2015-05-06
alexandre gonçalves - palmela
BARROSAL V - Ecos de Lisboa
"Nasci em 1938, em Avidagos, aldeia trasmontana, ignorada e pobre, sem luz nem água.(...) Sempre admirei as mulheres e os burros da minha terra, que passavam com o peso, elas na cabeça e eles no lombo. Em 1950 conheci a civilização no Porto e, no seminário, um Deus exigente e misógino- descobri filosofia, teologia e poesia."
Fernando Rosinha (Capa do seu segundo livro de poesia, COM AR DE PRIMAVERA, agora apresentado).
Dois factos me obrigam a regressar hoje a esta palmeira moribunda, cujos ramos pressagiam funestas notícias. O primeiro traz um ar de primavera no bico, um pássaro de Paris cantando amores de cor azul, em paz com a vida e com o universo. Sentimentos rimados com doces lembranças duma infância de baldios, como já foi dito de muitos outros seminaristas, que só na fuga encontraram salvação. Assim se apresenta F. Rosinha, num lirismo saudoso, em versos transparentes mas "sensuais", sem promiscuidade com divagações eróticas. Um amor puro, sem o conforto de um pecado, numa espiritualidade conjugal, procriadora e inefável. Virada para o infinito da eternidade, porque a vida terrena não preenche o coração. São voos transcendentes, onde nem toda a poesia consegue chegar. Cada poeta sabe de si e Deus, na sua ilimitada sabedoria, faz soprar a inspiração quando e onde assim o entender.
O lançamento deste volume de oitenta páginas teve ainda o mérito de um agradável evento cultural, numa galeria de Lisboa, em que houve uma análise atenta e alargada do texto. Leram-se alguns poemas e foi ouvida uma belíssima canção, em francês, com letra de F.R., voz e música de um dos seus filhos, com sucesso artístico em Paris. A Associação esteve presente através de alguns elementos, de entre os quais é indispensável referir o nome do Delfim Pinto. O susto foi isso mesmo, o medo que se infiltra pelas ranhuras da idade e deste apego cego à vida. O homem está cada vez melhor e recomenda-se. Metódico, cauteloso mas seguro no processo de cura e respectivos tratamentos. E sabe da poda como poucos. Teve de fazer uma cirurgia relativamente fácil, bem servido por médicos experimentados. Continua a fazer alguns tratamentos, após o que se prevê um bom regresso ao convívio dos amigos e dos suspeitos do costume. A noite acabou num jantar quase requintado, com algum tinto de permeio e muita fala, como covém a quem precisa de silêncio.
Para aguçar o apetite literário daqueles que o não cultivam, aqui vai um dos poemas emblemáticos do autor.
VENS COM AR DE PRIMAVERA
Vens com ar de primavera e lua cheia.
Minha estrada se apaga como ideia
que andava absurda. Tu és bela e tanta
na ternura da cor que me agasalha
que até me poupa o medo de encontrar muralhas.
Quando a morte dói e nos espanta
teu ar de primavera me fecunda e me levanta.
Com lágrimas magoadas de saudade,
derreteu-se o meu tempo numa flor.
Só há caminho quando por nós cabe
um mar de caravelas ou de amor.
Mendigos fomos sempre do rumor
perfumado dum beijo ou da verdade.
São horas de eu entrar na imensidade.
F. Rosinha