2015-06-01
alexandre gonçalves - palmela
BARROSAL VII - Uma Ponte sobre o Verão
O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
a força, a arte, a manha, a fortaleza;
o tempo acaba a fama e a riqueza,
o tempo o mesmo tempo de si chora.
Camões
Quantos anos durará ainda o mês de junho? Quanto tempo durarão as cerejas de maio? E os morangos, que trouxeram à boca sugestões e sabores já perdidos para sempre? Tudo flui velozmente, subtilmente, vorazmente. Até a palmeira de Vila Nova, cujos ramos anunciam uma inclinação de vertigem, está a perder o sagrado carácter de eternidade. Que nenhum presságio transfira dessa morte anunciada qualquer relação com a Palmeira vigorosa, que aos deuses de Orbacém se associou, para beber esse vinho velho da amizade. Dezoito presenças estuantes de alegria, de juventude e resistência atestam um outro ritmo de estar, de ser e até de sonhar. Não estamos decadentes. Temos uma intensa memória, que apenas precisa de sinais, de um navio, de um aceno, para mostrar vitalidade e movimento. Estamos todos em viagem. Que razões nos podem assistir para nos sentarmos a consumir hábitos e rotinas letais? Que outro sentido podemos dar ao tempo?
Eis os motivos que fundamentam um novo encontro, aqui nas margens épicas do tejo, rente à cidade branca, à lusa capital ibérica, onde a luz apaga a sombra dos pardos poderes que nos têm espoliado de toda a esperança. Venham apesar disso! Venham até por isso! Venham pelo azul ofuscante deste céu, pela doçura destes mares, pela diferença destas práticas! Chamam-nos de mouros e pagãos. E às vezes até de comunistas. Notem que nem sequer nos defendemos. Mas também não confirmamos. Uma coisa porém se esclarece: não abdicamos do amor. Onde se juntarem duas ou mais pessoas, em nome dos abraços e das palavras e dos rituais, aí estará a verdade possível. O acesso não será o verde caminho do fradinho. Mas o convento é igual. Erva não faltará para apascentar desejos remotos. Montanha também haverá que sobre. O mar render-se-á ao nosso olhar, só por nos saber admiradores das líquidas paisagens, de onde aliás fomos extraídos. O vinho, se for branco, elevar-nos-á acima do arvoredo, para contemplarmos com olhos claros a brancura do verão, que já abriu as portas destes campos. Se for tinto, convocará o espírito para luminosas meditações. Este território é feito de sumo de uva, que nas suas vertentes várias clama pela bondade e pela beleza do mundo.
Assim sendo, anuncio que no próximo sábado, 6 de junho de 2015, se abrirão os castos portões de Oliveira do Paraíso, às 9h em ponto. Os interessados devem inscrever-se vagamente nos múltiplos percursos de acesso, já conhecidos do grande público. Do programa, destaca-se uma viagem de aperitivo, subindo os montes sagrados da Arrábida, onde Deus já se mostrou a grandes poetas e a não poucos frades, sedentos de santidade. Algures, com o mar banhando olhos e paixões, provaremos um branco puro, um moscatel celestial, acompanhado pelos frutos que a terra dá, o melhor pão e o melhor queijo do planeta. Subimos e descemos a mais bela baía do mundo, enquanto vamos merecendo o almoço, que a prata da casa porá na mesa, com tudo o que a imaginação extrair das ofertas em vigor. O ar leve, a relva refrescante, o perfume bíblico dos cedros, a brisa das casuarinas, tudo isso fará a moldura do encontro, cujo final terá de coincidir com o VIVAT/BIBAT, a que se seguem os abraços da despedida. Com isto, fica aberta mais uma ponte por cima do tempo, por cima do verão, enquanto no silêncio dos dias vai medrando uma palmeira resistente, que não se perturba com a soma dos anos.