2010-04-14
A. Martins Ribeiro - Terras de Valdevez
Meu bom amigo J.Marques: como me convenceu de que você iria passar com facilidade pelo cú da agulha e sentar-se refastelado á direita da mão do Pai, desta vez estou aqui a pedir-lhe humildemente que, nessa circunstância, interceda por mim, miserável pecador. Claro que para que tal aconteça, o amigo terá de ir indo á minha frente, mas não leve a mal. E quando o Pai me passar a respectiva guia de marcha, lá do seu etéreo assento, O convença então para me receber também, mesmo que seja á sua esquerda. Não pretendo ensinar o padre-nosso ao vigário, porque o amigo Marques, perspicaz e desenrascado como é, saberá muito bem o que dizer ao Pai mas, permita-me que lhe sugira alguns tópicos, como em jeito de cábula:
— Senhor, não mandeis o M.Ribeiro para o inferno porque ele, além de ter sido um pobre diabo, não era mau tratante. Cometeu o dislate de tentar defender a vossa Igreja, porque pensava que ainda era vossa não tendo, como eu, percebido a tempo que já o não era, que a dita vossa Igreja era uma Instituição retrógrada, parada no tempo e que se fechou ás luzes brilhantes da civilização, que proibia o casamento dos seus padres, condenava o aborto, a eutanásia e os panascas, que vivia no meio do ouro e da riqueza como adoradora de ídolos com pés de barro. Peço-vos, Senhor, que não retenhais os seus muitos pecados, sobretudo os do seu pouco recato, pois admirava e gostava de lindas mulheres, os da sua fraqueza com os bons petiscos como o arroz de lampreia feito pelo Vieira, o carneiro assado em forno de lenha, conhecido e registado na sua terra como “foda”, o ensopado de borrego pelo qual lhe caíam os beiços, o tentador leitão, um saboroso arroz de frango caseiro, a fugir, e as gostosas pingas do alvarinho e do adamado, cæterosque omnes pecados seus. Mas sabeis, Senhor? Há uma outra razão importante e primordial para mim: é que se o mandais para o chavelhudo nunca mais poderei esgrimir com ele nem conhecê-lo pessoalmente.
— Porquê, meu filho J.Marques? Tu não o conheceste e não estiveste com ele lá em baixo?
— Perdoai-me, meu Pai, mas inventei sempre inúmeras e mesmo esfarrapadas desculpas, até daquelas pr’a boi dormir, só para não me encontrar com ele cara a cara, nem com outros companheiros.
— Apesar de isso, meu Filho, ter sido uma grande malandrice tua, está bem; Eu vou mandá-lo vir. Mas, quando chegar não lhe vou conceder privilégios iguais aos teus e, como ele os não merece, vou encarregá-lo de limpar os lavabos aqui do Céu.
Caro J.Marques se interceder da forma que expus ou com outros termos parecidos, ficar-lhe-ei, então sim, eternamente grato … e ao Senhor também!
Abreijos!