma voz sinistra acusou-me de mentiroso: tanto esforço para tão pouco! Só assumiste meias verdades. Ainda não percebeste que meia verdade é mentira inteira? Fiquei de rastos. Perdi o sono. Minha mãe, que tudo faria para ter um filho padre, também notou: então, António, andas triste? Não, não andava. Era apenas cansaço.

Tive de fugir à pergunta. Em rigor, era um atrito permanente com o vizinho do andar de cima, a quem à época eu reconhecia como Deus. Uma suspeita de que talvez se tratasse de um vigarista. Ou antes, de uma série de intrusos que actuavam em seu nome e que devassavam com frequência o meu território. Um rectângulo irrelevante, já se sabe, e de certo modo desprezível. Mas era exclusivamente meu. E precisava dele para ser António. Era um tempo muito confuso. Em setembro, num retiro a sério, com pregadores especialistas em teologia do pecado, e com rasgos oratórios que bradavam ao céu, eu esquecia as suspeitas e acreditava que Deus era boa pessoa. E eu rezava. Eu ajoelhava. E até sonhava. Eu aqui vou longe. Tenho futuro assegurado. Umas pequenas desavenças espirituais. Uma inconfessável tristeza em dias de chuva. Algumas ausências incómodas. Pequenas fricções de culpa. Enfim, nada que eu não pudesse vencer. Doce ilusão, que até me fará rir algum tempo depois.

Foi num verão qualquer. Nem eu sei datá-lo. Mas os factos não são meias verdades. É o caso de me terem convidado para integrar uma brigada redentora. Missão: levar um pouco de cristianismo aos pagãos alentejanos. A iniciativa não foi minha. Eu, que já pertencia ao grupo dos chamados, passei a prestar provas no terreno. Uma comunidade rústica de contratados apanhavam de dia tomate e ao fim da tarde recebiam apoio cultural, religioso e recreativo. Quinze dias depois era a festa final. A brigada era ampla e cultivava com aplicação uma grande variedade de interesses. Alguns iniciaram com êxito a vida amorosa. Outros levaram à cena uma peça de teatro. Outros fizeram o que lhes apeteceu. Eu fiquei fora. O pároco, principal responsável por esta onda de evangelização, reservou para mim a mais nobre das tarefas: dar de beber a quem tem sede. E nomeou para minha ajudante a sobrinha, um ser etéreo, de rosto branco e diáfano, cabelos negros e longos, e um corpo mais flexível que ramo de salgueiro. E uma voz que se colava a ela bem melhor do que a túnica branca e folgada que vestia. Era um verão de fogo. Tudo ardia na paisagem. Os sobreiros gritavam por água. A terra vermelha abria-se em fendas ou feridas, como se morresse. Da torre da igreja, uma coluna de som espalhava melancolia até doer. O Padre João explicou: vocês os dois encarregam-se das bebidas. Não ia ser fácil, mas confiava em nós.

A Idalina era o ser mais belo que Deus fizera até esse dia. Já nos tínhamos visto e até falado. Mas ela sorria muito e ao sorrir eu tremia. Se ela me tocasse, mesmo sem querer, pulverizava-me. Quando o tio me escolheu para o bar, eu não podia alegar qualquer recusaa. Intimamente, dei glória a Deus por tanta perfeição. O máximo aperto foi por volta das três da tarde. Aí o calor alentejano atravessou os nossos corpos. Ela inclinava-se com agilidade mas com tanta inocência que me proibia o desejo. Eu fazia por não olhar, para não tremer, para não cair em cima fosse do que fosse. E não ter que pedir perdão a Deus, que tudo espiava. Mas houve um segundo de fraqueza e ao mesmo tempo de lucidez. Os meus olhos perseguiram uma gota de suor, que descia inadvertidamente do rosto dela. Acompanhei a lentidão do percurso, até a translúcida gota se perder entre duas suaves elevações. Um fio de água cristalina, pensei, a deslizar entre dunas de areia finíssima, onde nem o sol se atrevera a deixar as suas impressões digitais. Por fim, a gota, ou o fio, ou outra coisa qualquer sumiu na rebentação do mar. Ambos notámos que estávamos nus e que nenhum deus nos podia proibir as maçãs.

