2013-12-01
AVENTINO - PORTO
Sento-me numa das mais belas esplanadas da Foz no Porto. Escolho um lugar isolado. Nem fumadores, nem mulheres, nem televisão ou jornais a conspurcarem-me o silêncio que busco. Num canto recôndito desta esplanada, acolho-me, aninho-me, espero que seja o momento, esse momento de um sábado de sol e silêncio, pensamento e sonho. O empregado vem, fala-me e tira-me do desassossego que quero.
"Um gin". "Hendricks".
"Não, não. Quero que traga a garrafa, a água tónica e o resto, e, que o prepare aqui nesta mesa, à minha vista".
É assim mesmo. O gin está na moda e descobri que é uma das melhores bebidas do nosso encanto. Pede uma marca específica, nunca peças, "um gin, por favor"; "um gin, por favor é o mesmo que pedires lixo, um mau gin, o pior gin que houver, por favor, é a mesma coisa. Escolhe tu, comanda tu, segue o teu caminho como nos diz o Evangelho. Hendricks, Mare ou Monkey são sempre boas opções. Depois, escolhe a água tónica, que constitui o grando segredo da bebida. Exige que to sirvam ali na mesa, com solenidade e classe. Não deixes que nenhum empregado "despeje" a água tónica no copo. Sê tu. A colher própria, a água tónica, devagarinho, lentamente, como um ritual de iniciação para que o gás não se perca. Serve apenas 3/4 de forma a que o álcool e o sabor do gin não se anule na quantidade da água tónica. Agora sim, agora, estás em condições de beber. Trago a trago, gole a gole, como se procurasses o encanto de um novo sabor. E olha, vê, observa o mar. Outra vez, outra vez. O mar!
Ao meu lado, os livros. Esses amigos que me acompanham na solidão e na multidão, no tudo e no nada, na hora certa em que sem eles é tudo inquietude e com eles a inquietude é que é.
Ao teu lado, os livros: Proust, Faulkner, Torga, Virgílio Ferreira, Sandor Marai, Javier Marías, Pessoa, Manuel António Pina, Padre António Vieira, Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Le Clèzio, Aldous Huxley e uma infinidade de génios que povoam o teu sentir. Agora, continua, degusta o gin, observa o mar e serena. A felicidade pode estar neste momento livre em que o teu sentir é apenas não sentir coisa nenhuma.
Eu escrevo, as últimas palavras do meu último romance cuja abertura contigo quero partilhar:
"Se a minha mãe não me tivesse chamado nessa noite dos inícios de Maio do primeiro ano deste século, não saberia ainda hoje as três verdades com que, desde então, percorri esta minha vida"