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2010-03-13

CELIBATO E ABUSOS SEXUAIS

O dever do celibato imposto ao clero é responsável pela crise da Igreja Católica. Já é hora de discutir a lei do celibato. É esta a visão de Hans Küng, 81 anos, Professor emérito de Teologia Ecumênica na Universidade de Tübingen, Alemanha, e presidente da Fundação “Weltethos” (Ética Mundial).


Em artigo no jornal SUEDDEUTSCHE ZEITUNG de 27.02.2010, ele escreveu:


"O enorme abuso sexual de crianças e jovens por parte do clero católico nos Estados Unidos, Irlanda e Alemanha constitui um grave dano para a Igreja Católica, mas também manifestação da sua profunda crise. Em nome da Conferência Episcopal Alemã, o primeiro a tomar publicamente posição foi o presidente, arcebispo Robert Zollitsch de Freiburg. O fato de ele rotular os casos de abuso de “crime abominável” e de, mais tarde, a Conferência Episcopal, na sua declaração da última quinta-feira (25.02.2010), ter pedido perdão às vítimas, é o primeiro passo no enfrentamento do problema, mas é preciso que outros lhe sigam.

A tomada de posição de Zollitschs revela estimativas gravemente falsas que é preciso contestar.


Primeira afirmação do arcebispo: O abuso sexual por parte dos clérigos não tem nada a ver com o celibato.

Contesto! Não é de negar que tais abusos aconteçam também em famílias, escolas, associações e até em Igrejas onde não existe lei do celibato. Mas porquê em tão grande número precisamente na Igreja Católica dirigida por celibatários? Naturalmente não é só o celibato o culpado nesses delitos. Mas ele é estruturalmente a expressão mais marcante de uma crispada atitude da direção da Igreja em relação à sexualidade, como se revela também na questão das práticas contraceptivas e outras. Um olhar ao Novo Testamento mostra, entretanto, que Jesus e Paulo viveram exemplarmente o celibato para servir à humanidade, mas, quanto a isso, deixaram plena liberdade a cada um.


Não apenas casados com o serviço

O celibato só o justifica o Evangelho como chamamento (carisma) livremente seguido e não como lei universalmente obrigatória. Paulo opôs-se resolutamente àqueles que, já então, defendiam a opinião de “que é bom para o homem abster-se da mulher”. Escreveu: “Para evitar o perigo da incontinência, cada homem tenha a sua mulher e cada mulher o seu marido” (! Cor 7,1-2). Segundo a I Carta a Timóteo, “o bispo deve ser marido de uma só mulher” (3,2). Pedro e os demais Apóstolos eram casados.

Isto manteve-se por vários séculos para bispos e presbíteros e permanece, ao menos para os padres, até hoje, tanto nas Igrejas do Oriente unidas a Roma, como em todas as Igrejas Ortodoxas. Entretanto, a lei romana do celibato contraria o Evangelho e a antiga tradição católica. Tem de ser abolida.


Segunda afirmação: É “absolutamente errado” atribuir os casos de abuso às falhas do sistema eclesiástico.

Contesto! A lei do celibato não existia no primeiro milênio. Foi imposta no Ocidente, no século XI, sob a influência dos monges ( que viviam voluntariamente como celibatários). Impô-la sobretudo Gregório VII, o de Canossa, contra a firme oposição do clero da Itália e, mais ainda, a do clero da Alemanha, onde só três bispos tiveram a coragem de publicar o decreto de Roma. Milhares de padres protestaram contra a nova lei. Num memorial, o clero alemão afirmava: “Será que o Papa não conhece a palavra do Senhor: ‘Quem puder compreender, compreenda?’(Mt 19,12)” Nesta única afirmação de Jesus sobre o celibato, ele defende a espontaneidade dessa forma de vida.


Desligado do povo

Juntamente com o absolutismo papal e o forçado clericalismo, a lei do celibato constitui um pilar fundamental do “sistema romano”. Diversamente do que ocorre nas Igrejas orientais, o clero celibatário do Ocidente, devido sobretudo ao celibato, parece totalmente desligado do povo cristão: uma posição socialmente dominante, que se antepõe, por princípio, à posição dos leigos, mas que está absolutamente subordinada ao Papa romano. A obrigação do celibato é a razão principal da catastrófica escassez de padres, do desleixo, de graves consequências, da celebração da Eucaristia e, em muitos lugares, do colapso da cura de almas pessoal. Isso é dissimulado com a fusão de paróquias visando uma “pastoral de conjunto”, mas com padres totalmente sobrecarregados. Qual seria o melhor impulso a uma nova geração de padres? A abolição da lei do celibato, raiz de todo o mal, e a admissão de mulheres à ordenação. Os bispos sabem-no, mas devem ter a coragem de o manifestar. Teriam o apoio da grande maioria da população e também dos católicos que, segundo todas as sondagens mais recentes, desejam que os padres possam casar.


Terceira afirmação: Os bispos assumiram bastantes responsabilidades. Naturalmente, é de aplaudir que já tenham sido tomadas importantes medidas de esclarecimento e prevenção.

Mas não carregam os bispos a responsabilidade de décadas de prática de encobrimento de casos de abuso, que, com frequência, só levaram à transferência dos delinquentes, em sinal de rigoroso sigilo? Serão, portanto, os que antes encobriram, os únicos esclarecedores dignos de fé ou deveriam ser criadas comissões independentes?


A guarda de sigilo papal

De ser cúmplice quase apenas um único bispo o reconheceu até agora. Mas ele poderia alegar que, nisso, seguia exclusivamente as instruções de Roma. Por razões de absoluto sigilo, a discreta Congregação vaticana para a Doutrina da Fé chamou a si todos os casos mais graves de delitos sexuais dos clérigos e, assim, esses casos, entre 1981 e 2005, iam parar todos à mesa do seu Prefeito, o cardeal Ratzinger. Ele mandou ainda, em 18 de maio de 2001, aos bispos de todo o mundo, uma carta solene sobre os delitos mais graves (“Epistula de delictis gravioribus”), onde os casos de abuso eram colocados sob a “guarda do sigilo papal” (“secretum Pontificium”), cuja violação estava sujeita às penas canônicas.

Por conseguinte, não poderá a Igreja esperar também um “mea culpa” do Papa, em colegialidade com os demais bispos? E que, juntando a isso a reparação, a lei do celibato, que não pôde ser discutida no Concílio Vaticano II, possa agora finalmente ser revista livre e abertamente na Igreja. Com a mesma franqueza com que agora, finalmente, se enfrenta o problema dos casos de abuso, também se devia discutir uma das suas causas estruturais essenciais, a lei do celibato.

É isto o que os bispos devem propor, corajosa e enfaticamente, ao Papa Bento XVI. "


Fonte: SUEDDEUTSCHE.DE, 27.02.2010. Tradução: Irene e Luís Guerreiro



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