Caros AAR’S:
Nesta viagem do silêncio, sugiro-vos o QUESTIONÁRIO DE PROUST:
Vá lá, vá lá, responde. O prazo expira a 30 de agosto corrente e o vencedor será o que conseguir ser mais MENTIROSO.
1. Qual a tua ideia de felicidade perfeita?
2. Qual o teu maior medo?
3. Na tua personalidade, que característica mais te irrita?
4. E qual o traço de personalidade que mais te irrita nos outros?
5. Qual a pessoa viva que mais admiras?
6. Qual a tua maior extravagância?
7. Qual o teu estado de espírito neste momento?
8. Qual a virtude que pensas estar sobrevalorizada?
9. Em que ocasiões mentes?
10. O que menos gostas na tua aparência física?
11. De entre as pessoas vivas, qual é a que mais desprezas?
12. Qual a qualidade que mais admiras num homem?
13. E numa mulher?
14. Diz uma palavra ou uma frase que usas com muita frequência.
15. O quê ou quem é o maior amor da tua vida?
16. Onde e quando te sentes mais feliz?
17. Que talento não tens e gostarias de ter?
18. Se pudesses mudar algo em ti, o que seria?
19. Qual consideras ter sido a tua maior realização?
20. Se houvesse vida depois da morte, o quê ou quem gostarias de ser?
21. Onde preferes morar?
22. Qual o teu maior tesouro?
23. O que consideras ser o cúmulo da miséria?
24. Qual a tua ocupação favorita?
25. E a tua característica mais marcante?
26. O que mais valorizas nos amigos?
27. Quem são os teus escritores favoritos?
28. Quem é o teu herói de ficção?
29. Com que personagem histórica mais te identificas?
30. Quem são os teus heróis na vida real?
31. Quais os nomes próprios de que mais gostas?
32. Qual o teu maior arrependimento?
33. Como gostarias de morrer?
34. Qual o teu lema de vida?
Dez anos de idade, internato, Deus e vocação.
O princípio da bondade e da tolerância reinava no seminário. Nem bullying, nem cigarros, nem palavrões, nem sequer a imposição do divino e dos dogmas da Igreja Católica constituíam qualquer interesse. Todos sabiam que nenhum de nós ali tinha ido parar por um chamamento divino ou por algum querer o sacerdócio para a sua vida. Assim era há muitas décadas, assim tinha sido com eles próprios, eles os que dirigiam a instituição. Havia os que tinham recebido o sacramento da Ordem bem mais por se terem deixado ir na corrente das águas até ao mar, do que por qualquer esforço de navegar até uma margem. Essa questão, esse íntimo sentir e querer nunca ninguém me perguntou: queres ser padre? Quem sabe, com medo da resposta ou com medo que, na verdade, eu quisesse seguir esse caminho.
Bem mais importante eram os princípios com que nos criaram. Nem violência, nem desigualdades, nem ignorância nem genialidade. O homem médio na sua plenitude é que era o ser que poderia ter sido criado por Deus. O homem desigual ao homem não podia porvir da divindade, ensinaram-nos logo no primeiro ano. Não entenderam, pois não? perguntou o diretor, nem quero que entendam hoje, mas amanhã ou daqui a anos porque o entendimento imediato é breve, esfuma-se como a tempestade que nos leva, num instante, todas as colheitas, concluía.
E os dias eram felizes. Na verdade, só os pobres podem aspirar a ser felizes. Os outros, a quê? A serem menos infelizes. Ou a não serem. “Ter é tardar”, (Fernando Pessoa). O dinheiro e o poder deitam-se e acordam ao lado de quem os tem, como se fossem as suas companheiras de leito, como se fossem aquele amor de uma mulher ao cair da noite, fugidio, fugiu na noite, já não está ao amanhecer. Levou tudo, roubou tudo, o relógio, a carteira, os naperons e até o copo de cristal com a prótese dentária postiça. E as outras são diferentes? Sim, claro: só para os inocentes.
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A estrada comanda-me, a primeira curva, as águas que atravessam a estrada, fazem os regos, fazem poças, espreitam por debaixo do chassis e eu paro, lá está o penedo maior na borda da estrada onde tantas vezes trepei para observar o mundo.
Nos horizontes da minha criança, o mundo findava no horizonte da torre da igreja para o sul e nas bordas das oliveiras onde moravam os enforcados. O penedo subia-o nos meus anos de seis e sete e ali ficava agachado por entre a concha que ele fazia a meio da sua enormidade. Ficava ali no meio da fraga a ouvir sons e frios como só o granito é frio, os musgos e o húmido escorria com liberdade. Em todos esses momentos em que me acolhia nos braços do penedo, fazia-o a medo, esse sentir com o qual nunca estive em paz. Tive-o, tenho-o, repudio-o mas quero-o porque provoca-me, empurra-me, faz-me cão a ladrar a todo o que passa apenas porque está em pânico. O medo no penedo e se alguém me visse, ali agachado, enregelado, a olhar para além sem saber o que era além?
Era o medo da minha diferença, as vozes da paróquia, o filho mais novo do Manuel é esquisito, e o penedo, e eu a sair do penedo, novamente a estrada, agora, o automóvel, deixa a memória para trás, para meu coração para (Fernando Pessoa, Aniversário) e a primeira curva, a outra curva, à direita são fragas, à esquerda o vale, nabiças e couves, grelos e abóboras, bardos de videiras a largarem os primeiros gomos.
