2015-10-17
A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevz
Para o nosso Presidente Né Vieira me não acusar em vão da minha escrita libidinosa e também para agitar estas águas quase paradas, vou rabiscar mais um desses escabrosos textos. É uma fantasia literária, porém, susceptível de acontecer pelo que convém exarar a estafada exortação de que qualquer semelhança com pessoas ou factos da vida real será mera coincidência.
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UMA MENTE DEPRAVADA
Tibúrcio Malaquias Salsifré, tipo já entradote em anos que se lhe pegavam como carraças na lã das reses, estatelou-se de amores por Isaura, uma serviçal também um tanto madura mas ainda boazona, fresca, tetas firmes e redondinhas, um espanto, pernas torneadas e roliças, apetecíveis, uma visão de loucura em terra de Sedução. Desassossegou, correu desvairado atrás dessa aurora boreal, escabujou como um possesso. Fazia dela um arreigado conceito de incontestáveis virtudes, um anjo sublime, a menina dos seus olhos, facultando-lhe gostosamente vultuosa ajuda material.
Existe, no entanto, uma funesta sina nas relações amorosas e as mulheres, nesse aspecto, são as mais propensas e traidoras. Certo dia, depois de alguns já de convivência, surpreendeu a sua ‘Zaura a falar ao telefone, imperturbada, não fazendo ele ideia de quem pudesse ser o interlocutor. E foi ouvindo o teor da conversa, inicialmente com surpresa, depois com espanto. Conforme ia ouvindo sentia-se invadido por assoladora onde de tristeza que o empalidecia, depois uma saraivada de facas que lhe aguilhoavam a alma.
Dizia ela, a certa altura:
- É pena eu estar velha senão eu dava umas voltas contigo.
Respondia alguém
- Sim, já não aguenta a pedalada: está assim tão velha?
- Não, já me falta o ar mas com um novo talvez não.
- Não, há que experimentar a ver se aguenta.
- Já perdi o jeito, não sei por onde se lhe pega.
- Sério? É preciso é prazer, o jeito vi lá depois.
- Sim, sim, tenho que ver isso, tem que escolher o novo certo.
- Eu já tenho um novo mas dá-me cabo da cabeça.
- Sim, gozar enquanto se pode. Pois, tem de gozar a vida. Deve aproveitar.
- Os homens só dão valor a coisa que não presta.
- Diga-me como escolher a pessoa certa que eu não sei; quando penso que é uma pessoa certa, sai errada.
- Olhe, pode aparecer alguém. Sim, quer um novo ou velho? Que prefere?
- Olhe, eu nesta hora tenho um novo e um velho, diz-me qual é o melhor?
- O novo é melhor.
- Está enganado, o novo só é bom para dar cabo da cabeça.
- Pois, tenha paciência e tudo pode acontecer e escolha a pessoa certa.
- Pode, já está, não sei se queira o velho ou se fique com o novo. Que me diz?
- Fique com o novo.
- Não me diga isso, o velho tem dinheiro e o novo não.
- Então fique com o velho e arranje um novo para as curvas; é o que leva de ganho.
- Só experimentando.
- Quer hoje?
- A que horas, onde?
- Aqui na minha casa; está pronto?
- Sim, estou, sabe disso. E você?
- Também.
- Sim, não aguenta uma.
- Uma só é pouco ou nada.
- Está velha, já nem uma dá.
- Agora já nem meia. Já perdi o jeito. Quando chegar á minha idade já nem uma dá.
- Espero ainda dar duas, com a sua idade.
- Com essa idade, duas? Quantas seriam agora?
- Três, se a parceira for boa. E você, nadinha? Enferrujada?
- Não ganha ferrugem que eu não deixo. Nem que fosse uma dúzia.
A conversa foi continuando, longa, relaxada, confiante, expansiva, cada vez mais escabrosa. Ás tantas o pobre Tibúrcio procurou reagir, a muito custo, destroçado na sua ilusão. Soube que o sujeito tinha quarenta anos e não quis acreditar como eram possíveis numa mulher daquelas conversas tão baixas e degradantes. Numa roda de amigos, durante uma farra, ainda vá que não vá; agora, em privado, com um rapaz que nitidamente a estava a gozar, como se poderia admitir que uma mulher perto dos sessenta permitisse e mesmo gostasse de um palavreado tão sujo, não se respeitando a ela própria nem se dando ao respeito?
Que pena, meu Deus, que pena!
Afogado nessa alucinação o sonho que o consumira pouco durou a partir dessa funesta hora. O desditoso e carente Tibúrcio. perdida a sua ‘Zaurinha, voltou a carpir a sua solidão até ao caminho das sombras.
Tudo por causa de uma mente porca e depravada.
Arcos, Outubro 2015