fale connosco


2016-08-11

Delfim -

Boa noite amigo Ribeiro:

desejo-te uma boa noite, pois parece que há problemas com o fogo...

Faço votos para que tudo se resolva sem problemas.

Um abraço e a minha amizade.

Delfim 

2016-08-11

alexandre gonçalves - palmela

 

 BARROSAL XXVI-Soneto Violento

 

Há quantos anos ando a despedir-me

de tudo quanto em ti não encontrei!

Já nada me sobeja do que amei, 

nem a graça que tinhas de sorrir-me.

 

Eu via nos teus gestos um chão firme,

nas tuas mãos eu nunca flutuei.

Nunca soube em que ponto me enganei

e nem sei se foi erro ou se foi crime.

 

Faz agora um verão cheio de ausência.

O tempo não tem pena do passado.

Viver às vezes é pura violência.

 

Mas agora o desejo está parado.

O verão é um fogo de consciência,

que não pára sem tudo estar queimado.



2016-07-26

alexandre gonçalves - palmela

 

BARROSAL XXVI-Entre Cedros e Casuarinas (Carta a Rute)

 

Quando soube da tua morada virtual, foi minha intenção cometer um acto de humildade e submeter-me livremente às razões pelas quais declaro, sem pudor, ter  a mania da escrita. Não demorei a alterar os planos. A fala mostrou a evidência dessa nulidade. Além disso, a mesma fala trouxe ao meu silêncio outra urgência: a mesa do mar enquanto "aparição". Lembras-te? O nosso primeiro encontro foi na década de noventa, a propósito da cadeira de Filosofia Contemporânea, que eu leccionava. Chamaste-me a atenção quando me propuseste tratar filosoficamente o tema da "Aparição", em V. Ferreira. Devo confessar-te que a tua presença física se impôs primeiro que a tua inteligência. Ambos acabávamos nesse ano qualquer coisa: tu o teu curso e eu o meu casamento. Achei que podia lançar a rede e colher-te nas malhas. Mas havia pescadores muito atentos, mais jovens do que eu. Retirei-me da disputa, antes que tu dela me expulsasses. Dei-te os parabéns pelo teu trabalho e pensei que, fosse qual fosse o caminho, havia muito mundo para ti. Não havia, mas pensei que houvesse. No último dia de aulas, alguns alunos propuseram um jantar solene. Tu estavas deslumbrante e facilitaste-me o olhar. Mas eu já caminhava noutra direcção. Os quinze anos que nos separavam não eram de mais para mim, mas eram-no decerto para ti. 

Deixa passar mais quinze anos. Irei dar uma conferência a aunos do 12º, numa escola da periferia. Como está, Dr. Artur? Quem se dirige a mim és tu, Rute, a tal aluna brilhante da faculdade. Não foi instantânea a ligação a esse tempo. Pouco a pouco, tu cresce-me na memória. Tenho-te na frente e julgo pareceres mais jovem do que és. Abreviei a minha comunicação, seguida de algumas questões. E houve um almoço para os lados do mar. Tu apresentas-te. Divorciada, sem filhos, professora do ensino secundário. Quarenta anos frescos, um corpo disciplinado, sem grandes sacrifícios, garantes. E os mesmos olhos ofuscantes cor de mar, que já outrora iluminavam as aulas de filosofia. De tudo se falou. E até de promessas, creio.

 O tempo acelerado, que marca o ritmo da existência, tornou obscuras e vazias as relações, declarei eu com autoridade.Olhamos e não vemos. Habituamo-nos uns aos outros, com mais ou menos respeito, mas estamos sós. Mesmo quando nos acotovelamos na vida social, não vamos além de uma rude justaposição de corpos e palavras de ruído. O mais interessante de nós fica fora de quase tudo. A primeira consequência é uma supressão gradual de afectos. Os nomes são irrelevantes. A vida pessoal será para muitos uma forma de patologia agorofóbica. Nasce também aí um comportamento de imitação. Ser como os outros dá conforto e segurança. "Todos ao molho e fé em Deus". Algumas práticas religiosas são também uma forma de ver e ser visto. Ser-se pessoa, ser-se indivíduo ( não individualista), eis a grande questão para dar sentido à vida. Construir diferença, ser-se "eu", não sozinho, mas em relação com outros eus, eis o programa que implica maioridade, beleza, sentido. Uma síntese possível: descubro-me através de ti, descubro-te através de mim. A palavra "aparição", como tu sabes, não é minha filha. Fui buscá-la ao teu V. Ferreira, que a desenvolveu num romance homónimo. Ela traduz a emergência súbita, luminosa, de um rosto, de um perfil, de uma intensa emoção que mostra um caminho.( Terá sido este o resumo da minha comunicação).

