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2013-12-01

“O Passionário Polifónico de Guimarães” no blogue do pianista José Eduardo Martins

“O Passionário Polifónico de Guimarães”

Uma Obra Prima 

Pero la gran novedad de este manuscrito, única o casi, en la tradición de estos Pasionarios, es la música, tanto la de las pasiones como la del “Exsultet” y la de las lecciones, que no es la oficial de la Iglesia, sino una nueva, derivada de una tradición portuguesa, cuyos orígenes son, hoy por hoy, desconocidos. José López-Calo

Ao longo desses anos de convívio com o leitor tenho salientado a necessidade imperiosa de um pesquisador persistir em suas investigações após dissertações e teses acadêmicas defendidas. Elegemos temas de vida e quão mais temas são aprofundados, maiores as possibilidades de ideias originais e convincentes surgirem na trajetória de um estudioso. Se uma pesquisa é abandonada, após finda a “missão” acadêmica, poder-se-ia aventar a relação meramente protocolar do interessado, jamais a ligação amorosa com a escolha. Simulacro e embuste são termos que podem estar camuflados na origem das intenções, assim como, em sentido contrário, entusiasmo e aprofundamento.

Quatro são os livros do notável musicólogo e professor português, José Maria Pedrosa Cardoso, que resenhei neste espaço (vide relação completa no menu do blog: Livros – resenhas e comentários – lista). Minha admiração confessa pela profunda investigação musicológica de Pedrosa Cardoso tem no “O Passionário Polifónico de Guimarães” motivo maior para louvação.

Pedrosa Cardoso já revelara em substancioso livro, “O Canto da Paixão nos séculos XVI e XVII – a singularidade portuguesa” (2006), os caminhos que o levaram a considerar a importância do “Passionário” existente em Guimarães. Poder-se-ia dizer que tanto o manuscrito existente em Coimbra, como o de Guimarães, basicamente escritos no mesmo período, são extremamente relevantes. O de Guimarães apresenta-se na presente edição de maneira integral. Buscou Pedrosa Cardoso os apoios necessários para torná-lo público em magnífica edição fac-similada, a revelar, efeitos da tinta ferrogálica e matizes de cor da cuidadosa caligrafia musical enriquecida pelos arabescos das iluminuras, esse todo artesanal altamente especializado e resplandecente desde a Idade Média. Estamos diante de uma verdadeira obra de arte editorial (250x350mm), na qual o leitor pode pormenorizar-se no conteúdo musical de alta qualidade e no manuscrito característico do período (Guimarães, Edição da Sociedade Martins Sarmento, Publicada pela Fundação Cidade de Guimarães, 2013). Edição bilíngue em capa dura (português-inglês). Após a exposição das folhas manuscritas do “Passionário”, a sua transcrição integral  em notação moderna enriquece o livro e possibilita cotejamentos de raro interesse. Esse é o aspecto extraordinário e “físico” da magistral investigação de Pedrosa Cardoso. Mas é uma impecável parte do todo. A edição só foi possível por estar entregue ao insigne especialista em Arte Sacra Musical dos séculos XVI e XVII em Portugal e emérito latinista. Se o estudo, transcrição e revisão estiveram sob os cuidados de Pedrosa Cardoso, louve-se o trabalho de musicografia de Eduardo Magalhães.

O presente manuscrito musical de 1580, aproximadamente, escrito no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, pertence à Sociedade Martins Sarmento. Denomina-se “Passionário”, pois desde o século XVI assim é nomeado. Nele estava contida a música cantada representativa da Paixão de Cristo nas interpretações dos quatro Evangelistas: São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João. No volume em questão foram incluídas, na época da feitura, outras peças relativas à Semana Santa.

 

Pedrosa Cardoso aprofunda-se nas origens históricas desse códice, “descreve” os caminhos musicais e sua natureza, entendendo seu significado dentro do contexto da prática polifônica em Portugal “A esta abundância de polifonias, todas elas baseadas no cantus firmus tradicional português, que põem de relevo a importância do canto da Paixão em Portugal, não é estranho o impacto verificado entre nós pela Devotio Moderna, pelos ‘místicos do Norte’, pela espiritualidade das Ordens Religiosas, sobretudo a Cisterciense e a Franciscana, bem como o culto da cruz herdado de antigamente pela lenda de Ourique e projectado nas caravelas e na arte manuelina, ao que é lícito acrescentar, a coincidir com a expansão daquelas polifonias, o sofrimento do povo português sob o domínio espanhol e com a consciência da decadência nacional”. O estudioso, em sua análise histórico-musical, examina pormenorizadamente a importância da tradição melódica nos Passionários, a “dimensão rítmica do accentus da Paixão”, a tradição polifônica preservada, a disposição dos cantores no ato da representação, entre tantos outros preciosos compartimentos investigativos. Comenta que “A escrita apresenta-se com um tratamento formal cuidado, denunciando alguma influência da técnica do contraponto flamengo, o que faz supor a boa preparação dos cónegos regrantes e também o talento dos seus compositores”.

O eminente musicólogo espanhol e professor catedrático emérito da Universidade de Santiago de Compostela, José López-Calo, fez a apresentação do “Passionário Polifónico de Guimarães” no dia 11 de Outubro na cidade berço da nacionalidade portuguesa. Observa em seu elucidativo e brilhante texto:  “a importância desse Passionário de Guimarães, que hoje é apresentado, vai muito além das fronteiras, não as locais, tampouco as nacionais portuguesas, pelo que, para entendê-lo adequadamente, deva ser estudado nesse duplo aspecto: o contexto histórico e litúrgico, e em ambos, num contexto igualmente universal”. Referindo-se ao professor José Maria Pedrosa Cardoso, afirma “… o volume que hoje apresentamos significa a culminação de um processo, de imensa amplitude, cujas bases ele já fixara em sua esplêndida tese de doutorado defendida em 1998 junto à Universidade de Coimbra, da qual participei como membro do júri, tendo ele recebido a mais alta qualificação, e que hoje resulta nessa magnífica edição do Passionário de Guimarães”.

No âmbito do Festival «Música em São Roque» realizar-se-á, na igreja do Convento da Encarnação em Lisboa, concerto com o ensemble “Voces Caelestes”, sob o título “As Paixões de Guimarães”. A apresentação está marcada para o dia 30 de Novembro às 15h30. A direção do evento é de Sérgio Fontão. O lançamento de “O Passionário Polifónico de Guimarães” na capital portuguesa será no dia 11 de Abril na Biblioteca Nacional.

“A Passionary, at least from the 16th century onwards, is a liturgical book containing music according to which was sung the Passion of Christ according to the Evangelists, St Matthew, St Mark, St Luke and St John. The finding of the documental importance of the Guimarães’s Polyphonic Passional and its comparative study with a similar codex from Coimbra University’s General Library allowed us to get to know the way how to chant the Passion in the Portuguese liturgy of the end of the 16th century, revealing its singularity in the European context. We owe this finding and study to José Maria Pedrosa Cardoso, whose work contributed to the perception of a spiritual and original presence in the festivities of the Holy Week in Portugal” (Excerpt from the English version of the book).

Fonte: www.joseeduardomartins.com

 

 



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