pontos de vista

Espaço destinado a temas diversos....


2010-03-20

DEBATE DOS ABUSOS SEXUAIS NA IGREJA


Os abusos sexuais de crianças por parte de membros do clero católico tornaram-se notícia demasiado frequente nos meios de comunicação. Neste momento, o país em foco é a Alemanha, onde o debate assumiu grande amplitude.
Neste debate há uma voz que merece ser escutada: a do teólogo Hans Küng, professor emérito da Universidade de Tübingen, Alemanha, e um crítico tenaz dos rumos que os últimos Papas quiseram impor à Igreja.
Em artigo do “Sueddeutsche Zeitung” de 17.03.2010, escreveu:

“Depois da audiência do arcebispo Robert Zollitsch com o Papa, a conversa acerca do grande número de casos de abuso sexual provocou no Pontífice “grande assombro” e “profunda consternação”. Mas nem o arcebispo nem o Papa respondeu às questões fundamentais que, de modo algum, podem continuar a ser postas de parte. Segundo a mais recente pesquisa da Emnid, só 10% dos alemães acreditam que a Igreja esteja a fazer o bastante para enfrentar o escândalo dos abusos sexuais; 86% criticam a chefia da Igreja pela sua falta de disposição em esclarecê-los. Devem sentir-se convencidos disso por os bispos negarem existir algum nexo entre a lei do celibato e o abuso de crianças.”

Celibato santo? Não, antes pelo contrário, nefasto!


“Uma primeira questão: Por que é que o Papa chama o celibato, presumidamente “santo”, ainda “dom precioso”, ignorando a mensagem bíblica que permite expressamente o casamento a todos os que exercem ministérios? O celibato não é “santo” e nem sequer “bem-aventurado”; ele é antes “nefasto”, na medida em que exclui do sacerdócio um sem-número de bons candidatos e expulsou do ministério uma multidão de padres dispostos a casar-se.
A lei do celibato não é nenhuma verdade de fé, mas uma lei da Igreja do século XI que, levado em conta o protesto dos Reformadores do século XVI, já devia ter sido abolida.”

Uma relação sem crispações com a sexualidade

“A veracidade teria exigido que o Papa prometesse ao menos a revisão dessa lei, há tanto tempo desejada por uma grande maioria do clero e do povo. Também o presidente do Comitê Central dos Católicos Alemães, Alois Glück, e o bispo auxiliar de Hamburgo, Hans-Jochen Jaschke, reclamam uma relação sem crispações com a sexualidade e a coexistência de padres que vivam célibes e casados.
Uma segunda questão: Pensarão realmente “todos os especialistas”, como reiterou o arcebispo Zollitsch, que o abuso de crianças por parte dos clérigos e a lei do celibato não têm nada a ver entre si? Quem é capaz de conhecer as opiniões de “todos os especialistas”?
É que são inúmeros os testemunhos de psicoterapeutas e psicanalistas que veem precisamente um nexo: a lei do celibato obriga os padres a conter toda a atividade sexual; mas os seus impulsos continuam virulentos, existindo o perigo de que eles sejam desviados para uma zona tabu e sejam compensados. A veracidade exige que se tome a sério a correlação entre abuso e celibato em vez de a negar. Assim fez claramente, em seus longos 25 anos de estudos, o psicoterapeuta americano Richard Sipe. A forma de vida celibatária, sobretudo a que leva a esse tipo de socialização (frequentemente o internato, depois o seminário), pode favorecer a tendência pedófila.
Essa forma de vida determina uma inibição do desenvolvimento psicossexual que, nos celibatários, se revela mais frequentemente do que na população corrente. Contudo, esse déficit do desenvolvimento psicológico e a tendência sexual só se revelam com frequência depois da ordenação.”

