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2015-12-15

A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez

 

 

 

 

 

 

Desejo a todos os meus companheiros e amigos um santo Natal e auspicioso Ano Novo. Reparai bem que hoje o genuíno Natal já não existe; nestes tempos o Natal não é mais que um evento turístico para gerar dinheiro, sem aquele espírito próprio que o caracterizava como festa da família. Hoje também já nem família há, nem crianças, nem irmãos, nem primos, nem amigos chegados. Apesar de tudo aproveito para vos dedicar um conto de Natal doutros tempos que escrevi quando era  ainda  um rapaz muito novo e andava no terceiro ano da quinta da Barrosa.


*******


O REGEDOR

CHAMADO HERODES


Dlim, dlão ... dlim, dlão ........

Repicava o sino alegremente lá no pico do campanário numa tarde fria de Dezembro, fria mas alegre, e o som metálico levado pela aragem ia bater na cumeeira dos montes, voltando a ouvir-se novamente em melodioso e entrecortado eco:

... dlim, dlão, dlim, dlão ...!

Tudo ao redor jazia enterrado sob uma camada de neve e os arbustos mais crescidos, perfurando com as pontas aquele manto branco, pareciam espreitar como sentinelas hirtas e geladas. Em baixo assentava o povoado de Fragas Longas, sobressaindo da alvura através dos tons avermelhados dos telhados mal cobertos.

— Eh, rapazinhos?!

Gritava da porta da igreja o senhor abade Paulino, já velhinho, de cabelos tão brancos como aquela alvura dos campos, todo curvado pelo peso de uma montanha de anos. E um bando de crianças corria para ele á porfia, beijando-lhe a enrugada mão com efusões do gozo e contentamento da boa educação recebida:

— Oh! Senhor Abade! Oh! Senhor Abade!

E o bom do Reitor convidava-os para dentro da igreja com o fito de lhes mostrar o que eles mais adoravam; um presépio rústico, tão lindo como nunca haverá outro mais lindo que o da nossa meninice.

— Entrai, meus passarinhos, que como hoje não vereis nada mais bonito.

E naqueles pequeninos cérebros começavam logo a surgir vultos fantásticos de regiões de fadas e gigantes, de nigromantes e bruxas. Mas só tiveram tempo de abrir as bocas de espanto. A igreja semelhava um paraíso de luz e no meio daquele deslumbramento que viam eles? Que era? O esperado presépio, encanto da garotada. E que formoso ele estava! Esse presépio que nos lembra a quadra de Natal em memória perene do Redentor, recordado mesmo por todas as gentes de todas as raças e de todas as crenças.

Era uma montanha escarpada toda coberta de musgo húmido e fofo. Mais ao fundo havia um espesso bosque de pinheiros e abetos donde saía o reflexo de milhares de estrelinhas pestanejantes. A seguir, por entre seixos que eram pedrinhas, rumorejava um regato sinuoso que parecia cantar idílios a Jesus menino. Mais abaixo surgia uma aldeia feita de casinhas de papel pintado. A um canto tocava uma charanga de zés-pereiras, malhando em bombos fenomenais com enormes maçanetas, acompanhados por outros saloios com gaitas e ferrinhos. Noutro ponto dançavam aldeões ao som de castanholas e, quase ao lado, um lavrador afogueado limpava o suor da testa depois de ter furado a goela a um suíno adiposo. Eram figurinhas de barro com cestas e cabazes levando presentes para o Menino Jesus. No centro esguichava um repuxo cujas águas brilhavam aos raios de um sol de luz eléctrica, vergando simetricamente para dentro de um pequeno tanque onde deslizavam brancos cisnes de celulóide. No que era o céu, muitos querubins e anjinhos olhavam com as pupilas vesgas por entre nuvens de algodão para o Menino deitado na manjedoura. De frente e já fora da cidade, num curral esburacado e rodeado de pastores e seus rebanhos, de S. José e de Maria Santíssima, sorria o divino Menino, de bracinhos estendidos, lembrando a forma da aleivosa Cruz.

Saindo da contemplação de tal maravilha, um catraio de cabelos loiros apontando para uma casinha que simulava um palácio, perguntou:

— Ó Pá Paulino, que casa é aquela que ali está?

— Então não sabes?

— Eu não, senhor Abade, clamaram todos  em uníssono.

