2014-10-27
Alexandre Gonçalves - Palmela
CÍRCULO DO FOGO, 2014
Amigos das Muitas Ilhas
Para lá das "ferozes" e saudáveis divergências, há um navio-alfa que une este comprido mar ocidental, tornando próximos todos os lugares distantes. O navio, que é feito dos múltiplos materiais incorporados na memória, passa por todos os portos e recolhe amorosamente todos os corpos e almas que estejam disponíveis para o fogo. O frio é proporcional aos anos, à ausência, ao perigo. E à hostilidade sazonal, que já começa a sentir-se pelas ranhuras das portas. Então, como quem se previne contra os incómodos gripais, renasce a teoria do círculo. Os círculos, pela suavidade redonda que os caracteriza, são feitos para incluir, nunca para deixar por fora seja quem for. Mais, eles têm a forma dum abraço continuado, cujo calor resulta desses braços unidos em cordão, rentes à fogueira. Quando um elo, por justos ou injustos motivos, se quebra, alguma ou muita da energia acumulada escoa-se como espuma e perde-se na areia. E é triste, porque todos carecemos desse fogo para lidar com os muitos frios da existência. Nenhuma divergência justifica seja o que for. O rumo é idêntico para todos. Não há prolongamento possível. O jogo acaba no limite dos segundos, sem protestos nem apelos. Inclinados como estamos para poente, só nos resta a prudência e a alegria das diferenças. E o doce conforto duma sábia amizade, que herdou a mesma linguagem e a mesma confiança.
Asssim sendo, todos vocês, amigos de longe e de perto, e respectivas famílias, estão convidados para um S. Martinho antecipado. Dadas as circunstâncias de o encontro ter de se fazer num sábado, e depois de feitas algumas consultas populares, escolheu-se a data de OITO DE NOVEMBRO para a realização do evento. O benemérito padroeiro tem por hábito garantir sol bastante, que permita a realização dos rituais no exterior. O círculo está preparado. O terreiro está guarnecido de bancos individuais e haverá um assador próprio, para que as simbólicas e tradicionais castanhas tragam à boca a efémera doçura da infância perdida. Caso as negociações celestiais não surtam efeito, então seremos nós a desamparar a chuva e a vê-la poeticamente através das amplas vidraças.
O program prevê a chegada pelas dez horas, com uma iniciação gustativa aos sabores locais. Se o tempo o consentir, haverá um pequeno passeio pedonal pelos cimos da reserva da Arrábida, que nos mostrará a norte a grande capital europeia que é Lisboa, e a sul o mais azul dos mares portugueses. Abrir-nos-á os pulmões para um ar subtil e puro, e dar-nos-á o mérito para um almoço suculento de carnes mistas, afinadas por grelhadores profissionais. O falerno tem a fama e o proveito de ser absolutamente irrepreensível. Por fim, enquanto a castanha sugere paixões líquidas na boca, a palavra e o vinho devem justificar o esplendor da vida, quando em círculo a bebemos em redor do fogo. A despedida, por milagre dos actos praticados, transformará o VIVAT em BIBAT, após o que se dará por concluído mais um dia de abundante meditação, para enfrentar com denodo os ásperos dias que estão para vir.
Perante uma proposta com esta excelência, quem vai arriscar uma falta a vermelho, logo neste início de ano efectivo? Espalhem a palavra, apanhem o navio, adiem para a eternidade os domésticos e obscuros cuidados, pois não temos outra existência para a podermos corrigir. E vós outros, os que falais e escreveis mais alto e que raramente ou nunca provastes este sul, vinde por esses caminhs fora e sereis abençoados! UM DIA É POUCO PARA A HUMANIDADE. MAS É UM PASSO GIGANTE PARA CADA UM DE NÓS.