2016-10-15
Adolfo de Barros - Práqui'stão ...
Miserere Mei (Salmo 51)
A mim a psicologia barrosista (dos agapantos, como lhes chamo) fascina-me deveras e é fonte de estudo. Cada encontro, como o da última favada, é mesmo delicioso. Isso permitiu-me extrair algumas conclusões psicanalíticas, que algum dia passarei a escrito.
O salmo Miserere Mei é posto em causa assim tão leviana e desnecessariamente, não se vendo nele uma linha de conduta para a vida nem a muita luz existencialista que dele emana, fruto de um coração sincero e profundo. Enfim, sofre-se inutilmente, porque não se reconciliando consigo próprio, não se pode atingir aquela paz interior que apazigua o coração e o encaminha. E eu fico triste; não gosto de ver sofrer ninguém assim tão inutilmente, e tudo apenas por não se reconhecer que a nossa alma é pecadora, limitada e imperfeita, com muitas aderências descartáveis, mas ao mesmo tempo capaz de aspirar a mais, evoluir e aperfeiçoar-se, eliminar teias psicológicas, em suma: de crescer. Mas enfim… Creio que há hereges que realmente gostam de o ser. Só que ser-se herege para sempre não é bom, faz-nos masoquistas e solipsistas. O caminho da catarse e da resiliência é superior.
Sempre pensei que há heresias altamente pedagógicas e que vêm a revelar-se caminho para a libertação e evolução pessoal da consciência. Nisso meditei muito tempo. Porque, claro, eu assim pensava. Mas era eu. E ao mesmo tempo dizia cá para mim: “E Deus… o que pensará disto? Será que pensa o mesmo que eu?” E andava neste dilema até que um dia, apiedado de mim, o meu anjo me deu uma resposta desconcertante. Disse: “Deus não pensa nem raciocina. Apanha flores nos jardins da mente. E canta docemente: Eu sei que você tem um jeito quase único de Amar e de Crer. Eu sei.” E imitava-O. A canção tinha um sotaque abrasileirado, mas a melodia era tão doce, tão inominável e amoruda, como que me trespassou. Não se resiste, coisas que não mais se esquecem… E concluí: Heresias contra Deus não têm importância nenhuma. Mas as que atingem o homem (como a heresia em questão), essas sim, são malignas e não devem ser por nós aceites. Quero, por isso, deixar um pequeno contributo, para a compreensão do salmo em questão, e faço-o numa versão poética para que assim mais eficazmente possa chegar aonde deva chegar. Falta-lhe aquele ritmo salmódico tão próprio de um Inocêncio I, ou de um Gregório (de cujo nome derivou o nosso canto), mas não vá o sapateiro além da chinela. Eles eram Santos, de grande virtude e muita inspiração divina. E, apesar de Santos, foram homens de vasto saber e que muito têm a ensinar ao mundo de hoje. Daqui claramente se infere, meus caros, que a santidade está ao nosso alcance. É que Deus abate os poderosos e arrogantes e exalta os humildes. Mãos à obra, pois. A vitória será nossa! (desculpem-me tanto entusiasmo! Será do Euro?). É o que a todos desejo.
Os muitos afagos da pecadora
suplicante amanhecia
luas cheias em seu corpo
maré alta pelos caminhos
ela veio
de portas abertas até ao deserto mais fundo
ignorando preces
redemoinho de cabelos e lágrimas e afagos
a teus pés inapreensíveis chorando
ela veio
pó e becos infindos onde a alma se perdia
nas feridas onde só amor ardia
e o pensamento pára
as roupas incoerentes eram inúteis
agora que a tormenta explodia
e nela amanhecia
correndo até onde o coração em demasia latindo mais acudia
no pecado de ser assim
e assim ter nascido,
sem nenhum deus sem alma a teus pés caindo perdida
de amor cativa arfando
amanhecia.
e sabendo que ela era eu
assim de tão sem sobrevida chorando tão despida se sentiu
que chorando de Infinito perdida a teus pés expectantes
longe do mundo sorriu
e latindo amanhecia
sem vento sem culpa sem tempo