2018-10-30
alexandre gonçalves - palmela
MAGUSTO 2018
Oliveira do paraíso, 10 de novembro
OS PERIGOS INSULARES DA DIÁSPORA
Em tempos que já parecem distantes havia um lugar de encontro. A PALMEIRA desdobrava-se em várias frentes. Havia a revista, de feliz memória. Havia autocarros que destruíam as distâncias. Havia o salão de vila nova, onde ninguém parecia velho. Depois, foi isto, este papel gelado, onde só raramente alguns mostravam o coração. Assim se escreve o título de um romance sem autor: "onde tudo foi morrendo". O tempo mordeu a nossa ausência e cada qual fugiu para onde pôde. Disparámos pelo oceano fora. Fizemos ilhas de sobrevivência. E aceitámos o passado como se tivesse morrido. Um tempo que nos foi comum é agora fragmentado em partículas de inutilidade. Será isto a galopante velhice?
Tivemos a sorte de informalmente haver umas favas mobilizadoras. A norte de todos os rios, nas colinas verdes do verde vinho, desenvolveu-se um espaço sagrado, onde os encontros se repetem sem fadiga. Muito esperados, bem participados, docemente amados. Os conceitos de coma, de cama e de insanidade ficam todos fora do recinto. À despedida, garante-se a uma só voz que para o ano há mais.
Também casualmente, a sul de todos os rios e perto do mar, se repetiu o mesmo fenómeno. Nas colinas medievais de palmela, onde o vinho é mais abundante do que a água, as castanhas nordestinas foram o pretexto. Saudades de uma infância dilacerada, que o precioso fruto de novembro cobria de um prazer simples inesquecível. Um outono quase de mel, com um sol sempre cúmplice, os diversos sabores de época, os figos, as passas, os cajus. E o que as nossas mulheres, sempre entusiasmadas, trazem para a festa. Por fim, envolve-se tudo em vinho cor de fogo, rente às chamas, onduladas por um vento suave. E até se afina a voz por uma canção que interpreta o fim do dia, como se fora feliz.
Dito isto, estão abertas as inscrições. As favas já foram e serão. As castanhas são agora. Tudo isto tem o seu encanto. É o que resta da antiga alegria, quando acreditávamos no esplendor do mundo. Não te percas, meu irmão, na tua ilha, onde o teu barco atracou. Ainda somos muitos. A memória está viva. Sabemos o nome. E os tiques. E as anedotas. Sai do teu conforto, porque não tem tamanho bastante para te consolar. Tudo a postos. Havemos de nos amar ainda mais uns tempos. Boa viagem! O portão está aberto. Solta-te! Olha que há perigos insondáveis no mar que banha as ilhas!