— Olhai, isto é o castelo do malvado Rei Herodes.

— E quem é o Rei Herodes, gritaram todos de novo.

E o bom do Abade, pacientemente, brincando com uma varinha entre os dedos, contou:

— Herodes era um rei muito mau e orgulhoso que, cheio de soberba, enganou os santos Reis Magos e mandou matar o Jesus Menino. Porém, S. José, avisado por um anjo, fugiu para a longínqua terra do Egipto. Então, enfurecido e despeitado, julgando que dessa forma não lhe poderia escapar, fez passar a fio de espada todas as criancinhas de dois anos para baixo. Era pior que um bandido e um assassino.

— Malvado, berrou cerrando os punhos o miúdo de cabelos loiros.

E, depois de satisfeita a sua curiosidade, a pequenada abalou para a ceia de Consoada. Luziam as estrelas naquela noite tão fria, mas tão mágica de astros e luzeiros. Não bulia sequer uma aragem e a lua, suave e tranquila, fazia esteiras na neve dos campos que se estendiam no fundo do vale. Os altos pinheiros assemelhavam-se a brancos fantasmas, de braços abertos e brilhavam com reflexos de luz iguais ao matiz das cintilações de pedraria.

No meio disto tudo, sucede que o regedor da aldeia era um homem gordo e atarracado, de aspecto façanhudo, farta e retorcida bigodeira, mas que não passava de uma criatura simples de feitio bonacho e que, por má sorte ou desdita, se chamava Herodes. Nunca soube se era nome, apelido ou alcunha, o certo é que era assim conhecido.

Passava a garotada pela vereda encoberta de um barranco quando, de súbito, apoiado a um bengalão de meter medo, surdiu o regedor que trazia o bigode assanhado e tão comprido que nele podiam poisar os passarinhos. Afastaram-se para o deixar passar e depois cochicharam uns para os outros:

— Cá está o Herodes que estrangulou o Menino e nós temos que lhe dar uma valente coça.

E se o tinham pensado melhor agiram pois, armando-se cada um com diversos varapaus que havia pelo chão e pelos valados, correram a persegui-lo e, sem ele contar, desandaram á pancada no pobre do homem que, ás tantas e desesperado pela dor, se ia virando, furibundo e iroso, ameaçando matá-los ali mesmo. Mas como já era trôpego e os catraios muito ágeis e ladinos, não conseguia apanhar um sequer.

— Malandro, apanha, toma, pega, leva que é para outra vez não fazeres mal ás criancinhas.

E as pauladas iam-lhe vergastando as costas com insana raiva e furor. O regedor andava á roda, azoinado e aturdido, dando pontapés no ar porque a endiabrada canalha se ia esquivando com invulgar subtileza. Então, sem ninguém que lhe acudisse e não vendo mais remédio para se livrar, pois o iam matando naquela noite, largou bengala e chapéu e, esbaforido e cambaleante, correu conforme pôde a refugiar-se na igreja, àquela hora já muito cheia de gente que se acomodava para assistir á missa do Galo. A voz do sino que parecia entaramelada com o frio ia repicando alegremente, enquanto dentro do templo se cantava com ternura:

— Adeste Fideles! Acercai-vos, fiéis devotos, alegres e triunfantes, pois nasceu para todos nós Aquele que nos veio tirar do cativeiro eterno, o Deus Salvador.

E todos os moradores, enroupadas por via da geada, iam entrando na igreja onde ressoavam as harmonias dum coro melodioso:

— Noite de Paz, noite de Amor! Nas Alturas glória a Deus e Paz na terra aos homens de boa vontade!

A missa do Galo começava então, cheia de tradição e recolhimento. Nesse momento entrava também o pobre do regedor, meio esbofado, fugindo á perseguição e vingança dum bando de fedelhos que o julgavam o assassino do menino Deus e de crianças inocentes. 


******

Dias depois, o abade Paulino encontrou o Regedor com a cabeça ligada, triste e pensativo, num caminho da aldeia. A seu pedido, o pobre do homem lá lhe contou a tragédia, concluindo depois com estas amargas palavras:

— Isto de crianças assanhadas que vão para o fundo do inferno, o diabo que as carregue.

Contrapôs o abade:

— Mas também, senhor regedor, olhe  que raio de nome você se lembrou de arranjar para ser chamado!