Na mesa do mar, num mês de julho qualquer, tu "apareceste" em jeito de personagem literária, num misto de metáfora e realidade, num hino à vida, ao desejo, ao esplendor do universo. Lembro-me da branda luz marítima, que embora surpreendente eu já sabia de cor. Lembro-me desse verão de vertigem, que embora breve encheu a praia de uma serenidade inédita. Porém, não sei se o teu vestido era de algodão rendilhado a oiro, ou se era o próprio sol. Alguns dias depois, na hora em que o tempo hesita entre a tarde e a noite, tudo foi ficando mais claro. Pude então ver que não havia mar algum a não ser o dos teus olhos. Que o verão era o teu próprio corpo, sublinhado por palavras nuas, criadas na doce alegria de bebermos a vida, como se fora vinho branco. Que o teu vestido era a extremidade mais fina da onda, alisando as areias, subindo até às dunas e repousando na espuma dos alvíssimos dentes. À distância, já não me recordo se a ementa incluía "alvarinho" ou sangue de frutos silvestres. Mas não tenho dúvidas de que gritei o teu nome entre cedros e casuarinas. Três vezes convoquei as estrelas e a cumplicidade maternal da lua. A resposta foi um infinito silêncio.
2016-07-18

Arsénio Sousa Pires - Porto

 “A noção e a consciência plena da irrelevância individual, da minha própria irrelevância, do facto de tudo aquilo que eu escrevo acabar por ser esquecido, mais tarde ou mais cedo (e de eu próprio ser esquecido, dado tudo tender para o esquecimento mesmo as memórias, aquilo de que hoje me lembro e de que todos nos lembramos), o facto de a própria eternidade caminhar a passos largos no sentido do esquecimento, tudo isso me dá uma enorme tranquilidade e uma enorme serenidade”.

Manuel António Pina

2016-07-13

A.Martins Ribeiro - Terras de Valdevez

Companheiros: hoje e antes de ir de férias vou contar-vos um conto quase verdadeiro. Peço-vos desculpa pela extensão do seu texto ... mas é um conto para desanuviar.

 

                                                  ******

 

O JOGO DA VIDA

— Sabes quem está cá, chegada há pouco de Lisboa?

— Não.

— Adivinha quem!

— Não faço a mínima ideia.

— Homem, a Fernanda!

— Qual Fernanda?

— Ora, vai-te lixar, agastou-se Jorge.

E, em tom zombeteiro, inquiriu de novo:

— Ora tu, Rogério, não saberes quem é a Fernanda!...

— Claro; a não ser que te queiras referir a …

— Pois, que Fernanda havia de ser? Essa mesma, a Fernanda Rocha, tua antiga namorada!

— E ela está cá?

— Disse-mo, há instantes, o Armando e eu até já me cruzei com ela em frente ao correio!

Após tal revelação Rogério tornou-se pálido e pediu ao companheiro:

— Jorge, tens aí um cigarro?

Acendeu-o a tremer e depois de alguns momentos de reflexão, alvitrou:

— Obrigado; irei procurá-la e falar com ela logo que possa.

E afastaram-se.

Rogério Santos, funcionário bancário, tivera em tempos namoro, um namoro pegado com Fernanda Rocha, assistente social em certo tempo a residir numa vila da província. Depois, por motivos só dos dois sabidos e não devo andar longe da verdade se disser que era pelo reduzido interesse da rapariga, em dada altura romperam com a relação tendo-se ela então ausentado para a capital donde escreveu ainda umas tantas cartas ao namorado emudecendo, no entanto e definitivamente, dali a pouco tempo. Tomei conhecimento destes pormenores pelo próprio Rogério Santos que, em dada ocasião, os desabafou comigo.

Ele amava-a com veemência, com uma paixão tão esbraseada e intensa que o chegava quase a transtornar. E Fernanda era linda, duma formosura suave e cativante, sorridente, duma beleza quente e tentadora, duma fina e senhorial elegância, tão irreal como um anjo. Duvido mesmo que os anjos do Céu fossem mais belos, se é que ela mesma não era um deles feito carne. Junto dela ninguém podia ficar indiferente a essa etérea lindeza e penetrante simpatia, não admirando pois que Rogério se sentisse perturbado e a amasse com tão louco desejo. Além de que era um rapaz muito sensível e o que mais bulia com a fibra da sua mocidade era a beleza de uma mulher!

Depois da conversa com o seu amigo Jorge foi, de facto, procurar Fernanda. Encontrou-a sentada na esplanada de um café do burgo, fez a parte de que nada sabia e foi colocar-se ao seu lado. Conversaram durante longo tempo, sobre tudo e sobre nada quando por fim, a dado momento, o rapaz, inconformado, lhe reiterou o seu amor, a sua paixão sempre quente e avassaladora, ali mais acirrada com a presença da jovem.

