2017-12-07
Luís Guerreiro - Brasília
Amigas e Amigos:
Antes, nos anos passados, eu escrevia, na quadra de Natal, cartas e postais aos parentes e amigos. Mas agora não pode ser. O meu vocabulário minguou, a memória é preguiçosa e os dicionários têm muitas páginas para sondar. Para expressar os meus sentimentos aos que amo individualmente, seria um estorvo nada razoável. Então, doravante, a carta será geral. Eu, a Irene, e o nosso filho André, nossa pequena família, lhes desejamos as Boas Festas de Natal e do Ano Novo. Queremos que tenhais amor, paz, saúde, alegrias, meios donde tireis recursos de uma vida digna, e as bênçãos de Deus.
Não sei se quando sonhamos com o mundo mais perto, pensamos noutras realidades. Eu penso. Na aproximação deste Natal, nunca pensei tanto no Deus que se fez também Homem. Ele, primeiro, não quis ser só, criou. A criação é parte energia, outra é vida. E tudo é maravilha, mas o que mais encanta é a vida dos animais e, destes, mais os humanos:
Deus criou os animais e impus a cada espécie o modo de atuar para sempre. Ao humano criou-o solenemente: “Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança...” (Ge 1,26). O ser humano nasce, cresce, procria, alimenta-se da natureza, morre como os outros animais. Mas tem mais. Ele tem semelhanças com Deus. Deus é Espírito e sabe de tudo, no total e na parte; o humano só sabe as partes. Deus criou o mundo com seu mero pensamento, o Verbo; o humano cria ou inventa do que o Criador já fizera existente. Deus criou a Terra e deu-a ao humano para gozar do que a mãe-terra lhe oferece grátis, ou para trabalhá-la a fim de que neste mundo a vida permaneça.
Deus criou o humano há milênios e aperfeiçou-o. Mas deu-lhe uma inteligência e uma vontade; e o humano era livre, podia escolher o bem, ou o mal. E que fez ele? Desordem, confusão! E Deus veio à Terra, fez-se Homem em um Menino, nascido numa manjedoura de animais. Cresceu. Aprendeu uma profissão e viveu do seu trabalho. Depois, foi fazer o bem aos necessitados e levar a luz da verdade aos que estavam nas escuras. “Ele estava no mundo e por Ele o mundo veio à existência, mas o mundo não o reconheceu” (Jo 1,10) Por fim, foram os humanos que o crucificaram!
Era uma manhã de setembro de 1999. Irene e eu, saímos de Telaviv, num grupo de Studiosos, Agência de Munique, para conhecermos os caminhos que Jesus andou. Passamos primeiro por Cesareia e, depois já na Galileia, paramos em Megiddo, ruínas de uma fortaleza de uns 3500 anos. Atravessamos a seguir um grande vale fértil e subimos uma colina em cuja cima assenta Nazaré, outrora uma pequena aldeia e agora uma grande cidade e a maior população de cristãos árabes. Daí partimos para Tiberíades, onde haveremos dormir. O hotel estava em frente do Lago ou Mar de Galileia e o nosso quarto tinha uma paisagem que nos encantou: a dimensão dos espelhos das águas, os barcos de pescadores, os montes rodeando o Lago, o kibutz encostado, uma das propriedades agrícolas coletivas de Israel.
Mas só agora darmo-nos por uma aldeia toda branca, a querer deixar-se deslizar da encosta para a estrada que leva de Nazaré a Cafarnaúm. Ela chama-se Magdala.
Essa estrada era outrora o mesmo caminho de Nazaré à cidade de Cafarnaúm e outras povoações de pescadores. Antes de chegar ao Mar da Galileia, o caminho descia o Vale das Pombas e desembocava no gigante anfiteatro do Mar. E aqui, nós que cremos e lemos os livros sagradas, ousamos inventar uma história, parte verdade, parte possível.
Cada semana, passava por ali um jovem com um jumento carregado de peças e utensílios de carpintaria. Uma moça da aldeia tinha os olhos postos nele e, uma vez, aventurou-se e desceu à pressa ao caminho. E, sem mais, indagou: “Nazareno, vejo-o muitas vezes passar por aqui. Aonde vai ?” “Vou a Cafarnaúm prestar serviços aos meus clientes”. “Tem mulher e filhos”? “Não. Eu tenho uma missão a incumbir e não me convém casar”.
Depois, o Nazareno não passou mais por Magdala com o seu jumento e artigos de carpintaria. Disseram que o carpinteiro de Nazaré se tinha juntado agora com João Batista, nas margens do rio Jordão, perto da cidade de Jericó.
A moça de Magdala era Maria. E pareceu enlouquecer. A gente vi-a pelas ruas da aldeia ou às beiradas do Lago, cantando os versos apaixonados do “Cântico dos Cânticos”: “Que ele me beije com beijos da sua boca!” (Ct 1,2).”Ah! Como é belo o meu amado! E como é doce, como é verdejante o nosso leito!”(Ct 1,16).“O meu amado é para mim e eu para ele”(Ct 2,16) “Vou levantar-me e dar voltas pela cidade pelas praças e pelas ruas, procurei aquele que o meu coração ama”.(Ct 3,2)
Lá distante, quando João o batizou no rio Jordão, o Nazareno sentiu abrir-se-lhe, como que luz no seu pensamento, a missão que tinha de realizar. Mas como? Para já, as pregações e batismos de João Batista não bastavam e as suas palavras eram excessivamente rigorosas. Então, partiu e subiu para o Monte das Tentações e lá ficou quarenta dias, orando e refletindo.
E, um dia, correu a notícia de que o carpinteiro de Nazaré pregava em Cafarnaúm. A moça de Magdala põe-se logo a caminho e foi dado com ele, na sinagoga, anunciando esta passagem do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e, aos cegos, a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor”(Lc 4,18-19). Enrolando o livro, disse: “Cumpriu-se hoje esta passagem da Escritura”.(Lc 4,21) Maria abeirou-se, fixou-o e ele, ela. E, sem palavra, já ia embora, quando ouviu esta voz: “Maria, não vás que preciso de ti”.
Maria de Magdala amava Jesus. E foi uma das mulheres que o acompanhavam. Viu-o morrer na cruz. E foi quem primeiro correu ao sepulcro e quem primeiro descobriu o RESSUSCITADO!
Depois de andarmos, durante alguns dias, pelos caminhos por onde Jesus deixou tantos vestígios, tivemos de deixar a Galileia e, descendo o vale do Jordão, chegamos a Jericó. Subindo agora pela Wadi Quelt, uma perigosa estrada de deserto, onde Jesus pôs a história do Bom Samaritano, chegamos a Jerusalém, onde ficamos. Um dia fomos a Belém, ali perto. Ouvimos a voz do pastores: “Vamos a Belém ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer” (Lc 2,5).
De nós, Irene, Luís, André, abraços e votos de Boas Festas de Natal e Ano Novo!