Logo de pronto, sempre com semblante macambúzio, foi seguindo o seu caminho enquanto o abade metia por diferente carreiro, sem poder conter uma risadinha de bom humor.


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V.N.Gaia, 25 de Dezembro de l947



                                       

2015-12-10

manuel vieira - Esposende

Todos notaram que o tempo não parou ...

A palmeira, a tal que nos viu crescer, nos deu sombra e pareceu mostrar indiferença ao nosso vai e vem em tempos idos,  lá foi inerte. Parecia forte, não temente aos ventos e às chuvas mas lá foi.

Em Palmela viveu-se e conviveu-se e foi notada a grande  satisfação do grupo e do anfitrião em dia animado de castanhas na fogueira.

O nosso grupo resiste aos tempos porque tem como objetivo primário conviver e a tarefa dos mandatados passa por disponibilizar essas ocasiões, sabendo que essas são as oportunidades que nos interessam. É delas que falamos, que recordamos em tantas conversas e lembramos em tantos assomos de memória. Muitos de nós vimos aqui para ver se alguém  também fala de nós do passado, como se o passado tivesse ocorrido ontem ou ainda hoje de manhã.

Sorrimos quando escutamos os ais do Ribeiro a apalpar a espinhosa roseira ou nos encharcamos nas águas sonolentas dos riachos onde o Alexandre se inebria com as suas musas ternurentas. Tudo em soneto? Não só, se nos embrenharmos nas palavras ofegantes que preenchem a bela prosa que por aqui deambula.

Também o Gaudêncio, o Lamas e o António Rodrigues não dão o exclusivo a quem sabe usar as letras em artes próprias e enxotam o Requiem do Aventino, tão prolífero em provocação sadia.

Felizes os que temos  amigos em quem pensamos e até queremos "provocar" para os ouvirmos.

 

2015-12-04

A.Martins Ribeiro - Terras de Valdevez

Caros amigos e companheiros:

 andais p´raí todos a carpir mágoas pela nossa Palmeira e, comvenhamos, que com toda a razão: ela foi um símbolo, uma referência das nossas vidas e o logotipo do nosso modo de estar. Foi do meu tempo, ainda muito pequena, e também choro a sua morte. Ah, mas eu vos digo,  o meu desgosto é já de outros tempos, não por causa duma  árvore mas duma etérea flor: poeta é assim ...

ROSA ESCARLATE DO VEZ

 

Choro por uma rosa solitária

Encontrada na margem do meu rio, 

Paixão fatal de intenso desvario,

Pecaminosa e á Razão contrária.

 

Vermelhão vivo foi a minha Vida,

Meu etéreo Céu, minha Eternidade, 

Valia também a Imortalidade

Que o seu amor faria conseguida.

 

Perdi minha rosa e a felicidade

Com funesta sina, de modo soez,

Novamente só, dura realidade.

 

Gritam vozes de dor e languidez

Pelos desfiladeiros da saudade

Ó pulcra, osa escarlate do Vez.

 

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Novembro, 2005

2015-11-29

José Manuel Lamas - Navarra - Braga

           Era uma planta tão viçosa e bela

       Com ramagem muito verde e pendente

       E o pessoal da Barrosa acreditava que ela

       Poderia por lá viver eternamente

 

       Mas um dia uma notícia chegou

       Que a todos surpreendeu

       Pois que à sua chegada disparou

       A vossa velha Palmeira morreu

 

       Morreu de pé com dignidade

       Partiu passou à história

       Seus filhos têm a obrigatoriedade

       De a fazerem perdurar na memória 

 

       Embora Ela me quisesse filho seu

       Eu não quis ser mais do que enteado

       Mas para sempre a lembrarei eu

       Pois também estou consternado .

 

 

         Aquele abraço

 

                                       Zé Lamas 

       

2015-11-28

António Manuel Rodrigues - Coimbra

O REQUIEM é cada vez um círculo menor e mais próximo de nós.

Somos cada vez menos, mais velhos e com menos forças. Placidamente fiquemo-nos pelo carpe diem e deixemos para outros o hedonista: post motem nulla voluptas.

Guardemos na nossa memória os momentos e os acontecimentos gratos que ainda ficam connosco.

Um abraço e saúde para todos.


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