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2010-02-27

Celibato e Pedofilia

Os meios de comunicação já nos habituaram a ler ou ouvir, com frequência, notícias de escândalos sexuais de padres católicos com crianças ou adolescentes. Factos tão insistentes e a sua exploração mediática podem ter levado a crer que o mal se circunscreve a esse único sector da Igreja Católica. Não é verdade. Lamentavelmente, o abuso sexual de menores é muito mais vasto, tem outras dimensões. Há bem pouco tempo, a imprensa noticiava que um pediatra norte-americano (um leigo, não um padre!) foi acusado de ter estuprado e agredido sexualmente 102 meninas e um menino durante mais de uma década. Se confirmado, este seria o pior caso de pedofilia ocorrido nos Estados Unidos. Não se tem conhecimento de que alguém tenha deixado tantas vítimas.
Em face de tantos casos de pedofilia entre o clero católico, há quem se interrogue, com razão, se tais abusos não terão algo a ver com o celibato obrigatório. Intermediando o respeito sagrado à pessoa do padre, a inocência da criança ou o pudor do adolescente, o abuso constituiria, em casos, o sexo compensatório fácil; não deixaria marcas ou consequências visíveis, só as da alma. Mas esta é uma conjectura que nenhum dos defensores do celibato eclesiástico jamais aceitaria. Talvez nem a ciência.

Em 11 de fevereiro de 2010, o SPIEGELONLINE alemão divulgou uma entrevista com o especialista em prevenção Klaus Beier, conduzida pela jornalista Annette Langer. O tema eram os padres pedófilos. Vale a pena lê-la. Ei-la na íntegra:

“Padres pedófilos “

Como impedir que os padres abusem de menores? O que deve fazer a Igreja Católica para coibir os abusos sexuais em suas fileiras? Um perito em prevenção, Klaus Beier, da Berliner Charité, tem um plano, mas ninguém, no Vaticano, quer ouvir falar dele.