— Está bem, Rogério, objectou a moça, tenta compreender! És pessoa esperta, sabes muito bem que o amor se não pode fabricar, sabes que o amor é um sentimento que nasce dentro de nós de forma expontânea mesmo contra as nossas tendências, brota muitas vezes por um motivo fútil e descabido de todo mas, que queres, é sempre um motivo criador dessa afeição que nos deixa inermes e subjugados, presos e enleados nessa teia. Não somos nós que podemos amar porque nos apetece ou que devemos deixar de fazê-lo porque nos convém. O amor nasce, não se faz nem se pode fabricar. Por isso, tenta compreender, Rogério. Posso dedicar-te, sim, uma amizade sincera, desinteressada, uma amizade fraterna, confidente até … mas amor, Rogério!? Tenta compreender; por Deus, tenta…! Lembra-te de que chegará o momento em que surgirá a mulher que tu amarás e te fará feliz, a tal ponto que já eu nem te venha a lembrar depois.

— Oh, Fernanda, balbuciou o namorado possuído de uma palidez mórbida, com um semblante triste, duma tristeza calma e conformada: cala-te, Fernanda, não me ofendas! Cala-te que me estás a magoar. Dizes tudo isso com boa intenção, bem o sei, mas olha que me estás a ferir profundamente.

— Sabes, continuou ela, parto de novo, brevemente, para Lisboa e não voltarei tão cedo, de forma que isso te ajudará a esquecer. Amanhã mesmo vou ao Porto tratar de assuntos meus.

— Se mo permitisses, gostaria de te acompanhar.

— Não há nada que o impeça, contudo, Rogério, é melhor não vires, está bem?

— Tens razão, Fernanda, não irei, fica descansada.

 

                                              ****

Pelo alvoroço que àquela hora da manhã se verificava na Vila, Rogério, assomando á janela, soube que tinha havido um acidente de trânsito de certa gravidade. Acabou de tomar o pequeno almoço e saindo para a rua ficou, num instante, ao par do sucedido.

Fernanda, quando na tarde do dia anterior regressava da cidade, despistara-se com o carro e encontrava-se, àquela hora, entre a vida e a morte na cama de um hospital. Correu velozmente a casa da sua amada e encontrou apenas a criada dado os pais terem seguido imediatamente para junto da filha. Rogério não hesitou um momento sequer: correu para o seu automóvel e, infrene, acelerou para a cidade.

Perguntou pelo quarto onde se encontrava a sinistrada e, uma vez lá dentro, deparou- se-lhe o espectáculo sempre triste da presença da morte fazendo a sua tétrica ronda. Dum lado viu a mãe de Fernanda banhada em lágrimas e, de pé a um canto, divisou o pai que, embora de aspecto sombrio e de semblante carregado pela ansiedade e sofrimento se mostrava, no entanto, bastante calmo. Cumprimentou-o e por ele soube que a moça estava inconsciente desde a nefasta ocorrência, não podendo ser vista a não ser pelos médicos. Rogério não arredou pé e conformou-se com uma espera incerta. Longa ou breve? Não era possível sabê-lo.

Decorridos já muitos minutos e quando passava um médico de serviço não hesitou em o interpelar, inquirindo sobre o estado da enferma.

— O senhor é da família?

— Bem … vacilou o jovem, sou apenas um amigo …

— Sabe? Contra o previsto, os maus tratos físicos são de pouca monta e fáceis de recuperar mas o seu estado tornou-se muito grave por ter perdido demasiado sangue e somente uma transfusão poderá permitir alguma …melhor, toda a esperança.

— Então qual é o problema, doutor?

Com um leve sorriso de perito no seu ofício, o médico procurou explicar:

— Não é tão simples assim como pensa.

O problema complica-se pelo facto de o grupo sanguíneo da sinistrada ser dos mais raros que se podem encontrar. O senhor sabe o que isso é?

— Bem, doutor, li alguma coisa sobre o assunto, no entanto, tenho apenas uns conhecimentos rudimentares, como qualquer leigo.

— Pois meu amigo; não basta ter qualquer sangue á disposição para utilizar nestes casos, é preciso que ele seja compatível com o de quem vai recebê-lo. Em suma, tem de ser do mesmo grupo e do mesmo tipo.

— Compatível? Não percebo …

— Em certas circunstâncias torna-se necessário encontrar entre centenas e até em milhares de dadores, aquele cujo sangue pela combinação muito rara das suas diversas características grupais possa ser aplicado a um doente específico. Por isso, pode avaliar melhor a angústia da situação. Já fizemos um apelo pela rádio e entre muitas pessoas que se encontram presentes, porém, até ao momento ainda nada se conseguiu. Portanto, trata-se quase de uma corrida contra o tempo.

