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2017-03-07

Alexandre Gonçalves - Palmela

 

O MELANCÓLICO HUMOR DOS TROCOS

 

Uma das vantagens de haver algures um portátil, humilde e mudo, que eu coloco junto à lareira deste infinito inverno, era, até há pouco tempo, a esperança da última palavra de mais um dia a cair no calendário. Após o tardio jantar e algumas tarefas domésticas, que há vários dias aguardam a mão libertadora, vejo um pano preto no televisor. Lá fora o vento discute com os cães e com as casuarinas agitadas. O relógio já passou para os lados da uma e percebo então que mais um dia morreu no mar. E agora? Escrever, caminhar pela noite, pelos solavancos das sombras e gastar antecipadamente o dia seguinte? Um resto de prudência sugere alguma cautela. Resta-me folhear o computador, em leitura diagonal, ou atirar-me exausto para uma cama nupcial, onde as núpcias morreram antes de mim. A opção é evidente. Abro o toshiba, corro à pressa o g-mail e detenho-me no AAAR.

O primeiro dia foi surpresa. De vinte do um e um do dois, aquelas duas virgens do norte minhoto, destacadas militantes da salvação local, trocaram a nossa paciência por abruptas versalhadas, rindo-se em uníssono do silêncio colectivo. Que belos trocos nos deram! Nos seguintes dias, só já lia a palavra troco. Tinha que fugir, já sem riso, sem tolerância e, pior que isso, sem imaginação para entrar. Não porque não quisesse, mas por total incapacidade. Chamava por duas ou três palavras. Nem uma chegava a tempo. Aquele humor tem qualquer cousa de viral. E foi daí que virou melancolia. Uma página de ouro velho, aberta a cinquenta anos de caminhada, estava ali num desamparo absoluto, como se Deus desse nozes a quem apenas consome líquidos. Perguntei-me várias vezes: será que, depois do belíssimo número quarenta, já ninguém sente o que é um troco? Já ninguém se ofende? Não pelas referidas comerciantes, que entre si trocaram o que puderam. E aqueles que se dedicam ao ócio "intelectual", que devoram livros e se aborrecem mortalmente de já não terem obrigações? Como é que se deixa uma página daquelas, totalmente em branco? Quem se atreve a abandonar uma herança brasonada e não a protege contra os vandalismos e contra as lembranças vazias? E contra o frio que há nas noites que habitamos?

Se és médico, por que motivo não te curas? A pergunta só pode ser feita por quem abomina o trabalho e a leitura. E mesmo assim, sem mais justificações, cá estou eu a penitenciar-me com estes impropérios tempestivos. Não estive ausente. Não me entreguei aos doces prazeres do século. Pratico a vexante clausura mas não deixo por mãos alheias os meus cuidados.

Amigos e irmãos de viagem e destino! É suposto que a sabedoria ocorra com a idade. Estamos na linha da frente. Somos anciãos de direito, mas também somos gregos e latinos. É essa a nossa herança. Ninguém nos inventariou qualquer outra. Essa fortuna tem um território de expansão. É esta página em que vos lembro e vos digo que Oliveira do Paraíso pratica a esperança. E semeia aromas sazonais. E vos convida a virdes a este sul, onde corre mais vinho que mel, como convém à sabedoria. Talvez o mundo não seja habitável. Mas este sul não é mundo, não tem polícia, nem se ouvem tiros. É um lugar de erva, de sol, de água. e claro, do melhor vinho do mundo!!! 

2017-02-01

José Manuel Lamas - Navarra - Braga

             O troco não estava certo

 

      Para que se acabe ás direitas 

    Fique o amigo informado

    Que as contas foram mal feitas

    E o troco estava errado 

 

    Combustível a encher o tanque

    E motor novo sem avaria

    Não chegam para um bom arranque

    Se ao carro falta a bateria 

 

    Quando de cabelos ao vento 

    Vai à procura das suas damas

    Ó meu amigo do peito

    Que eu gosto de ter por perto

    Oiça o que lhe diz o Lamas 

    Se o pego bem a jeito 

    Eu devolvo - lhe o troco certo .

 

 

Aquele abraço 

 

                      Zé Lamas .

    

2017-01-20

A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez

TROCO

Ironizando os meus motes

Lamas, excelso poeta

Vem duvidar dos meus dotes

Apodando-me de velho;

É errada conclusão

E uma refinada treta

Porque velho posso estar

Mas ainda não sou relho; 

O Lamas é um brincalhão.

 

Repara bem meu amigo,

Assim como um carro antigo

Se o motor estiver bom

E for boa a gasolina

Mesmo que falhe a bobina

Vai de certeza pegar

Nem que seja de empurrão.

 

Segura-me aí, Zé Lamas

Não me tires o alento 

Nem me metas o travão,

Pois de cabelos ao vento

Vou á procura das damas

Cheio de muita animação.

 

Porque estás  aí parado 

Feito que nem um moleque

Podes  querer vir comigo

Mas tira daí a ideia

E ouve bem o que eu te digo;

Indo no meu calhambeque

E só para teu castigo

Nunca te dava boleia.

 

Ó grande Lamas amigo

Não faças jogo da onça,

Fica com este critério:

Afinado um carro antigo

Anda como fosse novo

E só ‘stará acabado

Quando ficar podre a lata

E a sua geringonça

Seja posta em cemitério

 De um monte de sucata.

