2018-09-29
alexandre gonçalves - palmela
F R O N T E I R A
(Regressando da quinta da ribeira à lua de palmela, verifico agradavelmente que ainda não é o fim mas apenas um pouco tarde. Aqui e além, ouvem-se vozes ao longe, como quem chama. O som não é nítido. A ondulação vocal tropeça no cimo dos montes e nos abismos submersos das muitas ilhas. Vai ficando para trás um currículo irrelevante, agravado pela vertiginosa decadência da memória. Vão-se os rostos, dissociam-se os nomes, esfumam-se as palavras que ainda sobravam.
Afectos? Em tempos havia uma escada, com degraus regulares. A vida não reconhece a finta. Os degraus eram para serem subidos sucessivamente, sem saltos de acrobacias pedagógicas. De que serve a uma criança a tortura metafísica? Como se faz crescer uma árvore de grande porte? Para que serve um adolescente amputado nos seus rebentos mais vigorosos? Como se pulam, sem consequências, os degraus da idade? Para que fim implantou esse DEUS magnífico o fogo hormonal no mais fundo silêncio da vida, para depois o vetar como fonte de ruína? Afectos? Só de remorso e penitência. E os perversos retiros de setembro, para retomar o caminho, presumidamente abandonado nas voláteis férias do verão. Quem na hora certa não foi amado nem amou só por obra do "Espírito Santo" pôde provar o amor.
Mesmo assim não é o fim , como se prova pelas gotas de água vertidas neste areal. Quero juntar-me às veementes vozes que repudiaram esse monstro ibérico, tão carinhosamente absolvido pela maternal instituição católica, sempre solícita e acolhedora. Quando visitei o tenebroso Vale dos Caídos, o guia informava que o Generalíssimo fez uma promessa aos prisioneiros, que em trabalhos forçados construíam o monumento. Se a obra ficasse concluída na data imposta, eles seriam postos em liberdade. Dito e feito. Palavra de rei. Os operários, cegos de esperança, aplicaram-se e cumpriram. Nesse mesmo dia, o prémio de tanto esforço foi uma execução sumária e integral. Arriba Espanha! Morte aos Cabrais e aos Generalíssimos anónimos, que parece quererem outra vez o terror.)
Não digas o que tenho de fazer!
Não me invadas a vida pessoal!
Não sou, nunca serei o teu quintal,
onde vais distrair o teu lazer.
Se me tentas gostar, deixa-me ser!
Eu sou um território nacional.
Existe uma fronteira essencial,
uma linha vermelha sem se ver.
Se nos amarmos, há um passaporte,
que autoriza a passagem proibida,
tornando a vida cada vez mais forte.
O amor é uma árvore crescida,
exposta ao gelo, à colera e à morte.
Se morrer, morrerá também a vida.