Ia o clínico a retirar-se após tais esclarecimentos quando Rogério, subitamente, o deteve:

— Espere, doutor, lembro-me agora de, quando um dia na tropa me classificaram o sangue, ter ouvido comentar que o meu era de um tipo bastante raro. Nunca me preocupei muito com o facto e desconheço os pormenores, mas não se poderia confirmar isso agora?

— Se o deseja … não custa nada.

— Veementemente!

O médico fixou-o por instantes com outro sorriso, como se tivesse compreendido:

— Então, venha comigo.

Rogério seguiu-o até uma sala equipada com vários aparelhos, um pequeno laboratório onde eram realizadas as mais simples e urgentes pesquisas hospitalares. Estendeu um dedo do qual, ao ser picado, brotou a gota de um líquido espesso intensamente rubro.

Depois de algumas manipulações do sangue num vidro liso, com provetas e conta-gotas, o clínico deixou escapar um oh! de espanto e ao mesmo tempo de satisfação correndo, sem sequer olhar para o rapaz, para o exterior da sala. Voltando dali a minutos, exclamou:

— Amigo, garanto-lhe que só pode ser um milagre. O senhor foi o emissário da vida para salvar aquela mulher de morte certa, pois o seu sangue é exactamente do mesmo tipo do que corre nas veias dela. Está preparado?

— Sim, somente com a condição de que ela nunca venha a saber quem lho doou.

                                                     ****

Muito tempo se passou após aquele incidente que arrancou Fernanda Rocha das garras da morte. Já tudo parecia esquecido quando, certa tarde, o carteiro entregou a Rogério Santos uma carta que continha um convite de casamento. Era o dela. Passou várias noites em claro, entre hesitações e lutas internas, até que tomou uma resolução. Iria; que importavam a amargura e o fel que teria de beber? Suportaria até ao fim a consumação da sua tragédia. Por outro lado também não podia cometer tamanha indelicadeza para com os pais do seu perdido amor.

 

                                                    ****

Foi uma grande boda! Nada faltou; convidados distintíssimos, saborosos manjares, espirituosas bebidas, muita alegria, muita beleza, muita cerimónia! Rogério foi cumulado de atenções pelos pais da nubente, foi apresentado a muitas pessoas ilustres. Fernanda, sempre linda, cada vez mais linda, agora perdida para sempre, parecia-lhe uma visão distante e vaga na sua mente confusa, meio adormecida. Porém, nem por uma única vez sentiu qualquer arrependimento ou remorso pelo seu acto praticado tempos atrás. Experimentava até, estranhamente, uma íntima satisfação no meio de tanta desventura.

No fim da festa, após as costumeiras despedidas, dispunha-se a regressar: um regresso cheio de frustração que lhe enfraquecia as poucas forças que ainda tinha para reagir, vendo-se conformado com a sua má fortuna, com a sua derrota.

Mais um aperto de mão e deu-se o momento culminante de dizer adeus á noiva, de desejar-lhe, sem azedume, toda a felicidade possível; momento assaz doloroso por todas as razões apontadas.

Cumprimentou Fernanda quase maquinalmente cruzando-se furtivamente os dois olhares. Ao virar-se para se afastar ela, num maquinal impulso, chamou-o:

— Rogério, sei tudo o que fizeste por mim, sei que te devo a vida e a felicidade e sinto-me atormentada por te não poder retribuir com os mesmos dons, dando-te de volta o mesmo amor que sei me dedicas. Perdoa e, mais uma vez te peço, tenta compreender. Tenta … pela Santa Virgem Maria, tenta!

Nesse momento, pelos olhos da rapariga deslizou silenciosamente uma discreta lágrima, verdadeira pérola num rosto de olhar triste e melancólico, macilento, tão triste que essa tristeza parecia irradiar dum mundo indizivelmente misterioso. Era como a mensagem de um conteúdo infinito, perene e cheio, resumindo todo um grito inútil no deserto do destino.

Rogério, tomado da mais profunda perturbação, apenas pôde balbuciar um comovido obrigado e fugiu muito célere daquela tortura sufocante. 

 

                                                    ****

A rodar já em plena estrada, sob uma chuva grossa e fustigante, enquanto fixava o deslizar monótono do limpa para-brisas, com o pensamento alienado, magicava nas palavras da sua amada tentando, na verdade, compreender toda a génese das contradições da sua atribulada existência. Ia tentando compreender … e, com muito esforço, ia tentando reagir também de forma positiva.

 

                                                     ****

Arcos, Maio de 1973

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