Começo por junto de vós me desculpar
Pelo que vou dizer - vos neste momento
Porque não vos queria alarmar
Nem tão pouco ser agourento
Se notais cabelos brancos nos vossos espelhos
E não conseguis viver sem maleita
Isso quer dizer que estais a ficar velhos
Meus amigos o vosso fim já vos espreita
É então hora de andar p'rà frente
Não é olhando p'ra trás que se vê a saída
É festejar convivendo intensamente
Para que a vida possa ser bem vivida
Aquele abraço
Zé Lamas
BARROSAL XVIII - Silêncio e Solidão
Palmela não é terra de chuva. Mas hoje choveu o dia todo. Choveu uma água triste, obsessiva e mole. Nem tanta que impedisse uma saída, nem tão sóbria que não molhasse. Encostei os olhos à janela, para a ver de perto e provar o húmido frio do vidro. E em jeito de adolescente que aguarda um convite improvável, escrevi um S na superfície embaciada. E perguntei-me a razão do gesto. Quem me respondeu foi uma rola, que desceu de um cedro alto e pousou no muro, rente ao meu olhar. Depois abri a janela e ela voou. E o espaço pareceu-me subitamente desolado. A chuva esvazia os lugares. Torna as pessoas ausentes. Faz recuar o verão e convoca sentimentos perdidos. Rostos de outros tempos chegam molhados à memória. O telefone já não se ouve. As cartas já não se escrevem. Os carros imobilizam-se à porta, sem urgências nem utilidade. E um piano anónimo interpreta esta paisagem parada, envolta num manto opaco de neblina. E sinto que esta chuva, impelida por um fenómeno de osmose, alastra já por caminhos antigos. Reconheço-a em Vila Nova, quer olhando para Soares dos Reis, quer sentindo-a na pele em direcção ao bosque, quer vertendo desejos para poente. Retiro-me e sento-me à mesa da escrita, para salvar o dia.
Veio-me outra vez à boca o nome de Germano. Só o nome. O que ele teria para contar. A gestão que terá feito das oportunidades. Como era antes de vir. Como foi durante. Como veio a ser depois. Nada. Um desconhecido. Será que nós encaixamos na tal acusação do "ímpio" Voltaire, segundo a qual nos juntamos sem nos conhecermos e morremos sem nos chorarmos? Ora acontece que esta espécie está em acelerado processo de extinção. Uns, porque o autocrático Altíssimo os retirou arbitrariamente do convívio humano. Outros, porque se enfadaram da mediocridade oferecida. Outros ainda, porque nem sequer vieram ver o que isto era. Uns e outros fizeram muita falta à Palmeira, porque de todos é legítimo esperar que têm vidas dignas de atenção. Muitos foram gloriosos nos seus percursos. Há uma palavra final que nos pode trazer conforto e luz. E tem de haver, por parte dos que vão ficando para fecharem a porta, uma lágrima silenciosa de gratidão. No último dia, abre-se a porta do silêncio. Para sempre. Nem o vento dirá um sinal da sua presença. A solidão será maior, antecipando em cada partida uma dor obscura, para aqueles que dizem adeus. Permito-me deixar uma sugestão, que é também uma urgência. Era bom que trocássemos impressões sobre a biografia que foi sendo escrita em actos e afectos, em em escolhas e consequências. Cada um sabe de si muito mais do que os outros podem imaginar. Não para dizer tudo mas tão só a ideia mais justa e mais significativa, que se possa deixar em herança. Oportunamente arriscarei o meu nome para uma exposição tolerável do meu percurso. Não convém esquecer que as palavras ditas são filhas do vento. As escritas colam-se para sempre à pedra que as recebe.
Estes dias o Martins Ribeiro celebrou o seu 83º aniversário e sei que muitos nossos colegas lhe manifestaram satisfação com um abraço festivo.
Choveu nesse dia, não tão copiosamente como há 3 anos, quando juntamos um grupo de 17 e almoçamos com ele no Alto da Prova, em Ponte da Barca. Preparamos esse almoço sem que ele soubesse e coube-me o papel de o convidar no dia anterior para almoçarmos juntos, mais o Assis, o que ele acolheu muito bem e só ficou zangado com a D.Conceição por não querer juntar-se a nós , sabedora que estava da situação, alegando que era um alomoço de homens e assim estaríamos mais à vontade.
O Martins Ribeiro só se apercebeu da "tramoia" à entrada do restaurante, quando encontra surpreendentemente um grupo grande de velhos amigos da Quinta que lhe endereçam os parabéns com um abraço presencial.
Eram os 80 anos de vida do nosso amigo Martins Ribeiro, o nosso decano como o intitulava o saudoso Peinado. que lá por cima sorrirá por esta minha lembrança. Recordo que nesse dia o Aventino foi a Lisboa e veio para estar presente no almoço do Martins Ribeiro e sabendo nós que não é o super homem, mostrou como é um homem super para quem a amizade tem um super valor.
Criou-se recentemente uma página no Facebook para um grupo fechado com o nome "palmeira" e o que lá se publica só pode ser lido pelos membros do grupo. É mais um "chat" de conversas que completa este site com a possibilidade de se publicar fotos, sempre com o acesso restrito. Já temos cerca de 40 membros com uma percentagem grande de colegas mais jovens que se sabiam andar por aquela rede social, criando-se assim uma nova ligação.
Alguns dos últimos textos aqui publicados mostram como também o "vento que leva" nos traz a referência principesca da partida de alguém que já só o vento nos sopra. É bom ler emoções que estremecem os menos sensíveis até, e sentir no cultivo das palavras como é bom ser amigo e ter amigos também.
Já se dizia em tempos antigos
Que é bom ter país e avós
Hoje também é bom ter amigos
Que se lembrem e gostem de nós
E porque hoje é o dia 18 de Janeiro... Parabéns p'rò amigo Martins Ribeiro.
Aquele abraço
Zé Lamas
Ainda estou a recompor-me do estado em que fiquei depois de ler a "Carta a um Amigo que foi no Vento"! Magnífico texto! Pleno de tanta realidade que até parece ficção. "Quanto mais poético mais verdadeiro", dizia Novalis. E este é um texto prenhe de poesia e realidade. Obrigado, Alex. Dei-te a notícia e tu escreveste-me (nos).
Vivi tudo. E sofri. Como quem puxa dum livro antigo esquecido na biblioteca e se fixa só nos apontamentos à margem ou nos sublinhamentos a lápis para tão ferir o texto. Foi o suficiente para ler cerca de 8 anos passados com (ao lado?) o Monteiro. Nem sempre serenos de convivência. Mas estas são as tais folhas que a morte (o Vento?) espalha. Sem apontamentos ou sublinhamentos nas margens. (Obrigaram-nos a representar um melodrama para ver se nos olhávamos e gostávamos! Era Castelo Branco. Mas não.E já nem sei porquê!). Depois... depois foi até àquele domingo, 3 de Janeiro passado, em que, na Serra do Pilar, o Cardoso me mostrou a necrologia.
E tantas vezes eu perguntei: Que é feito do Monteiro?
Porquê?
PS. Como gostava de o ter abraçado. Pode ser que um dia...
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