2015-01-28
alexandregonçalves - Palmela
BARROSAL III: O Esplendor de um Discurso Inaugural
Até que enfim! Já tardava que a nossa atenção deixasse de roçar a frivolidade e se virasse para o interior de um povo e de uma cultura de onde somos nativos. Exalto desde já o nosso Ricardo Morais pela bondade, pelo esforço, pela subversão das distrações a que nos vimos dedicando neste espaço de luz, que usamos só para não estarmos calados. Ou para simplesmente bajularmos o que até em silêncio poderíamos tolerar. O ruído que se vem produzindo, com frágeis excepções, também é obesidade. Gordos e burgueses, vamos esbanjando esta preciosa antena, como se fôssemos comentadores vendidos por algum preço. Filhos da terra, devíamos regressar à terra. À mãe-terra que nos gerou, e nos entregou a Esparta, para que fôssemos apenas guerreiros, de Deus ou do diabo. Aí estamos nós, mais ou menos consumidores, alheios ao tempo que resta, sem leitura, sem reflexão, sem militância. Jogadores de xadrêz, profundamente distraídos, nem nos damos conta de que a cidade está a ser tomada pelos turcos (sem que isto signifique algum menosprezo pelos árabes). Não temos opinião sobre coisa nenhuma, a não ser o que se refere a coisas de Nosso Senhor. E mesmo aqui, revelamos um reaccionarismo atroz. Porque dá trabalho ler, dá trabalho pensar, e pior que tudo dá trabalho escrever. Mas não foi isso o que nos ensinaram? Podemos ser alheios a esta política venenosa, que despreza as pessoas, que as põe a pão e a água e que manipula com mentiras alarves esta democracia de falsos juristas e profissionais da mais óvbia mediocridade? Não haverá nada para pensar neste mundo, só porque estamos a prazo? Esta Europa, cheia de sangue e de feridas expostas, carregada de má consciência e confusa memória, não precisa de nenhuma denúncia? Esta terceira guerra mundial será um parque de diversões? Os fascínoras dos judeus, depois de terem sido odiados e quase exterminados, podem impunemente aplicar o Antigo Testamento da gloriosa revelação divina, de práticas vingativas, roubarem um território e extinguirem um povo inteiro, sob a protecção da salvadora América?
Saúdo o texto fulgurante do Ricardo Morais pela sua fecundidade, pela sua originalidade, pela sua sustentabilidade. E por essa fabulosa bondade de regressar à única urgência, os afectos. Sem afectos, não há vida, garante-o ele. Sem afectos, não há pensamento que valha um caracol, acrescento eu. Sem afectos, a idade que nos atravessa é uma fraude, uma leviandade. Sem afectos, não temos coragem. A mudez é a nossa zona de conforto. E a caridade cristã, por mais ruído que faça, se não entender a força e a sinceridade discreta de um afecto, é manipulação e domínio. Também a caridade pode ser violência, mesmo que cite o capítulo e os versículos que a justificam.
Meus amigos, para concluir, devorem com lentidão o texto citado em Pontos de Vista. Façam o favor de o ler três vezes e já não vos faltará matéria para dar sentido ao ócio! Vacinem-se contra as gripes e contra as televisões e durem muito tempo. Só os anciãos podem ainda produzir fracções de sabedoria. E aplicá-las ainda a tempo de ficarem na memória dos que hão-de suceder-nos.