2018-05-24
Aventino Pereira - Porto
IN MEMORIAM DE TODOS OS LUGARES ONDE SÓ ENCONTRO MULHERES FEIAS
Nas lojas, nas ruas, nas igrejas, em casa, à porta de casa, a entrar em casa, a sair de casa, a fazer a casa, a desfazer a casa, a arrumar a casa, a limpar a casa, a sujar a casa, quando o sol está em brasa, e no poente e no nascente, a casar, a enviuvar, a divorciar, a ajuizar, a separar-se, a advogar, no cortejo da queima das fitas é só bêbedas e feias, a cantar, a chorar, a cozinhar, a estragar, a comprar, a sanitar, a pintar, a pintar-se, a lavar, a lavar-se, a limpar, a limpar-se, que grande badalhoca esta feiosa, a gastar, a gastar, a gastar, a gastar. E, na fila do Quai D´Orsay, dentro do Quai D´Orsay, à volta do Quai D´Orsay, a pensar no Quai D´Orsay, é tudo um bando de mulher feia. E tu, singela e bela, quando me deste a mão, Cairo, Pirâmides, Verdi e Aída, se quel guerrier lo fossi! Se il mio sogno, ao menos de uma mulher feia: A reclamar, a afogar, a confessar , a confessar-se, mãos em prece, língua de fora, esticada, Amen, Amen e mais ninguém a não ser mulher feia,
A resmungar, a afogar-te a chingar
A envenenar, a suplicar, a chingar-te
A salvar, a rezar, a coscuvilhar
A salvar-te, a comungar, a roubar,
a gamar
a guiar
a nadar
a bronzear
a espraiar
a chorar,
a trair, a sorrir, a fingir, a mentir, a ir e a vir, a zurzir, a zurzir-te, a curtir, a descurtir, a dormir, a conduzir, a carteirar, a sonhar, a dormitar, a acordar, a varrer, a correr, a adormecer, a bater, a trazer, fui ao Centro Pompidou com Torga e ele pediu bijou, beurre aussi s´il vous plait e la mademoiselle pas belle e, Torga, Aventino, a final, em Paris também há mulher feia,
No Centro Comercial e no Bolhão; nas Finanças e na Loja do Cidadão; no Notário e na Voz do Operário, no fontenário, no campanário e no armário,
No tribunal e à porta do tribunal; no hospital e a coisar o coisa e tal e, depois disto tudo, o único local onde só encontro mulher feia, pelo Entrudo e pelo Natal, em Las Vegas e em Xabregas, em Lisboa e em Goa, no Marco de Canaveses só às vezes, em Órleans, em New Orleans, em Pequim e a beber gin no meu jardim, e depois, no mundo, o que sobeja, o que resta, o que não presta, o que sobra, nas obras, o trolha oh! Careca aí vai massa e só há mulher muito feia na praça, o que tu querias sei eu oh marmanjo e a mulher que desce, papo de anjo pelo pescoço, o que há a fazer se não que não seja meter p´ra veia,
No Ribatejo, nos arrozais,
No Alentejo,
No meio do Tejo,
A afogar no Tejo e em tantos locais, assim que tais, menos ou mais, nos jornais e nos telejornais e o que eu gosto mesmo é de mulher feia,
No autocarro, no metro, no elétrico, nos aviões, no meio dos limões, aos empurrões, senta acolá oh feia, olá, são seis e meia, pra antre o milho? oh tinhoso, diz a feia, e Saint Lazare, La Fayette, femme laide en tous las toilettes, retretes na minha terra se faz favor, armado em fino o filho do fogueteiro, o provocador,
Volta que volta, não volta, volta e meia ainda há alguma mulher feia, só tenho dinheiro para uma omelete, mulher nenhuma quer um “home” que só tem dinheiro pra uma omelete,
e finalmente, eu aqui à volta do papel, profissão inútil e burguesa, não dá para sentar à mesa, senhor doutor trago-lhe aqui uns chouriços, não seja por isso, muito obrigado, lixo com isso e logo de cebola, os chouriços, chiça, está na hora da missa,
E a voz doce da minha mãe, pela minha alma adentro, Tino, Tino, pelo amor de Deus, arranja-me ao menos uma mulher; nem que seja feia.