ANNETTE LANGER: O senhor está à frente de um projecto de prevenção na Berliner Charité onde autores potenciais ou reais de abusos sexuais se submetem livremente a uma terapia. Como é que o senhor consegue impedir que pedófilos abusem de crianças?
KLAUS BEIER: Primeiro elaboramos uma diagnose bem detalhada. Isto pressupõe pessoas dispostas a colaborar, pessoas que nos descrevam fielmente como são suas fantasias na excitação sexual. Só assim se pode descobrir quais as suas preferências estáveis: qual o sexo preferido, quais as práticas, qual o tipo corporal.
A. LANGER: E então?
KLAUS BEIER: Mediante esses dados, passamos à análise dos perigos. Quais são, na vida quotidiana, as situações que podem favorecer os abusos sexuais? E como é que o paciente melhor consegue contornar tais situações? É muito frequente terem os pedófilos, em virtude dos seus próprios desejos, percepções distorcidas. Por exemplo, quando um professor primário, que é homopedófilo, supõe que um aluno, só pelo facto de o consultar com frequência, tem também interesse sexual por ele.
A. LANGER: A um pedagogo assim o senhor recomendar-lhe-ia que mudasse de emprego?
KLAUS BEIER: Sem dúvida. Se ele não reconhece como perigosa essa situação e não lhe reage adequadamente, tem de ir trabalhar noutra área. O que eu pretendo antes de mais nada é chegar aos pedófilos, antes que eles escolham a profissão. Quem trata com responsabilidade a sua inclinação, há de deduzir as respectivas consequências, já que ele próprio quererá cuidar de que as crianças não sofram dano nenhum.
A. LANGER: Portanto, o senhor está convencido de que os pedófilos podem controlar os seus impulsos sexuais?
KLAUS BEIER: Absolutamente. Mas isso só é possível, quando o próprio pedófilo o quer. Tal como quaisquer outros doentes crónicos, também o pedófilo deve aprender a conviver conscientemente com o seu mal. Quem não é capaz e faz das crianças vítimas da sua impotência, só poderá ser contido com meios penais.
A. LANGER: Entre os seus pacientes, contam-se também membros da Igreja Católica. Em geral, a prevenção é possível com padres?
KLAUS BEIER: Sim. Eu estou firmemente convencido de que os eclesiásticos pedófilos podem ser contidos antes de incorrer em delito. Mas isso só ocorrerá, se a Igreja apoiar o processo, isto é, admitindo ela que a tendência em si não é ainda pecado, que ela faz parte da criação divina e que os pedófilos o que precisam é de ajuda. Ninguém escolheu essa inclinação; ela manifesta-se, como outras preferências sexuais, na idade juvenil e permanece até ao fim da vida. Nós só não podemos equiparar a inclinação com o abuso. O que devemos é, em absoluto, cuidar que as fantasias não levem a actos.
A. LANGER: Existem na Igreja mais pedófilos do que em outras esferas da sociedade?
KLAUS BEIER: Estima-se que, em toda a Alemanha, os pedófilos alcancem um por cento da população masculina, cerca de 250.000 pessoas. Não se sabe exatamente qual seja a sua quota na Igreja Católica.
A. LANGER: Alguns pesquisadores dos Estados Unidos partem do pressuposto de que as pessoas de índole psicótica se sentem frequentemente atraídas pelo sacerdócio e pelos ritos religiosos. Serão os centros de formação eclesiástica abrigo de doentes psíquicos?
KLAUS BEIER: Certamente que não. Mas considero muito provável que uma pessoa que sofre de conflitos sexuais encontre na Igreja um asilo, onde se sentirá protegida contra perguntas como: por que não tens namorada ou mulher? por que não tens família? Para isso o celibato é singularmente bom. Além do mais, o padre goza de grande aceitação social; para os eclesiásticos que eu conheço, essa foi, em todo o caso, uma das razões para se tornarem padres. Fizeram da necessidade virtude...
A. LANGER: ... e, dado o encobrimento sistemático dos delitos de abuso sexual por parte da Igreja, também não tiveram de recear regularmente qualquer processo penal.
KLAUS BEIER: Aí você supõe uma relação metódica com a tendência. Mas a dificuldade está exatamente na falta de um tratamento consciente desse problema..
A. LANGER: O que sucederia, se a Igreja tratasse aberta e claramente o tema?
KLAUS BEIER: Isso nos ajudaria a detectar muito mais cedo os potenciais pedófilos, podendo nós assim ensinar-lhes, antes de haver vítimas, como controlar sua própria conduta. Os nossos pacientes actuais andam pelos 40 anos; se conseguíssemos atingir homens mais jovens, com uma estrutura de preferências já definida, teríamos dado um grande passo. Para isso, a Igreja deveria favorecer diagnósticos e terapia especializados.
A. LANGER: E o senhor pensa que os interessados os aproveitariam?
KLAUS BEIER: Disso estou eu firmemente convencido, porque, nos padres, o sentido de responsabilidade pela comunidade já se encontra fortemente vincado de antemão. É a falta de enfrentamento das tendências desviadas que as torna perigosas. Eles subestimam a dinâmica das suas fantasias. Como cegos, acreditam poder ver. Cedo ou tarde, caem.
A. LANGER: Investigadores americanos como David Finkelhorn presumem que uma estrutura hierárquica rígida aumente, em geral, a probabilidade do abuso.
KLAUS BEIER: Um sistema fechado, com leis claras, conduz a que potenciais criminosos balancem numa falsa segurança. Eles acreditam que, seguindo as regras, tudo estará sob controle. Ao mesmo tempo, contam com um mundo secreto, as suas fantasias.
A. LANGER: Muitos eclesiásticos iniciam, nos verdes anos, a sua formação e, com isso, segundo os entendidos, fixam-se com frequência, psicossexualmente, na fase da adolescência. Isso facilitaria o acesso às vítimas?
KLAUS BEIER: Muitos homens de tendência pedófila sentem-se bem no mundo das crianças e difundem uma atmosfera que transmite o eu estou perto de vocês. Como qualquer pessoa, os pedófilos também procuram criar ligações no tocante às suas preferências sexuais.
A. LANGER: O senhor escreveu uma carta ao Papa Bento XVI, onde oferecia ajuda à Igreja na luta contra o abuso de crianças. O Vaticano alegrou-se com a sua oferta?
KLAUS BEIER: Bem, agradeceram, tomaram conhecimento da minha proposta e me comunicaram que iriam encaminhar o documento à Cúria. Isto há mais de um ano.
A. LANGER: O senhor trabalha no seu projecto há cinco anos. Entretanto, o Papa Bento XVI tem manifestado o seu pesar pelos casos de abuso, mas, até agora, na Igreja Católica, não se nota nenhum avanço. Não se lhe esgota por vezes a paciência?
KLAUS BEIER: Eu sei que estas coisas evoluem muito lentamente e, com maior razão, na esfera eclesial. Tenho de conviver com isso. Mas lamento-o, porque sei como poderíamos evitar novas vítimas.”

Fonte: SPIEGELONLINE, 11.02.2010. Introdução e tradução: Irene e Luís Guerreiro



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