Não só pedir perdão mas também reconhecer a própria cumplicidade

“Terceira questão: Em vez de pedir apenas perdão às vítimas, não deveriam os bispos, no fim de contas, reconhecer a sua própria cumplicidade? Durante décadas, fizeram tabu do problema do celibato e encobriram os casos de abuso com estrita guarda de segredo e com transferências. Aos bispos a proteção aos padres pareceu-lhes mais importante do que a proteção às crianças.
Existe, contudo, uma diferença entre os casos de abuso individual nas escolas alheias à Igreja Católica e os casos sistêmicos e, por isso, frequentemente acumulados, numa instituição onde, no entanto, domina uma moral sexual rigorista reprimida, que atinge seu ponto mais alto na lei do celibato.
A veracidade teria exigido que o presidente da Conferência Episcopal esclarecesse finalmente, de forma inequívoca, que, de futuro, a hierarquia eclesiástica, em casos de delito, jamais decidirá, sem contar com a justiça estatal. Ou precisará a hierarquia de ser antes chamada à razão com pagamento de indenizações milionárias?
A Igreja Católica dos Estados Unidos pagou, em 2006, a soma de um mil e trezentos milhões de dólares. Na Irlanda, o governo estipulou, em 2009, com as ordens eclesiais, um fundo de indenização de ruinosos dois mil e cem milhões de euros. Estas somas falam mais alto do que a discutida percentagem estatística de delinquentes celibatários no total dos criminosos sexuais.
Quarta questão: Antes de mais nada, não deveria o Papa Bento XVI questionar-se sobre a sua própria responsabilidade, em vez de se queixar de uma campanha contra a sua pessoa? Por nenhuma pessoa na Igreja passaram tantos casos de abusos como pela mesa de trabalho dele.
Oito anos professor de Teologia em Regensburg: devido à sua estreita ligação com o maestro de coro da catedral, seu irmão Georg, ele estava muito bem informado das condições entre os “Domspatzen” (pardais da catedral) de Regensburg. Não se trata aqui das então usuais bofetadas, mas possivelmente de delitos sexuais.”

Casos de abuso sexual sob guarda de sigilo papal

“Cinco anos arcebispo de Munique: agora tornaram-se conhecidos outros casos de abuso de um padre, criminoso sexual, transferido para a arquidiocese de Ratzinger. O seu leal Vigário Geral, meu colega de estudos, Gerhard Gruber, assumiu toda a responsabilidade, mas, com isso, dificilmente aliviou o arcebispo, administrativamente responsável.
24 anos Prefeito de Congregação para a Doutrina da Fé: aqui eram e continuam a ser reunidos e tratados, sob rigoroso sigilo (Secretum Pontificium), todos os graves delitos sexuais dos clérigos de todo o mundo...
E, finalmente, cinco anos Papa, sem que nada da funesta praxe tenha mudado. A veracidade exigiria que o homem que desde há décadas é o principal responsável pelo universal encobrimento, justamente Joseph Ratzinger, pronunciasse o seu próprio “mea culpa”.
Tal como o bispo de Limburg, Tebartz-van Elst, exigiu de todos os fiéis no passado domingo (14.03.2010): “Já que a injustiça que clama aos céus não pode ser encoberta nem tolerada, nós precisamos de uma conversão que dê espaço à verdade. Conversão e penitência exigem, como princípio, que a culpa seja expressa, que o arrependimento seja praticado e seja verdadeiro, que a responsabilidade seja assumida e que a oportunidade de um novo começo nos seja dada”.”

Fonte: Suedddeutsche.de, de 17.03.2010. Introdução e tradução: Irene e Luís Guerreiro



Comentários

Ainda não existem comentários!
.: Valide os dados assinalados : mal formatados ou vazios.

Nome: *
E-mail: * Localidade: *
Comentário:
Enviar

Os campos assinalados com * são de preenchimento obrigatório.

Ver todas voltar
Copyright © Associação dos Antigos Alunos Redentoristas
Powered by Neweb Concept
Visitante nº