2013-09-09
A. Martins Ribeiro - Terras de valdevez
UMA HISTÓRIA DE AMOR NO DOURO
Dado que o nosso grupo de AARs vai percorrer, por estes dias, os belos e alcantilados caminhos do Douro vinhateiro, veio-me á memória uma história verdadeira que há muito me relatou um amigo meu que já partiu, professor primário: o Soares, grande amigo, quase um irmão, arrebatado pela força do amor, um homem sentimental, marcado pela generosidade.
Levado por deveres profissionais andou até S. João da Pesqueira, pequena cidade no coração do Douro e lá cedeu ao derriço de uma colega de profissão. Marta era uma mulher luminosa, esbelta, uma Vénus de Milo em carne e osso, com uma presença escultural que causava espanto. Atraídos mutuamente acabaram, fatalmente, por enredar as almas e os predicados.
Foram até S. Salvador do Mundo, um lugar ermo donde se abarcavam as agrestes e escarpadas encostas que apertam o Douro. Ali esbanjaram amor e pieguice, grandioso, insano e selvagem. Já quase ao anoitecer, acomodados num quarto de hotel na povoação, acabaram unidos entre lençóis de rendas e tule. Entrava o luar pela janela aberta naquela noite tépida de Setembro, lambendo-lhe os corpos ebúrneos e acirrando-lhes a paixão infrene do desejo. Pela noite fora, na sineta duma capela ali perto, foram soando as badaladas das onze, das doze, da uma, das duas e das três até á lassidão final e depois, assim nuzinhos, ao amanhecer, os afagou o luar.
Passada essa ocasião tudo se diluiu. O tempo passou, desencontraram-se os caminhos, seguiram as vidas, quebraram-se as recordações. Marta sumiu-se como por encanto e o moço nunca mais a viu nem soube o que fora feito dela. Nada permaneceu, nem uma réstia de ciúme, nem a cintilação duma lembrança, nem sequer um sonho disperso. Ao indómito esplendor da juventude sucedeu a calma resignação da madurez só que, em certo dia, fora de toda a percepção e congruência, o meu amigo Soares foi agitado por uma inesperada chamada de Marta na qual lhe formulava um impensável convite, se tal fosse possível, para um encontro revivescente dos tempos d'antanho.
Como podia ele recusar?
Em vista disso, pouco depois, rumava novamente, desta vez em missão pessoal, puxado pela ilusão, impelido pelo fadário, até S. João da Pesqueira. Encontrou Marta mais madura, é certo, mas sempre com aquele magnífico porte de deusa sublime, possuidora ainda dos traços de uma escultura sensual e pagã e de todos os marcantes atributos da sensualidade. Caídos nos braços um do outro e como se um zéfiro brando atiçasse os carvões mortiços de um brasido morno, reavivaram novamente a chama da paixão antiga, na mesma alcova de lençóis bordados de renda e de tule, outra vez com a lua a sorrir-lhes, invejosa e matreira.
Tudo se consumou como outrora fazendo-me relembrar, aqui e agora, aquela canção do andaluz Pedro Escobar, quente, lírica, muito romântica:
" ...Y les dieron las once, las doce,
la una, las dos y las tres;
Y, así desnudos, al amanecer,
los encontró la luna!"
Pouco depois de me contar esta sedutora aventura de amor, o meu amigo Soares partiu para a zona do crepúsculo onde não dão horas, não há luar nem lençóis de renda e tule.
Arcos, Setembro de 2013