2013-11-09
AVENTINO - PORTO
HÁ SÁBADOS ASSIM
São sábados de encontro, de memória, do apertar e sentir da amizade. São os "sabath" de que nos fala o Novo Testamento. De preguiçar ou meditar, de partir, viajar, ir além das obrigações de fazer e produzir. " e ao sétimo dia descansou". Pois é assim que tantas vezes me movo. Ao sétimo dia sou outro, "eu não sou eu nem sou o outro/sou qualquer coisa de intermédio" (Mário de Sá Carneiro). Ao sétimo dia vem-me o desejo e o encanto de um dia sabath e liberto-me como ave solitária cirandando no espaço em busca de nada. Nem som nem silêncio, nem sol nem eira, nem o lento coachar das rãs do lago do meu jardim.
HÁ SÁBADOS ASSIM
O meu amigo continua internado. Num lar de idosos aconchegados à morte, a capela, o cheiro a anunciar o cheiro dos dias do fim. O dia de hoje já não é o dia de tantas vezes em que o visitei,
Aventino, estás tão bem,
tanta esperança a dele e a vida dele a sobrepor-se à minha angústia,
não chores Aventino, eu estou bem
e eu a chorar, o meu amigo ali, triste a vida, inexorável a velhice,
oh! já viste as minha análises?
e eu a chorar,
não tenho diabetes! queres tomar alguma coisa?!
e abraçava-me, e sorria, e perguntava pelos meus filhos, num encanto divino como se a divindade naquele mesmo instante ali viesse aplaudir uma felicidade imaginada.
Hoje, há sábados assim: o triste olhar do meu amigo. A boca ao lado, o facies torto, o braço e a perna imóveis. Todo o silêncio da morte a aconchegar-nos. Teve um AVC, disse-me a enfermeira. Forte, muito forte, concluiu. E as minhas lágrimas, a despedida, o triste esperar dos dias de amanhã.
Há sábados assim: já nem a morte me dá conforto.