2010-03-08
A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez
Tinha resolvido não intervir mais nesta rubrica e ficar só a “gozar de palanque” mas, por outro lado, tenho um bicho carpinteiro no corpo que me impele a ir para o meio do barulho e a nunca deixar ninguém a falar sozinho: por isso, aqui estou mais uma vez. Verifico que, mais atrás, alguém falou em muros, quiçá em sombras. Não vos atireis a mim pela franqueza com o que vou dizer, mas é o que sinto. Entendo que quem fala assim em muros e sombras só pode ter um espírito pusilânime e possuir um complexo de rapazinho bacoco, mimado e sem fundamento. Entrei na Barrosa logo no seu dealbar e percebo que as posteriores gerações, tendo vivido noutros tempos e sendo agora a grande maioria dos membros da nossa Associação, estejam um tanto desfasadas e não compreendam bem a vivência dos colegas desses primórdios, dos quais eu deverei ser um dos últimos abencerragens ou mesmo o último dos Moicanos. O certo é que, na altura em que lá andei, nunca me apercebi de qualquer muro, salvo do verdadeiro de pedra e reboque com um grande portão pintado de verde, em frente duma frondosa Palmeira. Por conseguinte, nunca tive de saltar, nem mesmo me apeteceu, qualquer muro ou grade. Sou um tipo que me adapto facilmente a qualquer meio, situação ou época em que e onde tenha de passar a minha vida e, assim sendo, até me sentia bem em ter de cumprir regras, seguir uma grande disciplina (suponho que muito mais rígida que aquela a que estiveram sujeitos os que foram vindo a seguir) sem tentações ou veleidades de, pela sombra, procurar saltos furtivos de qualquer espécie. Fui sempre um homem livre, mesmo começando de pequenino. Embora não pareça ou se possa julgar tal, sempre fui possuidor dum espírito indomável, não sendo fácil de dobrar e nunca me deixando enganar; mas sem nunca ter sido revolucionário ou contestador do que quer que fosse. Depois de ter saído da Barrosa, não a salto mas pela porta, e já na vasta arena da vida e em terreno sem quaisquer muros ou ergástulos, fui continuando com a minha conduta de serenidade e calma, sem recriminações ou complexos. Nunca me coibi nem senti pejo de dizer onde tinha andado, nem nunca experimentei qualquer limitação que me tivesse impedido ou condicionado no que quer que fosse. Pelo contrário, tinha até certo prazer e orgulho em frisar essa realidade. Nesse minha fase, de resto como qualquer ser normal, vi-me sempre rodeado de muitas e lindas mulheres, como alguém disse, virgens muitas, pecadoras algumas, tendo todas conhecimento, porque eu próprio as informava disso, de que tinha sido seminarista. Amei, algumas vezes intensamente e fui amado, também algumas vezes com loucura. A condição de ter sido seminarista, trouxe-me até, em alguns casos, certas vantagens: perguntavam-me; - “em que seminário andaste, em Braga, no Porto?” Respondia, com descontracção: - “não, em Gaia, nos Padres Redentoristas.” Concluíam: - “ah! Então, de certeza, tens bons atributos de carácter, formação e cultura!” Nunca ninguém me impôs nada na vida (perderiam, aliás, o seu tempo e feitio) e assimilei sempre e só aquilo em que acreditava. Poderia e aconteceu mesmo ter quebrado algumas vezes, mas sem nunca ter vergado. Fui livre de escolher sempre os meus amigos e, por isso, nunca poderia ter convivido, muito menos privado, com personagens como Zecas, Adrianos, Fanhais e quejandos, porque foram seres desacomodados, potenciais geradores de conflitos, conspiradores e, no seu âmago, insatisfeitos. Temi sempre os que se dizem arautos da Paz porque, na verdade, são geradores de conflitos e os maiores fautores da Guerra. Atente-se ao estado em que tais bonifrates puseram o meu inditoso País. Que me perdoe o Assis, companheiro a quem muito estimo, por não concordar com ele quando diz que nos contaram histórias mal contadas. É possível, mas nós devemos saber fazer a destrinça e deitar ao lixo o que está mal contado. Claro que me deparei com alguns muros na existência: pobreza inicial, tempos difíceis da Grande Guerra, mais tarde na minha profissão; convivência amarfanhada com uma hierarquia presunçosa e com uma inspecção pidesca e arrogante no seu modo de agir. Contudo, nem esses muros saltei; procurei e consegui torneá-los, aproveitando mesmo algumas vezes a superior formação que outrora recebera. Perdoai, companheiros, este meu longo testemunho, direi desabafo. Falei de mim, que querem, também já aqui outros falaram deles próprios. Sempre amei e amo a Vida, a Amizade e, porque não, os momentos mais prosaicos, como sejam, leitões, lampreias, clarinhas de Fão, mexilhão e petiscos do Vieira, chanfana, ensopado de borrego e de enguias, a magnífica e impagável “foda” da minha terra, Monção. Não tanto os alvarinhos, loureiros, adamados e outros néctares que, para mim, até podem ser substituídos, ás vezes com certa vantagem, por um quarto das “pedras”. Passai todos muito bem, pois tenciono “chatear-vos” o menos possível.