pontos de vista

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2011-02-04

Os Injustiçados

 O Jornal "Cinco Quinas" do Sabugal, no seu último número, edita um artigo de um ex-seminarista intitulado Os Injustiçados e entendi transcrevê-lo aqui, pois descreve cenários  de percursos que  não nos são estranhos:(Davide Vaz)


 Os Injustiçados… A começar por mim, da Bismula, passando pelo Zé Reino Cobrado do Sabugal, o Carlos Inês Vaz e o Carvalhinho Meirinho do Soito, o Abel Farinha de Aldeia da Ponte, o Rebelo de Vale da Éguas, João Bernardo Pereira da Torre, O Alcides de Aldeia do Bispo.

Vivia-se nas décadas dos anos cinquenta e sessenta do século passado. Muitos jovens pobres do Concelho do Sabugal, para não dizer a maioria, só tinham uma alternativa para dar continuidade aos seus estudos, que passava pela ida para os Seminários Diocesanos ou Missionários.

 A começar pelo signatário deste texto, oriundo da Bismula, passando pelo Zé Reino Cobrado do Sabugal, o Carlos Inês Vaz e o Carvalhinho Meirinho do Soito, o Abel Farinha de Aldeia da Ponte, o Rebelo de Vale da Éguas, João Bernardo Pereira da Torre, O Alcides de Aldeia do Bispo. Apontei estes nomes mas foram centenas e centenas de jovens do nosso Concelho e de outros concelhos limítrofes a seguir aqueles caminhos de valorização humana, cultural e religiosa.

Ali fizemos a nossa construção de Homens. Da periferia da Covilhã, com um cenário fabril e rural mais evoluído que a zona raiana, um jovem parte para essa Escola Apostólica, onde infelizmente alguns padres diocesanos problemáticos eram temporariamente ali colocados em quarentena.

Agarrados a mentalidades arcaicas e retrógradas, com o pensamento no passado, sem janelas e olhares para o futuro em evolução, debatiam-se com os das margens do Reno, oriundos do coração da Europa, com visões largas, abrangentes, conhecedores de um mundo social aberto a novas mensagens liberais. Esse adolescente tem um comportamento exemplar, aplicado nos estudos, e prepara-se para ir passar umas férias de Verão, bem merecidas, junto dos seus pais e amigos. Um dia andava nas suas brincadeiras de criança no jogo das escondidas com outros companheiros e ao tentar esconder-se abriu a porta de uma dependência e vê uma cena amorosa e simples. Um clérigo diocesano problemático, beija e acaricia os seios imaculados de uma virgem monja, porque o amor não se preocupa com hábitos nem preconceitos. Estavam a prestar culto a Cupido. Ninguém é de ferro.

 Aquela cena lembrava, em sentido figurado, o fado de Coimbra da Samaritana. Perante este “ incidente amoroso” é chamado ao gabinete do reverendo problemático e este com ar de poucos amigos, ameaçou-o que sofreria represálias se falasse do assunto a alguém. Na sua santa ingenuidade o jovem afirma a chorar, “ eu não vi nada, eu não entendo nada dessas coisas…” Afinal aquele jovem estava no dia, na hora e no local errado.

Tinha marcado o seu destino… No Verão, em pleno mês de Agosto, no meio das férias chamadas grandes, chega o carteiro com o registo de uma carta.

 Os pais analfabetos e simples operários da indústria têxtil, pedem ao seu filho para assinar o recibo das formalidades legais que o caso exigia. O remetente era da Escola Missionária. É aberta e lêem a seguinte mensagem “ o seu filho não tem perfil, nem moral para andar no Seminário, pelo que não deve regressar em final de férias.” Ninguém entende aquela linguagem. Vão ter com o Senhor Prior e levam-lhe esta nefasta, injusta mensagem, este código incompreensível e desumano. O pároco ao fazer a leitura, torce o nariz, interroga-se interiormente, analisa e esclarece: “o vosso filho é bom aluno, bem comportado, talvez com comportamento em demasia. É muito caladinho, introvertido, sei lá…Vem aqui uma sentença e terá de ser cumprida, sem compreender as motivações, mas são assim os desígnios de Deus Altíssimo. Não desanimem, vai ter um bom futuro, os caminhos do Senhor são muitos e variados. Para já, vais ficar como ajudante do sacristão da nossa Paróquia.” Os pais saem desolados com esta notícia.