 

Arcos, Janeiro 2017

 

 

2017-01-18

José Manuel Lamas - Navarra - Braga

A ladainha do . na mira de .. de vista

 

 No dia 17 do mês 11 do ano que findou , fomos brindados com uma bem esgalhada " Ladainha do ponto " . O seu autor , homem que já vai nos oitenta , " muito bem conservados " , fala - nos não de todo mas em parte , como se ainda navegasse nos quarenta . Ora , porque em desacordo , vem um segundo autor , que estagiando nos sessenta , nos apresenta essa mesma ladainha , como se de octogenário se tratasse

 

  Primeiro autor       Segundo autor

 

Vou assinar hoje o ponto                  Não me atrevo a assinar o ponto

E alguma coisa fazer                       Pouco me resta p'ra fazer

Pedindo - vos um desconto              Amigos dai - me um desconto

Se algo de errado disser                 Se algo de errado me ocorrer

 

Para não perder mais tempo            Para por ponto no tempo

Deixai - me então que vos diga        Deixai - me então que vos diga

Vou por - me neste momento           Mulher p'ra mim é tormento

Já no ponto de partida                     É uma enorme fadiga

 

P'ra mulher estou sempre pronto       P'ra mulher já não me apronto

Se ela quiser ser feliz                      Quando ela quer ser feliz

Marcamos ponto de encontro             E não adianta marcar ponto de encontro

E pomos os pontos nos iis                 Na hora de por os pontos nos iis

 

Quando na hora do amor                  Quando chega a hora do amor

Se fica muito excitado                      Não consigo ficar excitado

Sente - se muito melhor                   E já nem sinto aquele sabor

O ponto de rebuçado                        A ponto de rebuçado

 

No autocarro da vida                        O autocarro da minha vida

Para mais se há desconforto              Já me vai causando desconforto

Pode parar -se a corrida                   Só a descer acelera a corrida

Pondo o mesmo em ponto morto        Só já anda em ponto morto

 

Se tudo aquilo que usamos                Sei que tudo aquilo que uso

Não nos causa desconforto                Não me causa desconforto

Logo bem exclamamos                     Como e bebo sem abuso

Que essas coisas estão no ponto        P'ra tentar estar no ponto

 

Estando muito apressados                 Se tento andar apressado

Se alguém nos quer atrasar               P'ra mulher acompanhar

Ficamos logo irritados                       Fico logo muito cansado

A ponto de o insultar                        A ponto de nem respirar

 

Não vale a pena teimar                     Nem me vale a pena teimar

Nem ser casmurro egoista                 Se penso fazer uma conquista

Verdade que se afirmar                     Não acho ponto para me afirmar

Tem muitos pontos de vista                Falta - me força falta - me a vista

 

Quem está fora de abrigos                  Se me sinto fora de abrigos

E entregue à sua sorte                        E entregue à minha sorte

Procure nos bons amigos                     Procuro nos bons amigos

Um ponto de apoio forte                      Alguém que me conforte

 

                     E é aqui que vos peço o tal desconto

                     Por já não conseguir assinar o ponto

                     Porque p'ra mulher satisfazer

                     Só sendo jovem se aguenta

                     E em mim já é tudo a descer 

                     Meus amigos ... eu já bati os oitenta !!!

 

 

Parabéns p'rò nosso ilustre amigo Martins Ribeiro 

Um grande abraço .

 

                                 Zé Lamas 

        

2017-01-10

Delfim Pinto - Almada

Só no dia 02.01.2017 é que comecei a ler a Palmeira (nº.40).

E que Palmeira!!!

Posso estar enganado, mas duvido que outra tivesse tanta qualidade; textos tão ricos de prosa, de poesia, de ilustração; de número, variedade e qualidade de escritores.

São dezanove e de que qualidade!!!

Logo na capa uns versos simples, mas tão simples e belos que até me incomodam (A.P.-Arsénio Pires).

Salto para a última página, pois são outros versos, complicados, intensos, profundos… vou ter que os ler mais vezes para ter a certeza de que os vou entender (Fernando Echevarria).

Vou para a página onze onde a “Paixão do Adolfo de Barros”;”A chuva de Novembro do Alexandre Gonçalves” e o “Salmo de Outono do Arsénio Pires”…me deliciam.

“A Paixão”: do que foi e a vontade de continuar a acreditar…confiando.

“A Chuva de Novembro”: que nos rega a nossa solidão; revela a ausência feminina e com um agridoce de tristeza.

“O Salmo de Outono”: que nos aquece a alma e nos transporta para o infinito. Sublime.

(Eu na mesa do poeta no Martinho da Arcada.)

“À memória do poeta Fernando Pessoa” de Ismael Vigário encheu-me de curiosidade para saber o que iria ser dito deste escritor. É para mim um texto muito interessante, audaz e revelador de grande cultura. Descreve a Baixa de Lisboa e o Martinho da Arcada com encanto; refere o poeta como “um homem profundamente religioso”, “uma obra inacabada”, “tantos modos de tu seres à procura do Ser”. São conclusões que gostaria de ver discutidas num próximo encontro, pois, na verdade, Fernando Pessoa me é estranho e quem sabe: se me entranha.

Ele não soube amar; não foi sociável; foi viciado do álcool. Na Tasca onde jantava conheceu e falou com um amigo, o Bernardo Soares, acerca do Livro do Desassossego…que é ele próprio. Etc…

Quanto ao texto de “O ADN psicológico do “Agapanto” – I – Agapanto: Adolescente até morrer do Adolfo de Barros”:

É delicioso, verdadeiro e ambicioso. Tal e qual.

Desespero pelo próximo texto.

Finalmente: Todos os textos, dos dezanove escritores de qualidade, que completam as vinte páginas desta Palmeira, me agradam.

“Palmeira” , cada vez mais viçosa e rica de saborosos frutos, está para durar.

Um bom ano de 2017 para ela, extensíveis aos seus autores.

Bem hajam.

Delfim Nascimento…

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