2014-02-14
alexandre gonçalves - palmela
UM NOME PARA FEVEREIRO
(Dia de S. Valentim)
Ela sorriu e acenou. Ele disse que sim e prometeu. Andavam por aí nas sombras, nas marginais, numa clandestina distracção da existência. Não assumiam, não acreditavam, nem sequer valia a pena o risco. Um a um, sucessivamente, enviavam os dias para a eternidade. Um dia era fevereiro e ela lembrou: vamos comemorar, todos o fazem. Comemorar o quê, perguntou ele. O nosso amor, disse ela. Nós amamo-nos?, quis saber ele. Nenhum deles sabia. Mesmo assim, combinaram um jantar especial. Ninguém se atrasou, contra o que era costume. O restaurante tinha luz filtrada, velas acesas, rosas vermelhas e música discreta pendurada nas paredes. Ele gostou. Ela bebeu mais que a conta. De repente levantou-se: tenho que me ir embora já! Mas estás bem?, indagou ele. Não estava. Pagaram e saíram. O ar da rua era frio e húmido. Antes chovesse a potes, para lavar e levar a vida para bem longe desta paisagem! Ela: desculpa! Não estou em modo de pegar no carro. Podes levar-me a casa? Ele podia, com certeza. Ela explica: eu não sou divorciada nem faço tenções de o ser. E hoje nem sequer me passou pela cabeça que era dia de o Luís chegar dos Estados Unidos, onde é investigador. Vem todos os meses a Portugal. Hoje é dia de ele vir.
Houve um silêncio de pedra. Ele é António, professor desiludido, comunista falhado. Mas é um homem calmo. Encostou o carro e perguntou: ele é o pai da tua filha? Sim, era o pai da Vanessa, e se ainda vinha a casa era só por causa dela. Vocês não se amam? Não, nunca se amaram, nem sequer para fazer a menina. Então, ia concluir o António, não vai haver problema. Divorcias-te e podemos andar à vontade. Nem pensar, arrematou ela, cheia de convicções. Que era mulher cara. Que bem podia ser paga pelo dito. Preciso muito do dinheiro dele, disse. Já parados junto à casa dela, António, com azedume, pôs uma última questão: Rosário, vocês também comemoravam o amor que nós viemos comemorar? Ele é um homem ocupado, esclareceu ela. Nunca se distraiu com tais banalidades. O que é o amor para ti, Rosário? Não sei. Um amigo meu diz que é uma troca de líquidos. Repete lá isso!, exigiu o António. Isso mesmo que tu ouviste, uma troca de líquidos e fluidos.
Ela vai olhando para o terceiro andar. Como não vê nenhuma luz acesa, está um pouco mais calma. Por fim, ela desfere com alguma ironia: e o sr. professor, que gosta tanto de fazer perguntas, e tem resposta para tudo, sabe realmente o que é o amor? Por acaso até sei,respondeu o António, pelo menos neste momento. Amor é ver-te sair imediatamente do meu carro. Quando chegares ao teu quarto, acendes a luz, levantas o estor e acenas-me, como é teu hábito. Só arrancarei daqui depois desse ritual. O amor é não voltar a ver-te.