2010-07-01
Alexandre Gonçalves - Palmela
Apesar de já ter comentado a "guerra civil", que invadiu a fala associativa, achei por bem acrescentar um suplemento. A primeira ideia refere-se ao patamar polémico atingido. Em rigor, a polemicidade revela crescimento e individuação. Quer na Palmeira, quer no Fale Connosco, e até no Forum, verifica-se que de algum modo destruímos a uniformidade, perigosamente corporativa, que podia afectar o carácter independente da associação. Cada um cultiva o seu jardim e as rosas que prefere. E usa os métodos que entende. Sem individualismos patológicos, preservámos uma utopia que é ser-se com os outros. Simultaneamente singulares e comunitários. É um projecto para uma vida inteira: ser-se. Não se sendo, não realizando cada qual a seu modo a sua singularidade, não há caridade que nos salve. Se eu não for ninguém, então os outros podem esperar sentados. O que eu tenho para lhes dar é aparência. Dito de outro modo: é uma fraude. Mas uma singularidade só cresce em ritmo relacional. Nenhum eu se define sem outros eus de relação, que partilham comigo a cidade.
Dizia eu que a polemicidade é uma prova de maturidade. Estamos a realizar uma utopia plural, dialogante, aberta à vida e à bondade do mundo. No entanto, e é esta a segunda ideia, não se resistiu à tentação de uma "partiparite" emocional. Já o disse, mas ao repeti-lo quero insistir na sua gravidade. Ninguém me investiu de poderes judiciais. Não condeno nem absolvo. Discordo. E fundamento a minha discórdia. Tanto mais quanto os excessos referidos se prendem a nomes influentes da vida associativa, de indiscutível empenhamento. Caros Arsénio e Aventino, sou dos primeiros a reconhecer-vos o mérito quer da escrita quer das prestações oferecidas à Associação. Porém, neste ponto particular, vocês fizeram-se cúmplices e apoiaram-se mtuamente numa atitude estranha, que merece divulgação. Como o Arsénio citou o Aventino, então eu cito o Arsénio: "Senti-me saudavelmente motivado pelo excelente post do Aventino. Então aqui vai ao correr da tecla.
Com Saramago morreu mais um pedaço do pouco que resta do comunismo. E quando morre mais um pedaço do comunismo eu sinto que o mundo pula e avança." (Fale Connosco, 20/06/2010)
Por amor de deus ou do diabo, esta tua página é uma ofensa à consciência universal, incluida a cristã. Nunca li nada tão reaccionário, tão obscuro, tão panfletário. É natural porque te saiu "ao correr da tecla". O pensamento não se improvisa. Pensar é mais do que citar números e muito mais do que produzir textos bombásticos e autoritários, como se fosses o filtro cultural da Europa. Não te atenua a distinção entre comunismo e comunistas. É uma questão de linguagem e de apuramento de conceitos. O mínimo que historicamente se pode concluir do comunismo/marxismo é que representrou uma utopia enorme, uma esperança para uma Europa velha e apodrecida. Que forneceu à boa consciência cristã o respeito pelos pobres, pelos operários, pelas imensas vítimas de um capitalismo brutal, que parece não merecer-te nenhum repúdio. O teu texto não disfarça uma longa sucessão de lugares comuns e apreciações bem datadas e claramente conotadas com fundamentalismos obsoletos.
Quanto a Saramago, ele não é só um escritor genial do nosso tempo. Ele é um HOMEM de coerência e de grandeza espiritual dificilmente comparáveis. E é filho da pobreza e desse ideal comunista que tu odeias. Felizmente, não são ódios como esses que tornarão o mundo mais humano, mais diverso, mais habitável. Saramago trouxe para a literatura aqueles que Jesus Cristo dizia serem dignos do reino dos céus. Se ele foi um "grande crente", então bendito o leito comunista que o amamentou. Admitamos por momentos que eu era um ateu militante. Pegava no website da Palmeira e escrevia: "por cada católico que morre o mundo pula e avança". Não reconheces o paralelismo? Saramago nunca o disse e um comunista bem formado nunca o diria. Mas ficou escrito para sempre no Fale Connosco. Não sou comunista nem o seu oposto. Mas sempre direi que grandes nomes da cultura europeia e mundial se inspiraram na "esperança comunista" para escreverem grandes obras. A própria Igreja, quanto tardiamente acordou para a questão social, não ignorou os avanços e os ensinamentos que o marxismo lhe levava nessa matéria.
Só uma pergunta: já que repudias tão veementemente tantos ismos, será que o nosso cristianismo, ontem e hoje, é uma virgem imaculada? Para acabar, Saramago dizia: nós os portugueses ou começamos a pensar a sério no nosso destino ou não temos futuro algum. "Pensar", disse ele.