O penedo dava-me calor, dava-me frio, dava-me o encanto da minha solidão. Agachado no meio do penedo eu podia tudo, ver o mundo, sentir o vento, olhar a luz dos fins de tarde com os meus olhos de apaixonado pela descoberta. Às vezes, ali aninhado, tinha desejos: que o penedo se abrisse e abrindo-se me engolisse, faria ali uma cidade uma cidade só minha e dele, com música dos cantares ao desafio que já tinha ouvido e poesia, sobretudo poesia,
o que é a poesia, perguntei ao meu professor,
o que é a poesia, retorquiu-me, tu sabes?
deve ser como lágrimas felizes, respondi-lhe,
sim, sim, disseste bem a poesia são as nossas lágrimas felizes
e eu a querer ficar no meio do penedo, aberto numa cratera só para mim, onde pudesse derramar as minhas lágrimas felizes. E cristalizar-me. Cristalizar-me só.
O meu penedo rachou, parece que chora, tens musgos e verdetes, tem ervas à sua volta, amareleceu, deixou-se morrer pela solidão. Já não há crianças, já não há cabras nem ovelhas que caguem à sua volta, já ninguém passa por ali a pé. São automóveis, motorizadas, turistas e forasteiros que não saúdam o penedo.
Quando lá vou, ele faz-me queixa, eu e ele, como se nos abraçássemos e ambos soubéssemos que ambos sabemos falar da morte.
ORANDINO DE QUEIRÓS ALVES
Pelo telemóvel do amigo Manel Vieira, chegou-me esta tarde a noticia do falecimento do Orandino Queirós Alves, o decano geral do seminário de Cristo Rei em 1954, ano em que cheguei por vez primeira à quinta da Barrosa. Telefonei de imediato ao seu irmão Bernardino para lhe apresentar os meus sentimentos de pesar.
Orandino, uma das pessoas que me marcaram na altura pela sua doçura e forma delicada com que a todos tratava, sobretudo aos mais pequenos. Dele continuam ainda soando aos meus ouvidos as palavras do regulamento juvenil, que semanalmente lia na capela: "Água mole em pedra dura tanto dá até que fura..." Pouco tempo houve para que se pudesse fortalecer a nossa amizade. Saiu do seminário, creio eu, que a meio do meu 1º ano. Todavia, conosco continuaria na Barrosa, por mais 5 anos, o seu irmão José para que a amizade perdurasse. E bastantes anos depois, o meu encontro com o Pe. Henri conduziR-me-ia ao conhecimento do Pe. Bernardino Queirós, um dos mais chegados ao nosso saudoso Henri Boursicaud, do seu pai e do Amâncio, o outro irmão que também frequentara a Barrosa.
Orandino, uma Pessoa Boa que nos deixou. A Paz seja com ela.
ORANDINO DE QUEIRÓS ALVES
Morreu-me. Um dos grandes amores da minha vida.
José Maria Pedrosa esteve estes dias na Rádio Santiago de Guimarães, de onde é natural e o site guimaraesdigital.com fez assim a apresentação em texto escrito:
"O musicólogo vimaranense José Maria Pedrosa Cardoso é o convidado deste sábado do programa «Largo do Toural», da Rádio Santiago.
Durante a entrevista, o musicólogo, natural de Guimarães, recorda o desperta para a música, interesse que o tem acompanhado ao longo da vida, num percurso em que tem cruzado o trabalho académico e científico com a actividade artística, "na absorvente e apaixonante descoberta dos mundos musicais".
Após os cursos de Humanidades em Vila Nova de Gaia (1955-1961), Filosofia e Teologia em Valladolid e Munique (1962-1969), José Maria Pedrosa Cardoso estudou em Lisboa Pedagogia e Didáctica Musical com Edgar Willems e Jos Wuytack, Direcção Coral com Michel Corboz e Pierre Salzmann (1969, 1971, 1972, 1977), fez o curso geral de Piano pelo Conservatório de Música do Porto (1978), foi dos primeiros licenciados em Ciências Musicais pela Universidade Nova de Lisboa (1986) e obteve o grau de doutoramento em Ciências Musicais Históricas pela Universidade de Coimbra (1998), onde fez a agregação na mesma área científica (2007).
Fundou e dirigiu vários coros, destacando-se o Grupo Coral de Lagos, que fundou em 1976 e que ainda é meritoriamente activo na região, no país e no estrangeiro, e também o Coral de Letras da Universidade de Coimbra, que recriou em 1994 e dirigiu até 1999.
A partir de Janeiro de 1987, e até 1989, acumulou a docência na Universidade Nova de Lisboa e no Conservatório Nacional com o cargo de assessor de João de Freitas Branco na direcção artística e de produção do Teatro Nacional de S. Carlos.
Tendo vencido o concurso de “assistente estagiário para a cadeira de História da Música” na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em 1992, aí exerceu prioritariamente a docência, mais tarde alargada ao mestrado em Ciências Musicais e ao Curso de Estudos Artísticos da mesma Faculdade, que veio a dirigir na área da Música até à sua aposentação, em 2009.
Embora com incursões na música contemporânea, com estudos sobre Luiz de Freitas Branco, António Fragoso e Fernando Lopes Graça, a sua pesquisa musicológica seguiu prioritariamente a pista aberta por Mestre Santiago Kastner, um músico estrangeiro consagrado em Portugal que chamou várias vezes a atenção para uma verdadeira especificidade da música portuguesa dentro do quadro europeu. Tem pautado a sua investigação pela busca da singularidade da música histórica portuguesa, um caminho aberto na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e percorrido em todos os principais arquivos nacionais e estrangeiros. É autor de vários estudos apresentados em colóquios e seminários, tendo publicado vários livros de sua autoria.
Foi homenageado pela Câmara Municipal de Lagos, tendo recebido a Medalha de Mérito Municipal, grau ouro, pelos serviços prestados à cidade, no âmbito da cultura musical, há mais de 40 anos, isto é, entre 1975 e 1982.
Recentemente, criou e dirigiu, em 2016 e 2017, o Festival de Música Religiosa de Guimarães."
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