Vou pensar melhor o que digo
E o modo como o tenho dito
Porque um nosso bom amigo
Já me chamou poeta maldito
Neste mundo que é tão desigual
Que se rege pela lei da mentira e do engano
Podemos contemplar o céu pelo natal
Mas vivemos no inferno todo o ano
São os governantes falsos amigos
A enganar pessoas distraídas
Que ocupadas a admirar os seus umbigos
Nem dão conta do roubo que é feito às suas vidas
E até o papa falando à sua gente
Divulgou ao mundo em geral
Que o inferno não é quente
Nem o céu é coisa real
Então sou tomado por sentimento tão profundo
Que me provoca arrepios à flor da pele
Porque quanto mais conheço deste mundo
Mais me apetece fugir dele
Aquele abraço
Zé Lamas
António M Rodrigues – Coimbra
Caros confrades,
No meu Natal de criança não havia Pai Natal nem árvores com prendas. Era o Menino Jesus que vinha e construíamos-Lhe dois presépios: um na igreja e o outro no largo principal da aldeia. Ambos numa estrutura de ramos de sobreiro com cortiça virgem, um tablado e um tecto.
O musgo para o tablado e as heras para cobertura, nós, os da catequese, encarregávamo-nos de arranjá-los. As figuras eram as de sempre: a Sagrada Família, o burrinho e a vaquinha para aquecerem o Menino, umas ovelhitas e o seu pastor, os reis magos não podiam faltar e não me recordo de outros elementos significativos. Estes adereços sóbrios e austeros compunham a nobreza destes nossos presépios.
Na minha casa de então não havia chaminé nem recuperador de calor. Era o lar com o bueiro na telha vã, as cadeias, a lenha, as brasas, a cinza e nós aconchegados por tudo isto.
Antes de nos deitarmos, deixávamos os sapatinhos perto do brasio que restava e, de manhã, minha mãe aguardava que fôssemos nós os primeiros a levantarmo-nos e, deslumbrados, contemplar as prendas bem simples que o Menino Jesus nos havia deixado.
Como normalmente não havia missa do galo: o padre de minha freguesia tinha a seu cargo pelo menos mais duas paróquias e ambas mais populosas, só durante a manhã, após a Missa de Natal, íamos falando de, e mostrando as lembranças que o Menino Jesus nos deixara no sapatinho.
Havia regular coincidência entre o deslumbre e o valor das prendas de cada um e a importância ou as posses dos respectivos pais.
A isto respondeu-me minha mãe que o Menino Jesus gostava de todos por igual mas éramos muitos os meninos à espera dos presentes, Ele era pequenino e como nós ficávamos quase no fim da aldeia, quando chegava a nossa casa já trazia pouco para dar e disso deixava o que podia e, depois, ainda seguia para outras aldeias.
A resposta tinha a sua lógica e durante uns tempos bastou-me mas, naturalmente, ficou-me cá uma pequena suspeita e um olhar desconfiado para tal facto vindo ele de Quem vinha.
Numa bela noite de consoada o sono não veio tão cedo quanto devia e fiquei-me ao calor das brasas.
Às tantas levanto-me e, inesperadamente, vou à sala da nossa casa onde encontrei minha mãe e uma tia distribuindo as prendas.
No dia seguinte, lá estavam elas nos sapatinhos. Não disse nada às minhas irmãs mais novas mas nunca mais imaginei o Menino Jesus a descer pelas cadeias do nosso lar, deixar os presentes, trepar as cadeias enfarruscado, sair pelo bueiro e seguir para outras casas ou aldeias. A volta deixou de ser tão grande!
Foi embora quase todo o encanto e magia sobre o Natal e o Menino Jesus mas alguma coisa restou e, em Fé, sobretudo durante o seminário, tentei reconstruir o que pude e alguma coisa consegui mas os estragos cá ficaram e afloravam. A frieza da razão e do raciocínio impuseram-se-me, reconhecendo embora que a Fé e a razão pertenciam a planos diferentes e, em princípio, não se cruzavam nem tinham de interferir um no outro.
Foi um apaziguamento que também durou pouco. Foram chegando ao meu conhecimento, assim como ao de todos nós, factos passados que com base na Fé, indevidamente, interferiram demasiado na razão e no saber científico que também não tem de justificar a existência de Deus.
Incapaz de me reconhecer ateu ou apóstata (ou vice-versa) fui-me reconstruindo e vou repetir a minha síntese, já aflorada num outro escrito e em que nada há de original: Acredito num Deus único. Acredito e aguardo a utopia do encontro de todos os crentes aceitando-se mutuamente e, com sinceridade, procurando diversamente Esse Deus.
Em boa parte está reconstruído o escaqueirado Natal da minha infância e, com Menino ou sem Ele, a sucessão de Natais e velhos anos; a celebração renovada de Um e outros, simbólica e facilmente os reconheço representados por/nesse Menino que antes e depois de dois mil e quinze nos vai repetindo um e renovando o outro.
Tudo de bom para todos, muita saúde, muita felicidade ou uma santa resignação e aquele abraço que, “sendo de papel”, não é menos afectuoso ou caloroso do que o físico. É apenas diferente porque diferido no tempo e no espaço, mediado num outro suporte mas sempre leal e sincero.
23 de Dezembro de 2015
O Natal já se ouve ...
O Martins Ribeiro abriu já as "hostilidades" com o seu conto natalício escrito na sua adolescente passagem pela Barrosa, em prosa agradável.Vai daí o Lamas puxou pela inspiração poética e dedilhou uns versos curtos.
É tempo de desenhar mensagens que substituem os velhos postais coloridos, saudosos até ...
Ontem recebi a mensagem habitual nesta quadra, do nosso colega Fernando Echevarria :
Libertando sentimentos reprimidos
Ai ai ai quem me dera
Ser de novo uma criança
Acreditar no pai natal que bom era
E voltar a ter esperança
Que seja um bom Natal para todos nós . E p'ra todos vós , aquele abraço .
Zé Lamas
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