2018-02-17
alexandre gonçalves - palmela
Pois é, amigo Vieira! Li-te com alguma ternura e bastante humidade nos olhos. Os "lençóis de cambraia fina" ficaram-me atravessados no corpo de vila nova, gelado e humilhado de ausências pérfidas e perversas. Esta queixa, que eu não reputo de pessoal, deixou muita gente a coxear pela vida fora.
É tão cedo para desistirmos! Como foi possível que tudo morresse tão depressa?! Fazes referência à vida imediata do facebook. Fosse ela imediata! Já não seria tão deprimente como isso. Ainda seria vida. Mas a deriva para esses cinquenta amigos, entre os quais recuso incluir-me, já era um sinal de mau agoiro. Tinha o ar de novidade. Mas, se já não houver vida, de que serve a mudança e o abandono do que se é? Mesmo denunciando os vícios da iniciação, que eram superiores à qualquer escolha, teremos de reconhecer à distância que fomos educados para a lentidão. Para a mediação que a linguagem, de inspiração greco-latina, nos impunha. Fôssemos parar ao mundo como filhos de Deus ou do Diabo, ninguém poderia devassar o território sagrado e luminoso da palavra, fosse ela falada ou escrita. A palavra herdada é a única ética da existência social. Muitos reclamam- se com pergaminhos dos eternos princípios judaico-cristãos em que foram educados. Hoje são mais-valias nos negócios, nas múltiplas vidas quotidianas, e até, (quem sabe?), em obscuras e ostensivas solidariedades. Mas exibem sem pudor uma atitude imediata, pela qual pairam ou vegetam sobre a superfície do mundo.
Tudo parece estar a morrer, meu caro Manel. Quando a palmeira contou os seus anos, no largo que a viu nascer, e discretamente desapareceu da geografia, ela anunciava a nossa idade provecta, não por excesso de anos mas por excesso de abandono. Por distração. Por hábitos de indolência e insensibilidade. Por falta de fé em nós próprios e no Deus da infância, a quem na prática não se reconhece qualquer papel no destino humano. Quando muito, a missa dominical, um velório na hora das mortes, uma prece oportunista nos apuros, são os gestos que atestam a crença remanescente.
Quando o mundo se associa, nós desistimos sem remorsos da PALMEIRA, que tantos bens e alegrias nos trouxe? 2018 não é um apelo para um encontro/reflexão sobre a esperança que nos resta? Este país, apesar de poucochinho, não terá ainda recantos e segredos por abrir? Quem abre o caminho para vermos um pouco mais de mundo e um pouco menos de indigência espiritual? Não haverá um resto de solidariedade que deite fogo a esta inércia precoce?
Amigo Vieira, preservaste a continuidade do fogo. Os antigos revezavam-se para garantir o lume no dia seguinte. Sem ele, corriam o risco da extinção. Tu és a permanência. Eu creio que ainda há muita gente acordada. A noite, para nós, começa a ser demasiado comprida. E todos precisamos de todos. As palavras eram a nossa salvação. Se as deixarmos em estado de coma, nunca mais acordamos. Usemos o facebook, o site, o telefone. Digamos asneiras, corroamos os interlocutores, mas salvemos o pensamento. Porque o pensamento não é mais do que o excessivo coração a sentir e a estar excessivamente vivo.