2010-03-19
Ismael Vigário - Braga
Apetece-me comentar o poema do Aventino.
"Gosto da tua voz azeda" - O poema do Aventino desenvolve-se à volta da figura de pensamento que é o paradoxo.
O eu poético dirige-se a um hipotético destinatário, um leitor contextualizado a uma vivência que se estranha. O canto de uma voz, que, de início, é afirmativa, diz uma música que pode ter um sentido encantatório, mas é "azeda". Nesta enunciação do eu poético, ele assume-se como sujeito e destinatário dessa enunciação, daí o recurso ao paradoxo. Recurso estilísto em que o eu lírico se virtualiza para melhor potenciar as virtualidades do real que, se houve prazer, ele confunde-se e mistura-se no poeta com a dor. "Gosto da mentira de que te apaixonas", porque o poeta sente e observa o que alguém apregoa como positivo, mas que ao poeta, com o seu distanciamente, lhe parce ser uma mentira, e mais ainda, porque interpreta essa ligação à vida como "paixão, espécie de lamento de ele, o poeta, não puder sentir desse modo, talvez fosse mais feliz, mas não consegue sentir essa realidade, "pachorrice", digo eu.
Mas, este modo de enunciar a existência destes destinatários como felizes, é uma ironia compungida, tom de lamento, por eles, de quem eu, poeta me distancio, porque olho de longe e sinto mais além. O poeta admira a determição dos que vão "além" e não recuam. Talvez os que apregoam a fé, os que acreditam nisto e naquilo, mas mesmo para esses, a voz do poeta proclama uma enorme descrença, embora caldeada de uma nostalgia:""serena desgraça"/ serena morte".
Como dizia Beudelaire no poema: "L'Albatros" Le poète est semblable au prince des nueés/
qui hante la tempête se ri l'archer"
Um abraço fraterno. Ismael