Quando um pôr-de-sol alentejano nos corou de ouro velho, entre medos e desejo, fomos apresentar contas à capela da ermida. Ela entrou e ajoelhou-se, como quem reza. Eu fiz o mesmo, ao lado esquerdo e tão perto que o seu perfume me atravessou a vida toda que eu tivera até então. Fechei os olhos e concentrei-me num pedido: Senhor, dei-Te glória por tanta perfeição... Se de facto me chamaste, peço-te duas coisas: primeiro, não me escolhas. Como ficou provado, eu nem vocação tenho. E às vezes duvido até de Ti. Segundo, em nome da fé que hoje tenho em abundância, concede-me que eu ame a Idalina para sempre e que ela me ame para sempre a mim. É mais sensato do que ser padre.

No dia seguinte acabava a missão. Eu ofereci-me para ir à residência paroquial a apresentar cumprimentos de despedida e mostrar o nosso agradecimento. Bato à porta. A voz, a Idalina inteira na voz, ainda pergunta quem é. Entro. O tio não está. Trememos os dois no abraço que demos e cobrimos de lágrimas a idade que tínhamos, ela pelos dezoito e eu aí pelos vinte e dois. E ambos sabíamos claramente que as maçãs eram proibidas. E que o nosso amor morria no próprio acto que o viu nascer.


 

 

 

2016-06-27

Assis - Folgosa

Boa noite, amigos da AAAR, familiares incluidos.

Depois de ter visto a bela obra do Martins Ribeiro e de haver lido as vossas mensagens, venho hoje para agradecer as vossas amáveis palavras.

Não fizemos nada de especial além do que era nosso dever: receber-vos como vós nos recebeis, quando vamos à casa dos amigos que sois, com a única finalidade que a todos nos enriquece, fortalecer os laços de amizade que a todos nos ligam. As favas são tão somente um pretexto para esse fortalecimento de amizade.

Somos, pois, nós quem vos deve estar gratos pela vossa vinda até nós. Deixastes os vossos afazeres e até os vossos entes queridos. Percorrestes bastantes quilómetros, alguns mesmo muitos, proporcionando-nos momentos fraternos muito agradáveis. Bem-hajais, pois, pela vossa disponibilidade e gentileza. Apenas vos posso dizer que podeis vir sempre que desejardes. A porta estará sempre aberta para vos receber. Só vos peço que, num futuro encontro, venhais mais leves para que pessoalmente eu não tenha de comer as sobras por tanto tempo. É que não gosto, como bem sabeis, de desperdiçar... (sorriso).

Uma palavrinha também de agradecimento a quantos manifestaram o desejo de ter participado no encontro do passado dia 18 mas que, por motivo de saúde ou  outro, não puderam comparecer, assim como aos que enviaram sua mensagem com votos de bom êxito.

Bem-hajais todos.

O nosso abraço fraterno

Belquice e Assis

PS - Ainda um bem-haja às senhoras que se dignaram estar presentes e ao nosso maravilhoso mestre cozinheiro Nevieira.


2016-06-24

manuel vieira - esposende

Pareceu que sacudi com uma curiosa tacada a que o Gaudêncio chamou de "boutade" ou tirada espirituosa, o texto do nosso colega Castro ao aperceber-se na igreja do Foco que afinal o Velho Testamento ainda merece uso litúrgico desacompanhado do manual de instruções.

Sacudi estrategicamente o conteúdo para poder abordar a favada, a tal que levou os deuses até aos altos de Orbacém para "in loco" sentirem os aromas terrenos e observarem como os humanos se convertem à roda de uma panela.

Já tão crescido e senhor de celestiais escolhas trazidas do Pinhão e graciosamente partilhadas, o Castro desassossegou com as palavras loucas do Velho Testamento que, se hoje nos assombram, nos tempos do Elias, porventura também belicoso como a mente daquela era e também do deus castigador e desumanamente vingativo, não deveriam ser texto para os púlpitos atuais da madre Igreja.

Não fiquei indiferente, de forma alguma mas não revi o meu Deus naquele filme.

2016-06-22

António Manuel Rodrigues - Coimbra

Acabo de ver-vos na lauta, variada e suculenta favada. Lamento não ter comparecido mas evitei um excesso que, na prática, me está proíbido.

Que no próximo ano possa repetir-se e eu invejar-vos e desejar-vos uma óptima digestão.

António Manuel Rodrigues

2016-06-22

ANTÓNIO GAUDÊNCO - LISBOA

É curioso ver que a favada mereceu longos comentários e descrições, merecidos certamente, mas o texto do J.Castro, que deveria ser encarado de modo mais sério, foi linearmente despachado e arquivado com uma " boutade" do nosso companheiro, amigo e presidente M. Vieira.

É a vida.................. 

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