 Dar continuidade aos seus estudos é impossível por motivos económicos. Com onze anos entra no mundo do trabalho como operário têxtil numa empresa da Covilhã, com a categoria de caneleiro de fios. Surge o serviço militar obrigatório e segue para uma unidade militar do sul do País. Faz a recruta e a especialidade de auxiliar dos serviços administrativos. Mobilizado para Angola, vai para o Leste. É seleccionado para prestar serviços auxiliares religiosos, sendo o braço direito do Capelão do Batalhão. Também este, um Padre da Diocese do Porto, se sentia injustiçado. Colocado numa Paróquia daquela cidade negou-se a dar a Comunhão no final da Eucaristia Dominical a umas senhoras feudais, habituadas a este acto longe do Povo de Deus, a maioria eram trabalhadores que cheiravam a sangue, suor e lágrimas.

 A sua postura intransigente de não fazer e alimentar excepções, custou-lhe o caminho da Guerra do Ultramar. Acabada a Comissão deixou o Presbiterado e dedicou-se ao ensino oficial. O “ Sacristão Militar “, trabalha na sede do Batalhão, percorreu algumas localidades angolanas, Luso, Gabela, além da ajuda na prestação de serviços religiosos, de chorar os seus camaradas mortos em combate, de serem muitas vezes seus vizinhos a aguardar a transladação para a Metrópole, de que tratava expediente, para terem um funeral digno junto dos seus familiares.

 Também dava catequese à população civil, em que as turmas eram bem numerosas, mas não se queixava de tantas horas a ensinar e não via nada de anti-pedagógico, como agora se apregoa no nosso ensino. Finda a Comissão Militar volta para a fábrica de lanifícios, casado pai de filhos, entra mais tarde no desemprego. Luta, não desanima e consegue através de diversas provas entrar na função pública, onde me encontrou e convivemos muitos anos. Bom profissional, bom cidadão, bom pai e avô, não merecia ter sido tão injustiçado na aldeia missionária.

 O “ Juiz”, amoral abandonou a carreira eclesiástica abraçou a de advogado, que exerceu na Zona do Pinhal, principalmente nas causas perdidas.

 Há dias o meu companheiro dizia-me “ se Deus tem sentido de humor, muito se deve ter rido e divertido ao escreverem uma carta, aos pais de uma criança de onze anos, que não tinha perfil nem moral para andar na Escola Missionária, depois daquilo que viu.” Não posso deixar de me socorrer do Evangelho de S. Mateus, 5-6 em que ensina “ Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.” Que Deus lhes perdoe, pela falta de moral que revelaram e pela injustiça que praticaram…

 

António Alves Fernandes



Comentários


2011-02-08

ANTÓNIO GAUDÊNCIO - LISBOA

" Se Deus tem sentido de humor muito se deve ter rido...." escrevia o autor do texto acima posposto.  Mas , meus caros, Deus não tem sentido de humor e provou-o, à saciedade, no Velho Testamento onde sempre se apresentou carrancudo, ciumento, vingativo e do género de quem mas faz paga-mas.

O artigo do jornal acima referenciado ( desconheço porque motivo foi ele retirado do " fale conosco " para " pontos de vista " e se o posponente do mesmo foi antecipadamente informado dessa mudança )  é mais um testemunho do que se passava, quase tranversalmente, em todos os seminários e a prova de que estirpe são feitos a grande maioria dos homens que "fazem" a Igreja.

Não me venham com a cantiga de que a fé é que conta e os homens em nada contribuem para o "esplendor" dessa magnífica instituiçaõ que é a Igreja.

A injustiça que fizeram ao autor deste artigo foi, sem dúvida,uma enormidade que lhe desfez os sonhos, destroçou a família e, se calhar, cortou logo à nascença uma verdadeira vocação. A Igreja, por muito que cantem ao ouvido, é feita pelos homens que a representam e são esses que nos levam a ela ou nos afastam dela pelos seus exemplos de vida.

Nem vale a pena falar de uma coisa " histórica " e que, documentalmente, é irrevatível : A Igreja, apesar das boas palavras que nos impinge, nunca foi uma instituição casta. E sobre isto não quero avançar mais nada porque seria inútil e desnecessário.

Transferindo agora o espírito do artigo para a Quinta da Barrosa, eu pergunto: Quantos jovens nossos amigos e conhecidos também foram despachados para as famílias sem saberem os motivos porque foram "excluídos da messe do Senhor" ?    Por lerem " Eurico, o presbítero" ? Por terem apanhado algum "fraile" a beijocar as mamocas de monjas não terá sido porque as não havia dentro da Quinta. Terá sido por terem "resistido" aos avanços amorosos de alguns professores pedófilos de estimação? É possível porque de alguns casos destes nos chegam ecos que nos merecem crédito.

Lamento por alguns companheiros que nos desapareceram de madrugada por motivos que ignoramos e, se calhar, nem eles alcançaram .

Eu acabo dizendo que se "Deus tem sentido de justiça" muito terá a dizer a alguns prepotentes senhores da Igreja que interpretaram algumas situações consoante as suas conveniências.     

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